Nem tudo são flores: sobre maternidade e feminismo
Que nesta Primavera Feminista Materna possamos compreender o lugar da diferença como possibilidade de lutar por algo melhor, para todas e não apenas para si
Eu sou uma mãe assumidamente feminista. Isso significa, em resumo, que considero fundamental alcançar todas as formas de equidade (social, jurídica e econômica) entre mulheres e homens.
Dito isso, também gosto de usar o material que é produzido na internet para começar as minhas reflexões. Existem algumas frases no universo feminista que circulam com grande frequência nas redes sociais para reforçar as ideias centrais de algumas autoras. Eu citarei duas que acho basilares para nossa conversa aqui. A primeira é “Sejamos todas feministas”, esse é o sonho e o ideal; a utopia que seguimos mesmo sabendo dos obstáculos históricos e estruturais de classe, raça e etnia que criam abismos em nossas possibilidades emancipatórias. E a segunda, “A maternidade é a tarefa inacabada do feminismo”, demonstra como as pautas dessa luta por igualdade passam, necessariamente, pelas diferenças de dinâmicas de vida entre as mulheres.
Essas duas sentenças, juntas, formam o grande paradoxo das lutas maternas atuais. Ou seja, buscar dentro dos feminismos as alianças necessárias para que as mães sejam representadas, ouvidas e contempladas em suas reivindicações.
Vivemos em pleno século 21 ainda discutindo divisão de tarefas domésticas, cuidados familiares, igualdade salarial, creches públicas e/ou empresariais com gastos custeados e tantas outras demandas, o que demonstra as tarefas inacabadas de uma agenda cada vez mais cheia de tópicos para contemplar.
Ao mesmo tempo, as mulheres que não são mães também sofrem os efeitos de uma sociedade que as responsabiliza pelos cuidados e como provedoras emocionais das estruturas interpessoais. Isso significa que as lutas maternas são importantes para todas e os feminismos deveriam encarar essa tarefa. Sejamos todas feministas porque, desde o início até o fim, vão nos cobrar desempenhos, performances, comportamentos e papéis muito semelhantes quando somos mulheres.
Sejamos todas feministas porque vão nos cobrar desempenhos, comportamentos e papéis semelhantes quando somos mulheres
Ana Carolina Coelho
Há alguns dias, eu estava explicando para a minha cria mais velha que existem mulheres feministas que não consideram a luta materna uma pauta urgente ou mesmo importante, e a sua indignação me surpreendeu positivamente. Ela me disse: “Mãe, se precisamos lutar todas juntas é muito errado não lutar ao lado de uma pessoa porque você não passa pela mesma coisa que ela”. Imediatamente, me veio à cabeça exemplos de mulheres que são mães e já me relataram que não sofreram no puerpério, que nunca se incomodaram com os palpites alheios e que sempre tiveram rede de apoio ou foram “guerreiras” e criaram seus filhos trabalhando sem “problema algum”.
Eu fico pasma como elas não compreendem que suas experiências pessoais não são o compasso do mundo. Se o que almejamos é a liberdade da igualdade, é preciso acolher a divergência e compreender o ponto de vista exterior ao nosso. Em outras palavras, é fundamental que a diferença seja o nosso parâmetro de leitura do mundo.
A tarefa de cuidar da vida humana é coletiva e não pode ser individualizada. Historicamente, nós, mães, estamos carregando um fardo muito grande que precisa ser repensado (com urgência) em termos estruturais. Isso vai abarcar uma grande discussão coletiva sobre as formas que vivemos, as injustiças, as desigualdades, tudo aquilo que é semelhante e diverso. O que pressupõe que consideremos igualmente todas as experiências e visões de realidade, e não apenas aquelas nas quais, narcisicamente, nos enxergamos. Essa é a verdadeira Primavera Materna Feminista. E se uma criança de doze anos é capaz de compreender o caminho, acredito que essa é a tarefa feminista de acolher as maternidades plurais e seguir na batalha pela equidade.
É possível sermos melhores, sempre! Vamos conversar?