Para não repetir padrões e ser livre financeiramente
Organizar o próprio dinheiro, considerando traumas, limitações e sonhos, é uma possibilidade para reorganizar a rota, independente das surpresas no caminho
“A minha avó era uma mulher forte, de uma sabedoria incrível, mas lhe faltava independência financeira. Ela não tinha autonomia para fazer o que queria, tinha que pedir dinheiro ao meu avô se quisesse sair com amigas.” Esse é um relato que eu não esperava ouvir de Gustavo, homem guardião da cultura andina em Tilcara, remota cidade de pouco mais de 5 mil habitantes, na Província de Jujuy, no Noroeste da Argentina (junção das fronteiras com Chile e Bolívia).
Me surpreendeu por diferentes razões. A primeira, por estar de férias e não querer quebrar a promessa de não falar sobre o assunto que faz parte da minha rotina de trabalho. Mas também por me deparar com uma percepção masculina rara de que o patriarcado de fato limitou a potência das mulheres, naturalizando a dependência delas pelo “homem da casa”, pelo “chefe de família”. Eu estava longe, em meio a colinas e formações rochosas incrivelmente coloridas e áridas, sentada ao sol para me aquecer do frio, observando cáctus e uma parreira de uva seca. Gustavo contava a história de sua família e daquela região, que guarda ruínas que datam do século XII, memórias da civilização Omaguacas. Embora experienciando um outro contexto, ficou ali a certeza de que a dependência financeira atravessa povos, culturas e gerações.
A dependência financeira poda a mulher e a coloca em um lugar de submissão, a impede de fazer escolhas
E não é por causa desse histórico que devemos justificar uma realidade ainda presente: a dependência financeira poda a autonomia da mulher, a coloca em um lugar de submissão, a impede de fazer escolhas. A mudança não depende apenas da conscientização da mulher, da luta dela por mais direitos — é uma obrigação de toda a sociedade, do setor corporativo ao Estado, atravessar esse labirinto.
E não estou falando só de equivalência aos direitos dos homens, mas, sim, de novas diretrizes capazes de abraçar um outro espectro, o feminino, com todas as suas peculiaridades. Quanto de dinheiro você precisaria para não depender de ninguém para custear as suas escolhas? Esse é um valor que você deve projetar para alcançar! Não tem a ver com quantos dígitos você ganha, mas com o que você necessitaria dentro da sua realidade para sobreviver, seja da forma que você pode ou sonha.
Afinal de contas, as suas ações precisam caber dentro do seu bolso. Escrevendo assim, em poucas linhas, pode parecer que não existe uma bigorna sobre a cabeça de grande parte das mulheres brasileiras, representando o peso das injustiças da maioria, do trabalho doméstico não remunerado à pensão ridícula destinada aos filhos, passando pela desigualdade salarial. Ainda assim, em meio ao caos, é preciso dar um passo, e o próximo, e o seguinte.
Volto de Tilcara, dedico tempo para ler mensagens antigas, passando pela linha infinita do aplicativo até encontrar nomes queridos. Encontro. É uma amiga abrindo o coração: quer se divorciar e, para tal, resolveu fazer um planejamento financeiro. Não para custear o processo, mas para conseguir viver financeiramente sozinha com o filho, sem depender do ex-marido, com quem nem mais quer conversar.
Não há fórmulas ou receitas prontas. Talvez, o planejamento seja mesmo o primeiro passo para a independência financeira. A mulher contemporânea, de um modo que transcende gerações, aprendeu a almejar mais do que a sua sobrevivência. E essa nova história começa nos detalhes para terminar em grandes mudanças. Não é sobre números apenas — tratei sobre isso na coluna “Finanças pedem autoconhecimento”.
Um orçamento cuidadosamente elaborado nos confere confiança para agir de acordo com a nossa essência. Em vez de impulsos fugazes, que impedem de construir uma história de longo prazo, se debruçar sobre um planejamento nos faz enxergar os passos que queremos dar: ganhar, poupar, investir… Saber o que fazer com o próprio dinheiro é um ato corajoso e de amor próprio.