“Tempo rei” ou “vida que segue”
"O imediato é a medida do nosso possível e o passar do tempo a costura do que nos faz humanos, ao refletirmos, mudarmos e crescermos", reflete Ana Carolina
“O tempo passou, pode ir pegar, papai!”, gritou minha filha mais nova pela casa ao ouvir o alarme do celular tocando. Eu ouvi a frase e consegui imaginar a cena: um imenso relógio com pernas sendo perseguido por milhares de pessoas gritando “PEGA!”, SEGUREM ELE!”.
Precisamos de tempo nesses dias de fardos tão pesados. Precisamos de tempo para sentir nossos ombros doerem, nossas lágrimas escorrerem e nossos gritos ecoarem. Em vez disso, continuamos a seguir adiante, aos tropeços e despedaçadas. Somos uma horda de pessoas traumatizadas por um tempo roubado pelo isolamento, pelas demoras nas decisões que custaram vidas e encontros nunca realizados; por todos os pequenos e grandes danos que ainda não tivemos tempo para processar.
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Dias atrás, estava conversando com minha filha mais velha sobre o mito do Titã Kronos e de sua força inexorável, fonte de medo constante da humanidade, que inevitavelmente será “devorada”. Eu disse a ela que o tempo é, também, um grande curador: precisamos essencialmente dele para que nossas vidas ganhem novos sentidos, espaços e experiências. O imediato é a medida do nosso possível e o passar do tempo a costura do que nos faz humanos, ao refletirmos, mudarmos e crescermos.
Minha filha mais velha está em uma nova escola e a professora de História dela é uma das minhas queridas ex-alunas, sempre dedicada e muito inteligente: um excelente exemplo de como o tempo conta com tecelãs hábeis para montar bons bordados.
Aliás, “tempo” foi o tema de muitas conversas que tive esse mês, que já acabou, escorrendo de nossos dedos como uma nascente de apreensões: as festas de final de ano sinalizavam um 2022 melhor e a esperança vibrava no ar, lançando fios de alegria para nossas almas. Um mês depois, estamos lidando com variantes, aumento de casos de COVID, lotação de leitos, novos sintomas e muitas mensagens novamente dizendo “por favor, se cuida!” Esperança encolheu para dar espaço a novos pontos de dor.
Olho as crianças e temo por tudo que elas estão perdendo agora. Fico imaginando o que vai acontecer até que esse horror tenha fim e pudermos dizer definitivamente: “acabou”. Hoje, vivemos uma infância de máscaras e medos. Uma infância que sorri, apesar de tudo, mesmo lidando com a morte, o distanciamento e a impossibilidade dos abraços.
Eu adoro abraços. Eu era uma criança que abraçava todas as pessoas de quem eu gostava, e eu tenho grande facilidade de gostar das pessoas. Minha filha mais velha nasceu com essa mesma característica: somos “abracentas”. E ela, agora, não pode deixar seu corpo expressar sua imensa ternura e carinho. Eu odiei ter que ensinar isso a ela. Sentia cada célula do meu corpo se contorcendo e gritando “isso é errado!”, mas o eu racional continuava dizendo “precisamos do distanciamento, por favor não abrace as pessoas na rua.”
Estamos no segundo mês do terceiro ano da pandemia. Essa agora tem sido a nefasta contagem do tempo em nossos dias. Estamos cansadas, muitas pessoas estão doentes e precisamos de tempo para olhar com calma todos os estilhaços que essa guerra está promovendo. Continuamos a dizer: só mais um pouco e voltaremos ao “normal”. O “normal” é o que nos trouxe até aqui. O que precisamos é tecer uma boa colcha de retalhos costurada com escutas e abraços. Só assim encontraremos, não a cura, mas o acolhimento necessário para tecermos bons bordados de conexão. É possível sermos melhores, sempre!
Dias Mulheres virão!
Vamos conversar?
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