Búzios e elementos brasileiros inspiram o trabalho de Ju Gastin
A riqueza dos símbolos nacionais fez a carioca Ju Gastin encontrar motivação para criar sua marca de semijoias, todas feitas à mão
s acessórios sempre foram protagonistas do visual e da vida de Ju Gastin. Não são as peças que complementam suas roupas, mas o contrário. Formada em moda, ela dedicou alguns anos de sua carreira ao papel de figurinista do programa Esquenta!, apresentado por Regina Casé. Por lá, teve a oportunidade de trabalhar junto a Claudia Kopke, responsável pelos figurinos de filmes como Que Horas Ela Volta? e Minha Mãe é uma Peça.
Foi com esse trabalho criativo feito nos bastidores do entretenimento da TV Globo que Julia percebeu, depois de cinco temporadas do vespertino, que era hora de apostar na sua paixão, as joias.
“Sempre gostei muito da parte do trabalho que envolve pesquisas sobre o Brasil, então me dediquei a descobrir mais sobre a joalheria brasileira. Vou muito a Salvador e, numa das viagens, visitei o Museu Carlos Costa Pinto, que abriga um acervo de joias locais do século 18 e 19. Esse momento foi um pontapé para que eu estudasse o assunto. Minha marca é de semijoias, mas o viés é o Brasil”, explica a carioca de 35 anos.
Julia torce o nariz para a efemeridade das tendências e, como consequência, suas peças carregam singularidade. É a alma brasileira que guia todas as criações da marca que leva seu nome, criada em 2016. “Eu amo usar boné, cinto, bolsa… E tinha dificuldade em encontrar coisas para mim, achava tudo com uma estética voltada para o exterior, com design minimalista. Nunca encontrava criações tão interessantes. E nessa busca pelo design nacional, comecei a entender que eu poderia criar um outro formato, todo feito à mão.”
Essas referências ao país também permeiam o espaço recém-inaugurado pela artista, em Ipanema. O endereço é a realização de uma vontade de ter um local para expor suas coleções na íntegra, mas mantendo a essência de um lugar que representasse seu trabalho.
O antigo ateliê da marca era no Horto, bairro no Rio de Janeiro caracterizado por um clima cool e de construções históricas. A mudança veio pelo desejo de estar num cantinho mais clássico da cidade.
“Ipanema traz essa referência ao modo de vida carioca, em que você circula a pé, depois dá um mergulho no mar, compra um suco na esquina. Foi conversando com as meninas da Pinga [multimarca que reúne peças de designers expoentes], que descobri essa garagem numa casa de pedra. A ideia é fazer referência a um garage sale, mas com lifestyle brasileiro”, comenta sobre o visual do espaço, que é revestido por materiais como madeira e palha, e forrado de objetos de decoração brasileira.
A loja-ateliê de 14 metros quadrados foi projetada pela arquiteta Paula Quintas, mas Julia fez questão de trazer pitadas pessoais, inserindo seus próprios pertences por todo o espaço. A Iemanjá, por exemplo, é inspiração para várias peças criadas pela designer, e sua figura aparece em esculturas espalhadas pelas prateleiras. Representa também a espiritualidade de sua criadora na coleção Pipoca – formada por guias e escapulários –, uma homenagem ao rito de limpeza espiritual feito para proteger e eliminar energias negativas.
“Sempre tive em mente essa forma desconstruída de enxergar o acessório, de que ele pode ser mais poderoso do que a roupa. Não precisa ser apenas para combinar com ela, é algo que vai além”
Não poderiam faltar ainda os búzios, que viraram símbolo da marca. “A primeira peça que fiz foi um par de brincos de búzios. Eles não deram certo logo de cara, no sentido de entender a modelagem, mas foi um sucesso no sentido de ser bem aceito. Acho que naquele momento as pessoas estavam com o olhar mais voltado para o Brasil”, relembra. Integram também a linha de clássicos os acessórios com figas, outro elemento encontrado em abundância pela loja.
“Um espaço que considero especial são as prateleiras próximas ao teto. Nelas, coloquei um apanhado da minha vida e das viagens pelo Brasil. Tem São Jorge, cachaça, livro, carranca, peças de barro, enfim, tudo o que acumulei e que representa meu olhar sobre o país”, detalha.
Alguns dos adornos que ganham a atenção são as mãos e os pés nas paredes, que representam ex-votos, esculturas de partes do corpo e outros objetos que devotos oferecem às suas divindades. Já os galhos, usados para pendurar algumas das semijoias, foram capturados por Julia numa viagem à Ilha do Ferro, povoado no sertão alagoano famoso pelo trabalho de seus talentosos artesãos.
“Minha marca é muito solar, assim como acredito que eu seja. Então, acho que minhas criações refletem isso. Não trabalho com tendências, é tudo atemporal. Tudo o que faço tem um tempo próprio, é mais trabalhado e produzido no modo slow.”
E é nesse ritmo lento, sem pressa, que indicamos apreciar o trabalho primoroso de Ju Gastin.