Valorizar a individualidade numa relação não é sinal de falta de amor
A colunista Carolina Apple reflete sobre a manutenção da individualidade em relacionamentos amorosos
O amor romântico, realmente, é um problema. Essa construção com base numa passionalidade, que exclui a individualidade e convida os pares a se fundirem como se fossem um é bem problemática, porque somos seres individuais em um momento de divisão da jornada. Então, esse fogo da vontade de estar pertinho que poderia nutrir a relação e ajudar a construir uma base mais sólida para uma convivência, queima tudo e não sobre nada em meio as surpresas pouco agradáveis que podem surgir diante de uma junção quase que compulsória.
Porém, a gente foi ensinada a determinar o que é o comportamento de quem ama e o do quem não ama com base nesse romantismo, e isso pode nos confundir diante da realidade. Ficar grudado na pessoa não é sinônimo de amor e ouso dizer que pode ser, na verdade, falta de amor-próprio, que nos faz projetar toda a nossa felicidade no outro, que nos joga numa trama de dependência e apego de difícil dissolução, mesmo que todo o entorno do relacionamento esteja cheio de bandeiras vermelhas sinalizando que algo não vai bem ou ainda não está maduro o suficiente para se concretizar.
A manutenção da individualidade é inevitável para ter uma relação saudável. Estar num relacionamento não pode ser uma chance para nos perdermos de nós mesmas. E é muito fácil cair nessa cilada.
Recentemente eu entrei neste lugar. Não percebemos, mas os atritos aumentaram. Mesmo com experiência em relacionamentos longos e uma vontade genuína de abandonar os padrões, caímos na cilada de “sairmos da nossa base” e nos projetamos para o campo das expectativas diante da convivência. As cobranças foram inevitáveis. A paciência reduziu. A lupa distorceu e o que era pequeno ficou grande e o que era grande ficou gigante. Isso porque estávamos olhando para fora, num ‘lugar’ onde não temos domínio algum, nos restando apenas a frustração, o sentimento de impotência e a sensação de estranhamento.
Mas, a real, é que tem gente que pode achar que esse resgate da individualidade é lenga-lenga, pretexto para se afastar e que não é sinônimo de amor. Entretanto, é um cuidado que reverbera no bem-estar do casal quando os envolvidos têm compreensão da importância desse espaço. Se um não compreender, pode ter certeza de que o outro será taxado de egoísta por causa das expectativas do que se acredita ser um relacionamento, mais um oferecimento do destrutivo amor romântico.
Porém, eu coloquei minha individualidade no pacote de valores negociáveis na minha vida, seja lá qual for o modelo de relacionamento. Sacralizei o espaço interno pessoal, que só consegue ser nutrido com a sacralização do espaço externo a partir de momentos de relaxamento sozinha, da falta de obrigação de fazer algo só porque tem um companheiro, das horas de descanso sem preocupações e da compreensão do companheiro do quanto aquilo é importante para os dois. Sem isso, o relacionamento pode minguar por saudade de nós mesmas.