Mais feminino e menos erótico, sexual wellness é a nova face do prazer
Harmonizando sexo e bem-estar, essas mulheres transformaram o mercado erótico ao mostrar a importância do prazer e dos elementos que levam até ele
E
m uma tarde de sábado na cidade de São Paulo, a loja Nuasis foi o ponto de encontro para pensar, falar e sentir prazer das mais variadas formas. Com os produtos eróticos nas prateleiras, fica nítido que o foco não é só sexual, mas sim em todos os elementos que levam até ele. É essa visão ampla que, inclusive, levou a publicitária Laura Magri, criadora da marca, a empreender na área de sexual wellness.
Em 2016, quando lançou a marca, a escassez de mulheres no mercado erótico a deixava desconfortável, por isso convidar suas concorrentes para uma tarde de conversa, leitura de tarô e troca sobre sensualidade na sua loja está longe de ser algo conflituoso. “Há uma mudança nesse paradigma de concorrência, afinal sozinha ninguém ganha e já temos muitas barreiras. Então, se não se tiver união, vamos formar mais barreiras para trazer avanços a essa conversa. Pra mim é maravilhoso ver gente entrando no mercado”, aponta.
O acolhimento não é exclusivo da postura da Laura. Durante as entrevistas para entender quem são essas mulheres e suas trajetórias no mercado promissor do bem-estar sexual, a menção às companheiras era sempre acompanhada de uma consideração afetuosa e de respeito. Em comum, elas relatam a falta de identificação com o que o mercado convencional tinha para oferecer, o que explica a preocupação com esse conceito de cuidado íntimo, que está longe de uma simples substituição de termo para os sex shops.
No Brasil, já são mais de 2 bilhões de reais de vendas de produtos eróticos só em 2020, de acordo com a Associação Brasileira das Empresas do Mercado Erótico e Sensual. Para Chris Marcello, dona da marca pioneira Sophie Feelings, o “sexual wellness entrou na explosão do autocuidado, que inclui saúde mental, alimentação, skincare e a intimidade”. Ao unir esses propósitos, o produto se torna ainda mais atraente.
De olho nisso, funcionalidade, discrição e conforto são diferenciais amplamente valorizados pelas marcas do segmento. Mas a fórmula não é tão simples. Com um mercado cada vez mais competitivo, empreendedoras de marcas consolidadas e estreantes contam como trilham um caminho inovador para se conectar com clientes sem deixar de lado propósitos e ambições profissionais.
Sexualidade é uma causa
Depois de 30 anos no mundo corporativo, Chris Marcello decidiu experimentar uma nova configuração profissional. A publicitária uniu a expertise acumulada nas empresas voltadas para o público feminino com o mercado promissor do sexual wellness. “À medida que fui estudando, percebi que faltava um olhar feminino para a sexualidade. Comecei a pirar, porque entendi que não tinha apenas um produto em mãos, mas sim uma causa”, diz Chris, que criou a pioneira empresa de cosméticos sensuais, Sophie Sensual Feeling. Para acompanhar o negócio com mais propriedade, ela mergulhou nos estudos e se formou como sexóloga. “A sexualidade não está só em quatro paredes, mas principalmente nas trocas e na identidade”, fala a empresária, que conquistou recentemente duas investidoras por meio desse propósito. Para quem pensa em seguir o mesmo caminho, ela divide em três passos essenciais. “Primeiro é estudar e pesquisar tudo o que cerca essa área; segundo ter um planejamento para se diferenciar e poder contar sua própria história e, por fim, fazer networking. Eu não cheguei até aqui sem trocar experiência com as pessoas”, garante.
Força nas redes
A primeira proposta feita a uma influenciadora em 2018 para divulgar a marca Pantynova foi recebida com receio, sentimento que foi deixado para trás com o boom de vibradores e lubrificantes na pandemia. “Nos últimos meses, nós deixamos de focar apenas o público feminino. Somos uma empresa LGBTQIA+, o nosso sócio é um homem gay, então faz muito sentido atender outras pessoas”, diz Izabela Starling, que fundou a marca com a Heloisa Etelvin. O lançamento do plug anal em agosto, por exemplo, compõe essa mudança estratégica da marca, que zela pela relação íntima com o público. “Todo ano realizamos uma pesquisa com a comunidade. Nos baseamos nas respostas para desenvolver os produtos novos e trazer melhorias”, afirma Iza. Além disso, a marca aposta nas plataformas de streaming e redes sociais com conteúdos que vão desde contos eróticos a resenhas de consumidoras. “O produto não existe sem o conteúdo, porque a pessoa não vai saber como usar aquele produto então são coisas que dependem uma da outra”, aponta Lola. Sem direito a impulsionar e vender nas redes sociais por ter um conteúdo, segundo as plataformas, semelhante à pornografia, a indicação entre clientes e o conteúdo orgânico são vitais para a marca.
Discrição na prateleira
A química Raquel Cruz não tinha familiaridade com o mercado erótico até receber uma proposta inusitada do seu sócio e marido, Robério Viana. “Eu tinha muito preconceito no começo. Topei entrar no mercado por insistência dele, o que foi muito interessante para que eu conseguisse quebrar esse paradigma”, explica a empresária sobre a condição que levou o casal a criar a Feitiço, site de produtos eróticos. Com o tempo, Raquel notou como a experiência feminina era negligenciada pelo mercado convencional dos sex shops. “Queria unir a cosmetologia ao emocional e ao conforto, para que a cliente pudesse se cuidar de dentro para fora e não tivesse desconforto ao deixar nossos itens na prateleira do banheiro”, afirma. Foi essa reflexão que, neste ano, deu origem à DYÔ, seu projeto individual de bem-estar íntimo. O estímulo sexual é apresentado em lubrificantes, sabonetes, óleos corporais e gel que promete altas vibrações. Além do site, eles são vendidos em drogarias de uma rede de shopping para reforçar essa função de cuidado íntimo.
Livre, leve e solta
Para a publicitária Laura Magri, a estética dos tradicionais sex shops era forçadamente associada ao ato sexual. “Tinha vontade de ir à loja, mas não me sentia acolhida e, consequentemente, não comprava”, explica. Os anos de desconforto, neste ano, foram compensados com a abertura da sua própria loja física de produtos eróticos, a Nuasis. “Começamos, em 2016, 100% no digital, mas o ponto físico sempre foi um sonho. Gosto de receber as pessoas e consigo trocar muito mais de forma presencial”, explica a empresária. A marca tem como propósito criar uma nova imagem para a sexualidade, bem longe daquele estereótipo hipersexualizado. Colorida, alegre e inusitada, a identidade visual foi priorizada desde a concepção do negócio. “Apuramos a estética e o design por meio da comunicação, da forma e do material dos produtos. A arte traz um frescor e instiga um novo olhar para o mercado erótico, que ainda é deturpado pelo moralismo e machismo.
Experiência coletiva
A vontade da relações públicas Sarah Ferreira de construir um projeto próprio, aliado à sexualidade, tema que sempre despertou seu interesse, saiu do plano imaginário para o físico por meio da Vaioh, um sex shop para quem gosta de experimentar. “A ideia de se jogar é uma proposta de mão dupla entre nós, fundadoras, e as clientes. Claro que prezamos pela responsabilidade dos produtos, mas o nosso foco é dividir vivências”, comenta Sarah, que tem a amiga Priscila Gabriela Dezan como sócia. Segundo ela, esse impulso de tentar algo novo foi embalado, como uma espécie de mantra, pelo discurso da Viola Davis no Emmy de 2015, quando falou sobre as desigualdades entre mulheres negras e brancas. “Quando ela fala que nós, mulheres negras, só precisamos de oportunidade, eu resolvi me dar uma chance de falar sobre o que me interessa e oferecer isso a outras mulheres”, conta. As santistas investem em pequenos encontros para apresentar a Vaioh às clientes e falar de sexualidade na mesa do bar. “Sinceramente, achávamos que no começo só teríamos carinhas familiares nos eventos, mas tem sido incrível ver pessoas fora do nosso círculo explorando ao nosso lado”, afirma.
Lubrificante e suas funcionalidades
Após cair de paraquedas em uma roda de conversa sobre soluções tecnológicas endereçadas às mulheres, durante seu intercâmbio no Vale do Silício, nos EUA, a designer Marina Ratton foi provocada a pensar mais sobre as lacunas causadas pelo patriarcado na intimidade feminina. “Essa é a primeira geração de mulheres que chega nesse território de poder, construindo um ciclo muito eficiente e com uma visão mais empática de quem entende uma particularidade para criar um produto inovador”, considera a fundadora da Feel, uma das marcas de sexual wellness geradas na pandemia. Depois de se debruçar em uma série de pesquisas qualitativas, Marina decidiu que o lubrificante seria o primeiro produto. “Na menopausa, mulheres abrem mão da sexualidade por serem afastadas do prazer estruturalmente e fisicamente, já que há uma queda na lubrificação, assim como acontece com mulheres que tomam ansiolítico. Então, o lubrificante tem esse papel de ajudar no encontro da sexualidade, de facilitar o uso de coletores menstruais e ainda de proteger o canal vaginal”, explica a empresária, que também aposta nos sabonetes íntimos e óleos para acalmar a pele depois da depilação. “Uma mulher que tem mais segurança sobre a sua intimidade, consegue delimitar fronteiras do que faz bem para si própria em diversas áreas da vida”, reflete.