“Vanda” mostra o desespero materno conduzindo decisões extremadas
A brasileira Joana de Verona faz a investigadora no encalço da assaltante e conversa com CLAUDIA sobre o trabalho e projetos futuros
A onda de séries investigativas e inspiradas em crimes reais é uma febre mundial. A série Vanda, que estreia no Lionsgate Plus se destacou no Festival de Berlim desse ano e traz a atriz Joana de Verona em um papel de destaque. Ela é Elisa, a psicóloga que investiga os crimes de Vanda, interpretada por Gabriela Barros e, como diz, é a antagonista da trama.
Vanda reconta uma história surreal que fez notícia em Portugal entre 2011 e 2012, quando a cabeleireira Dulce Caroço, que ficou conhecida como a “viúva negra”, conseguiu roubar cerca de 16 mil euros assaltando bancos sozinha. O apelido ficou por conta do disfarce dela: um vestido e uma peruca preta, com óculos escuros e uma arma (mais tarde identificada como falsa). Dulce, que tinha um salão de cabeleireiro na grande Lisboa, alega que os assaltos foram resultado do desespero: depois que foi traída pelo marido, que a deixou com dívidas e o filho para sustentar sozinha. Quando o salão foi fechado por falta de pagamento, decidiu em ímpeto começar a assaltar bancos, pegando o dinheiro que estivesse no caixa. Mesmo com sua imagem captada nas imagens de segurança e divulgadas em todo país, ela seguiu sem ser presa por um ano. Ela só foi presa, em flagrante, quando os funcionários do banco perceberam que a arma era falsa e a perseguiram pelas ruas. Dulce foi condenada a uma pena de sete anos e meio de prisão, mas já está solta. Foi a seu pedido que os nomes verdadeiros não foram usados na série.
A roteirista Patrícia Müller acompanhou a história pelos jornais e ficou fascinada com o potencial dramático para uma série. Ela e a atriz Gabriela Barros conversaram com a verdadeira Dulce, mas a história da série não segue passo a passo o que realmente aconteceu. Por exemplo, a personagem de Joana de Verona é fictícia, mas de extrema importância na narrativa. A atriz conversou com CLAUDIA via zoom, de sua casa em Lisboa, sobre as personagens e o que as pessoas podem fazer quando se encontram desesperadas.
CLAUDIA: Você conhecia a história da Dulce Caroço, que é a base da história de Vanda?
JOANA: Eu estava morando no Brasil na época. Escutei falar que tinha acontecido, mas só conheci mais detalhes quando a gente filmou, em 2020.
CLAUDIA: É uma história impressionante, Dulce alegou que fez os assaltos “pelos filhos”, ou seja, o que uma mãe é capaz de fazer! E sua personagem é quem descobre tudo…
JOANA: Nunca vivi esse momento como o dela, graças a Deus. Acho que as pessoas são fruto do contexto, mas, pra saber do que a gente é capaz tem que passar pelo mesmo. Não faço ideia! Não tenho dois filhos, não estou numa situação como a dela. A Elisa é a psicóloga forense que estuda a mente das pessoas e o comportamento humano, o que te leva a fazer determinada ação, o que te constitui psicologicamente, emocionalmente, o que acho uma reflexão bem legal porque nem tudo é só preto ou branco, é necessário entender os contextos que levam as pessoas a agir de determinada forma.
CLAUDIA: A história que inspirou a série é recente, é de 2008, e verdadeira Vanda já cumpriu a pena dela, mas ainda hoje se considera inocente, mesmo tendo assaltado bancos, ou seja, é um conteúdo de ‘true crime’ que tem grande demanda hoje…
JOANA: É, o público gosta, né? De ação, gosta de suspense, gosta de crimes de investigação. Então eu acho que o público vai receber muito bem essa série, com certeza. Ela é dominantemente feminina, conta a história real de uma mulher, muito bem filmada, com um super diretor de fotografia [Bartosz Swiniarski] e a Joana [Cardoso], que é nossa diretora de arte, também maravilhosa, ajudou muito no meu trabalho como atriz pra compor a Elisa também.
CLAUDIA: Como foi a ajuda?
JOANA: É que os espaços também influenciam o trabalho, os objetos em cena te ajudam a pensar e a criar uma personagem.
CLAUDIA: Queria que você falasse um pouquinho da sua personagem, que você mesma a apresentou como a antagonista de Vanda.
JOANA: Sim, é a antagonista da história porque mesmo sendo psicóloga, assume um papel que não é o dela – de investigadora – porque fica intrigada por essa história. Elisa é alguém obcecada por trabalho, é competente, profissional, muito talentosa e bem sucedida. É uma mulher jovem que já chegou num nível de carreira acadêmica e profissional avançado, tem doutorado, escreveu um livro e justamente sobre o crime feminino! A tese dela é a de que mentes criminosas são femininas. Então, quando descobre essa mulher [Vanda], que se encaixa no seu estudo e que de repente está ali na frente dela, quer entender essa mente feminina que assalta sem machucar ninguém, que não tem um cúmplice ou um ajudante, que faz tudo sozinha. Fica ainda mais interessada quando descobre que a Vanda foi levada a essa situação porque é uma mãe de família.
CLAUDIA: Mas… isso faz dela ‘antagonista”?
JOANA: Sem spoiler, porque me fale depois do final da série de que lado é que você fica! (risos) Para efeitos dramatúrgicos, para a função de narrativa, a Elisa é uma antagonista porque ela se opõe à protagonista, tem uma ação diferente e um objetivo diferente. Mas acaba virando uma ‘contratransferência’, que na psicologia é o nome que se dá ao processo de confusão, de mescla quando a psicóloga fica muito afetada e obcecada pela cliente e vice-versa. A história é dessas duas no jogo de gato e rato. E ter e ter duas mulheres fortes é tão diferente, né? Graças a Deus está ficando mais comum!
CLAUDIA: Você prefere viver uma antagonista ou protagonista?
JOANA: Protagonistas não precisam ser mocinhas, né? Eu prefiro personagens boas, personagens que me deem trabalho, que me deem motivação, que eu possa cavar, construir, independentemente de ser protagonista ou antagonista. Mesmo que possam haver protagonistas más!
CLAUDIA: E como tem sido sua vida na ponte-aérea entre Portugal e Brasil?
JOANA: Nasci em São Luís, no Maranhão, mas morei no Rio, passei uma temporada trabalhando na Bahia, depois em São Paulo, e no Recife. A minha base é aqui – em Portugal – mas vou todos os anos pro Brasil trabalhar e estar com a família. Vivo aqui e vivo aí. (risos). Nos últimos anos fiz um filme de São Paulo que já deve sair nos cinemas, fiz Éramos Seis, na Globo… E estou querendo trabalhar aí de novo em breve.