Grandes e pequenos medos da vida
Precisamos admitir que nós, mães, também temos nossos medos e falhas
Eu nunca tive dificuldades para escrever ou mesmo de falar. Aliás, contam as “lendas familiares” que eu comecei a falar bem antes de andar, o que parece ser uma espécie de prova da afirmação acima. A questão é que esta tem sido uma crônica que, toda vez que eu sento para escrever, “magicamente” lembro de alguma outra tarefa urgente que preciso resolver (não que, de fato, elas inexistam). Eu estou PROCRASTINANDO essa crônica. Marinando-a; colocando-a em banho-maria; deixando de molho; fazendo-a esperar ao máximo dentro de mim, porque eu não quero encarar o tema que eu mesma me propus: as “sombras” internas que evitamos olhar quando somos mães. Essas imperfeições, erros, limitações, incoerências e paradoxos que as maternidades evidenciam a cada instante.
E, como as “crônicas de mãe” são reflexões dos pedaços das vivências que eu tenho, preciso contar duas histórias: minha flor mais nova está na fase do “medo de dormir com as luzes apagadas” – a fase do grande medo da escuridão – e minha filha mais velha está, novamente, em uma nova escola onde enfrentou essa semana a sua primeira avaliação. Dois grandes medos e angústias infantis na casa. Confesso que o fato de ter sido uma semana em que as palavras “morte” e “covid” ficaram em segundo plano em suas vidas, mesmo com as notícias diárias, aliviou em mim o fardo de vê-las tão preocupadas, ou mesmo chorando por tantas perdas que já tivemos. Meses sombrios com semanas de pequenas pausas: é o máximo que estamos conseguindo, e eu agradeço por esses momentos, por pelo menos isso. Bem, tem algo aqui que eu não quero contar. O fato é que são três histórias: a última, que eu fiz de tudo para não escrever são os meus próprios medos.
SIM! Mães tem medo. Mães são pessoas que, ANTES de terem sob sua supervisão e cuidados pequenos seres humanos, são SERES HUMANOS formados (ou assim espera-se que sejam). É por isso que mães de “primeira viagem” relatam, comumente, no puerpério, que não sabem mais quem são. Eu lembro exatamente que tive essa sensação nas DUAS vezes. Porque ser Mãe uma vez não te prepara para um segundo ser humano que surge na sua vida, na casa e na rotina da família. EU me procurava nas sombras, nos espaços dos espelhos onde conseguia tentar me enxergar entre uma fralda e um cochilo. E encontrava um olhar que eu conhecia, um sorriso que eu vi uma vez em uma foto antiga e mais nada. Quando eu tinha tempo para tomar banho, nem meu corpo parecia o meu. Eu existia e não sabia onde estava. É uma sensação confusa e difusa que a maioria das mães sente: uma saudade da vida antes da existência das crianças na casa combinada com uma alegria cansada, totalmente esgotada, das tarefas da criação. A intensidade das demandas dos cuidados é exaustiva e solitária, muitas vezes, e, por isso, apavorante para muitas pessoas. Só por isso, a escolha da maternidade deve ser algo honesto e debatido amplamente na sociedade. E escolhas necessariamente implicam em renuncias, decisões e sentimentos.
E com isso, voltamos ao tema inicial desta crônica: os medos. Eu também tive “medos” essa semana. Solicitaram que eu escrevesse um pequeno texto para uma demanda de trabalho e eu “travei”. Decerto a minha lista de tarefas pendentes é como aqueles pergaminho de desenho animado, daqueles que quando são abertos parecem se desenrolar sem fim parecendo um tapete de papel de tantos itens. Só que eu SABIA o que escrever e eu tive medo mesmo assim. De errar. De não escrever as palavras “certas”. De “seiláoque”. Medo, puro e simples. O que sentimos desde crianças, mas que fingimos quando crescemos que não existe mais. Esta é uma mentira inventada e repetida culturalmente. Os sentimentos continuam TODOS dentro de nós. O mundo é que nos ensina que precisamos ignorá-los para sermos melhores e “mais fortes”. Outra grande mentira: sentimentos não “enfraquecem” uma pessoa e ser sensível é fundamental para construir uma sociedade mais acolhedora e coletiva. Uma comunidade mais honesta e disposta a “Amaternar”.
Nesse dia, eu conversei com minhas duas flores selvagens:
– “Vá lá e encare! Vá com medo mesmo! Relaxe! Só estude o que estão pedindo que vai dar certo! A nota que você tirar vai ser boa, eu tenho certeza”. Ela riu e me abraçou.
– “A escuridão acontece porque o Sol “precisou” ir dormir, como as pessoas também precisam. É melhor dormir no escurinho ou com luz?”, e ela: “No escurinho.” Então continuei “Por isso que temos que respeitar o Sol e dormir no quarto quentinho e escurinho para poder descansar bem, certo?”. Segundo abraço do dia e um beijo estalado na bochecha.
Esses medos, por enquanto, eu pude resolver. O meu eu tive que encarar “sozinha”, honrando os passos das forças de todas as mulheres que moram dentro de mim e que encararam suas vidas com dignidade e fé. A pessoa que eu sou hoje só foi possível porque ontem muitas mulheres lutaram para providenciar um futuro no qual – mesmo com medos, inseguranças, angústias e muitas discriminações – eu pudesse continuar essas batalhas sem ser automaticamente silenciada.
De repente, em uma manhã de sábado, um telefonema funcionou como um chamado à escritora que eu sou: sentei e as frases vieram. Eu revisei umas vinte vezes e mandei o meu texto. Deixei de fazer vários itens da minha “lista pergaminho”, mas me senti muito orgulhosa por ter escrito aquelas frases mesmo com medo.
As crianças estão dormindo tranquilas no quarto com as luzes apagadas e a minha flor mais velha está orgulhosa de sua nota. A vida, no Brasil e no Mundo, caminha em passos lamacentos, escorregadios e virulentos. “Exaustão” é a palavra que continua a reger a vida desde 2020, mas essa semana tivemos todas aqui pequenas vitórias. Mães detestam admitir que têm medos ou falhas: isso é contra o “manual da Boa Mãe”. Eu não tenho pacto de compromisso com meus erros e se puder fazer melhor amanhã, eu farei. É possível sermos melhores, sempre! Dias Mulheres virão!
Vamos conversar?
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