As escolhas que não são escolhas da maternidade
A colunista Ana Carolina Coelho reflete sobre como as escolhas presentes na maternidade impactam as mulheres
Há algum tempo, eu estava trabalhando no computador e minha flor mais velha deitou ao meu lado na cama e me perguntou, sem rodeios: “Mãe, por que existem mães que não gostam de suas filhas?” A minha primeira reação foi, como uma boa mãe carioca, fazer uma piada: “Porque elas interrompem a gente a qualquer momento, principalmente quando estamos trabalhando e precisamos de silêncio”.
Rimos juntas e eu olhei para aqueles imensos olhos amendoados pensando o quanto deve ser difícil para uma criança compreender uma situação como essa. Tivemos uma longa conversa sobre escolhas e decisões e ela finalizou me abraçando e dizendo: “Você me ajuda a decidir se vou querer mãe quando eu crescer?”. Eu respondi que eu sempre estaria ao lado dela, mas que seria sua a decisão e eu a respeitaria.
Dias atrás a discussão sobre maternidade compulsória e as funções da maternidade ganharam força na internet impulsionadas pelo filme “A Filha Perdida”, disponível na Netflix. Eu fiquei refletindo sobre as escolhas que não são escolhas em nossa sociedade sobre as maternidades, justamente por não discutirmos o cerne do maternar: toda criança é um trabalho contínuo, constante e cada dia mais intenso. As tarefas, que no início parecem extenuantes – de dar banho, trocar fralda, roupa, alimento e brincadeiras – vão aumentando exponencialmente.
Em algum momento não tem mais fralda, mas tem o desfralde e o ensinar “a se limpar”; é preciso mostrar como colocar cada braço na camisa, todos os dias por muito tempo, até que ela finalmente consiga se vestir sozinha. E existem as demais cargas: roupas, alimentação, saúde, escola e tantas outras que custam nosso esforço produtivo. Ou seja, maternar é mais um trabalho, não remunerado, em nossas vidas. Decidir ser mãe precisa ser uma escolha consciente e não ser mãe deve ser um direito, pois alternativas que só tem uma resposta não são escolhas verdadeiras.
Vivemos em uma sociedade que incentiva reiteradamente que meninas se tornem mães, com mensagens nas mídias, nos brinquedos, nas histórias infantis e em fantasias de mães plenas e sorridentes balançando seus bebês. Além disso, historicamente relega todas essas funções para as mulheres e não provê suporte, políticas e apoio suficientes para as maternidades, alegando que foi uma decisão “individual”. É uma sociedade que reflete um profundo desamor para com as mães e as crianças; que glorifica o sacrifício e a renúncia das mulheres aos seus sonhos e as sufocam com narrativas de “a sua felicidade deve se restringir à realização de ser mãe”. E essas são as escolhas que não são escolhas das maternidades.
Ser mãe é individual na medida que somos únicas na vida de nossas crias, mas o maternar precisa ser coletivo. As parcerias podem ser institucionais, como empresas que reduzem a carga horária ou que adequam as reuniões para os horários das creches/escolas; podem ser solidárias, como a família e as pessoas amigas que se oferecem para cuidar das crianças; podem ser às vezes um telefonema de “me fala do seu dia”, sem julgamentos. Esse “amaternar” da vida não diminui as tarefas, mas retira delas o peso dessa solidão destruidora de sonhos.
Há muitos anos, quando eu me mudei de cidade, no início a vida era muito solitária, pois deixei no rastro da estrada toda a minha “rede de apoio”. Lembro-me que, um dia, a escola demandou um telefone de emergência caso não conseguissem nos contatar e eu, sem saber o que fazer, coloquei no formulário o telefone de uma colega professora – hoje minha grande e querida amiga e parceira, Sônia – e ao encontrar com ela no trabalho lhe avisei do ocorrido, e quando eu estava prestes a pedir desculpas pelo incômodo, ela sorriu e disse: “Que honra, Ana! Muito obrigada!”. Até hoje ela nunca precisou ir até a escola, mas aquela resposta me emocionou profundamente.
Ali eu entendi que as escolhas da maternidade se fortalecem no plural. A maternidade é uma estrada cansativa, tortuosa e repleta de desafios que precisa ser uma escolha pensada, sentida e apoiada por todo o coletivo para que as mães saibam que será bagunçado, difícil e, desse modo, totalmente possível de realizar. Parafraseando um dos melhores mestres de RPG e um grande parceiro de vida: “toda caminhada se faz possível quando contamos com boa companhia”.
É possível sermos melhores, sempre! Dias Mulheres virão!
Vamos conversar?
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