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Tokenismo: conhece este tipo de preconceito no mercado de trabalho?

Para promover a imagem de que são diversas e inclusivas, empresas contratam funcionários-símbolo. É cruel com a pessoa e atrasa melhorias no sistema

Por Nairim Bernardo
Atualizado em 28 set 2020, 16h57 - Publicado em 24 set 2020, 10h00

O termo não é tão familiar, mas descreve uma situação muito comum – e que não é de hoje. Token significa símbolo em inglês. No ambiente de trabalho, representa aquele funcionário emblemático, cuja contratação contém o desejo de passar a mensagem: “esta é uma empresa diversa”.

Um dos primeiros registros da palavra tokenismo encontra-se em um texto da década de 1960 do reverendo e ativista americano Martin Luther King Jr. Ele se referia ao uso de certas figuras para dar a imagem de progresso a uma instituição. Entretanto, a contratação de pessoas de grupos minorizados nem sempre vem acompanhada de inclusão e oportunidades igualitárias para o crescimento ou mesmo o acolhimento interno.

“Ser mulher, negra e executiva me faz frequentar lugares em que sou a única. Mesmo quando estou presente, sou a exceção que comprova a regra. E a regra é que não há outras pessoas como eu naqueles espaços”, diz Liliane Rocha, fundadora e CEO da Gestão Kairós, consultoria de sustentabilidade e diversidade para empresas, sobre a baixa presença de minorias representativas em cargos de liderança.

Liliane popularizou no Brasil outro termo, o diversity washing (lavagem de diversidade), que também está ligado ao tokenismo. É uma preocupação das empresas de bens de consumo e de serviços para mostrar à sociedade que elas levantam a bandeira da diversidade. Em propagandas, elas vendem uma imagem ao exibir mulheres, negros e pessoas LGBTI+ – que também têm grande poder de compra, claro.

Isso é o que o público vê, mas não reflete a cultura de promoção da inclusão da companhia. Em muitos casos, a estratégia funciona. Em outros, os consumidores e a sociedade percebem que seu dinheiro não está indo para uma equipe verdadeiramente diversa e há críticas, principalmente por meio das redes sociais. “A política do cancelamento é muito forte atualmente.

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Algumas empresas, ao perceber esse linchamento público, vão preferir não tocar no assunto. Às vezes o erro nem é por maldade, mas elas não podem mais ter essa ingenuidade de dizer que não sabiam”, argumenta Maitê Schneider, fundadora da TransEmpregos e consultora de inclusão e diversidade.

Segundo dados da pesquisa “A diversidade como alavanca de performance”, realizada com mil empresas de 12 países pela consultoria McKinsey, em 2017, negócios com maior diversidade de gênero em suas equipes executivas são 21% mais propensos a ter lucratividade acima da média do que os não diversos. Eles também têm 27% mais probabilidade de criar valor no longo prazo.

Falando de diversidade étnica e cultural, os números mostram performance 33% superior. Para Liliane, segundo a lógica da sociedade capitalista e de competitividade na qual vivemos, os melhores deveriam ser contratados. “Mas nem sempre é um processo seletivo de primeiros colocados, pois são primeiros colocados dentro de certas características. Se quem tem melhor desempenho é uma mulher, ela ainda assim pode ficar de fora”, acrescenta.

Para Patrícia Santos, fundadora e CEO da EmpregueAfro, consultoria de contratação e desenvolvimento de profissionais da diversidade étnico-racial, diversidade e inclusão trazem benefícios de marca e de posicionamento de mercado por fazer com que a empresa seja reconhecida como socialmente responsável. “Em termos de gestão de pessoas, o ambiente se torna mais colaborativo e mais solidário”, explica.

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Se a diversidade é tão benéfica, por que implementá-la ainda é um desafio? Por que o tokenismo é tão frequente? Os motivos são vários e se fundamentam basicamente em preconceitos estruturais. Há quem ache que mulheres não são competentes, que a possibilidade de engravidar prejudica o desempenho profissional ou que determinados serviços são perigosos para elas.

Para Patrícia, o fato de haver poucos negros em cargos executivos faz com que isso se torne um ciclo. “A maioria dos que estão em cargos de poder vive em suas bolhas. E a contratação e promoção de quem se parece com eles para cargos de liderança envolvem a manutenção de um racismo às vezes inconsciente, mas muito presente no ambiente corporativo. Para manter seus privilégios, deixam de fazer um esforço real de combate às desigualdades.”

(Darlís Santos/CLAUDIA)

O impacto pessoal

A falta de diversidade pode afetar o desempenho e o lucro das empresas, mas também causa grande mal ao funcionário-símbolo. A pessoa não se vê em um ambiente verdadeiramente inclusivo. Ali, ninguém a respeita nem oferece oportunidades de crescimento profissional. Ela se sente sozinha no papel de representante de um grupo – ou tem poucos companheiros nos quais se reconhece. Os efeitos podem ser devastadores emocional e profissionalmente.

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Maitê conta que já viu muitas pessoas transexuais terem dificuldades ao trabalhar em ambientes que não estavam preparados para recebê-las. “Elas já estão tão acostumadas a ser achincalhadas que se tornam mais resilientes, mas sofrem demais. Precisam provar a toda hora que são boas e que merecem estar ali.

Há companhias que querem aumentar a diversidade, mas não preparam o espaço e acabam impossibilitando a permanência de outros grupos. Aí pode ocorrer de, por um lado, a pessoa deixar o emprego falando mal da empresa e, de outro, de os gestores alegarem que já contrataram alguém trans e não deu certo, evitando tentar mais uma vez”, diz Maitê.

“Com o tokenismo, nossa autoestima e nosso senso de pertencimento são abalados. Pensamos que não podemos estar em determinados lugares”

Patrícia Santos, fundadora e CEO da EmpregueAfro

 

Mesmo que esteja em um cargo de liderança, o funcionário token continua sendo alvo de relações opressivas sociais e de trabalho. Quando uma situação de preconceito ou violência acontece, ele, ou ela, se vê de mãos atadas para tomar uma atitude ou denunciar. “

Certa vez, um diretor tentou me agarrar. Não deixei isso acontecer, mas também não denunciei. Com quem eu ia falar?”, relembra Liliane. Outra consequência possível é a visão generalista sobre o token. Por exemplo, uma funcionária negra deixa de ser vista de forma singular e passa a carregar a responsabilidade de representar todas as pessoas negras, desconsiderando-se a diversidade existente nessa população.

A falta de representatividade e o conhecimento de situações abusivas também fazem com que muitos deixem de se candidatar. “Os grupos minorizados se afastam. Nós, negros, já lidamos com menos oportunidades no mercado de trabalho, e isso nos afeta nas possibilidades de mudança de vida e de ascensão social. Com o tokenismo, nossa autoestima e nosso senso de pertencimento são abalados. Pensamos que não podemos estar em determinados lugares”, explica Patrícia.

Tem que ser diferente

Raquel Teixeira é sócia-líder da consultoria Ernst & Young no Brasil e na América do Sul e líder do programa Winning Women, mentoria para acelerar o crescimento de empreendedoras. Em seu contato com elas, notou que muitas encontram dificuldade para mostrar seu potencial ou para que ele seja reconhecido pela empresa anterior.

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“Por já terem enfrentado preconceito, essas empreendedoras desenvolvem um olhar mais atento para a diversidade, para contratar mulheres, pessoas negras, LGBTs e com deficiência. Não querem reproduzir em seu negócio o que já sofreram”, conta. Somadas, as micro e pequenas empresas são as que mais empregam no Brasil, e Raquel coloca como um dos objetivos do programa a manutenção desse olhar mesmo após o crescimento do negócio.

Para quem deseja seguir o mesmo caminho, Adriana Carvalho, diretora de diversidade e inclusão da Ernst & Young para América Latina, dá conselhos. “Não é só recrutar. Primeiro deve-se garantir que o ambiente esteja preparado para receber o colaborador, de modo que ele seja relevante, e não apenas um número. É preciso fazer diagnósticos quantitativos e qualitativos para conhecer a realidade da empresa, criar metas e se somar a grupos que já existem para discutir e receber orientações sobre essas questões”, diz.

Para buscar referências, ela cita a ONU Mulheres, o Movimento Mulher 360, o Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+ e o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades. “Dependendo do que você necessita, pode procurar uma consultoria especializada. Mas, antes disso, a alta liderança tem que estabelecer um compromisso com a diversidade, que não se alcança só com uma pessoa”.

 

 

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