Série mostra juventude de Elizabeth I, com abuso, conspiração e drama
A Starz segue na reavaliação das Rainhas britânicas e chega à Elizabeth I, explorando um período frequentemente ignorado pelo cinema
Amo História. Amo biografia. Juntando os dois temas, fico em delírio. A Starz Play tem todo um segmento fascinante, bem novelesco, recuperando as histórias das rainhas britânicas das dinastias York e Tudor e em breve vai passar para a fascinante Catarina de Médicis. Por hora, o conteúdo inédito explora a juventude de Elizabeth I e como os traumas dessa época definiram seu reinado anos depois. Becoming Elizabeth é, portanto, uma série a se prestar atenção.
Para contextualizar. Quando a inglesa Philippa Gregory criou um gênero “ficção histórica”, do qual é considerada “rainha”, abriu a porta para TV de revisitar personalidades marcantes com outra perspectiva. Um dos maiores best-sellers de Philippa, A Outra Bolena, virou série da BBC e depois um filme estrelado por Natalie Portman e Scarlett Johansson (onde reconta as histórias de Ana Bolena e de sua irmã, Mary, que também foi amante de Henry VIII).
A partir desse sucesso, a autora publicou uma série de livros sobre os Plantagenetas, a casa governante que precedeu a dos Tudors. Esses livros foram a base das séries já adaptadas para a Starz, The White Queen, The White Princess e The Spanish Princess. Talvez porque os direitos de A Outra Bolena não estivessem disponíveis, a plataforma pulou essa parte da história indo direto na juventude de sua filha, Elizabeth I, com a série Becoming Elizabeth.
A série agora se distancia do conteúdo de Philippa e é de autoria da dramaturga Anya Reiss, que escreveu algumas peças de teatro bem aceitas pela crítica e é conhecida pelo sucesso EastEnders, da BBC. Becoming Elizabeth também conta com ótimas roteiristas mulheres além de Anya, como Emily Ballou (Taboo), Anna Jordan (Succession) e Suhayla El-Bushra (Ackley Bridge) e faz diferença.
A narrativa explora o período da adolescência de Elizabeth, quando ficou – por ser filha de uma traidora – distante do trono e no meio da briga sucessória entre seus irmãos, Mary (filha de Catarina Aragão) e Edward (filho de Jane Seymour). Por isso a série descreve que é sobre “a jovem Elizabeth Tudor, uma adolescente órfã que se envolve na política e escândalos sexuais da corte inglesa na sua jornada para garantir a coroa”.
O “escândalo” que a série mostra é verdadeiro e quase custou a vida da futura Rainha porque manchou sua reputação. Sem surpresa, embora citado por historiadores, é o algo que mais tarde a própria Elizabeth I tentou apagar de sua biografia, sem sucesso total. Afinal, sua imagem (e marca) de “Rainha Virgem” não poderiam ser ameaçadas por conta do abuso que passou ainda aos 13 anos.
E aqui precisamos mencionar que a série escolheu uma vertente, a do que seria consentimento ou não, mas oficialmente Elizabeth I sempre alegou ter sido vítima e abusada. Tudo aconteceu quando, após a morte de seu pai, foi adotada pela madrasta, Catherine Parr. O ambiente onde deveria ser segura passou a ser um pesadelo quando o marido de Catherine, Thomas Seymour, ultrapassou todas as regras de decoro e teria inclusive abusado sexualmente da menina.
Para aliviar minimamente a temática, a série coloca Elizabeth com 15 anos em vez de 13, o que tecnicamente em tempos modernos, ainda se classifica como estupro. Na época em que ela vivia, teria sido “sedução”. O aparente consentimento da princesa nos jogos sexuais e de poder do casal não alteram o fato, mas é justamente isso que as autoras estão revisitando porque os traumas desse período definiram Elizabeth como adulta.
A reconstituição de época está maravilhosa. Curiosamente, o papel de uma rainha símbolo da monarquia inglesa está nas mãos da atriz alemã Alicia von Rittberg, que mescla a inocência e curiosidade inerentes da idade da personagem na época, mas igualmente destaca a sagacidade que depois vai marcar o reinado de Elizabeth. Tom Cullen, que ficou conhecido pela série Knightfall, contextualiza o complexo, sexy e vaidoso Thomas Seymour, cuja ambição política era desmedida e imoral. Ele e Catherine Parr (Jessica Raine) se aproveitaram da carência afetiva dos herdeiros de Henrique VIII para controlarem suas posições na Corte. Vale destacar a atuação de Romola Garai como Mary I, a filha de Catarina de Aragão, menos vilanesca do que costuma ser pintada mesmo antes dos anos que a marcaram como Bloody Mary e sim, Bella Ramsay (nossa eterna Lyanna Mormont de Game of Thrones) que dá a inocência certa e triste para a trágica Jane Grey, talvez a maior vítima de toda essa história. Fica aqui meu compromisso de tentar voltar a essas duas mais à frente e listar as séries para “Maratona das Rainhas”. Por hora, ver como Elizabeth se tornou uma grande Rainha, sempre é fascinante.