Esta Mulher das Estrelas segue sua jornada inspirando meninas na Ciência
No Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, conheça Duília de Mello, um dos nomes mais conhecidos da ciência brasileira no exterior
“Hoje, estou feliz, contente com o lugar aonde cheguei.”
Essa é a forma como Duília de Mello, astrônoma de 57 anos, define seu estado de espírito, após uma jornada de conquistas que está longe de chegar ao fim. Os prêmios que recebeu, descobertas para as quais colaborou e as pessoas que influenciou são passos que começaram a ser trilhados por uma menina peralta que cresceu no Rio de Janeiro.
Ela, que é vice-reitora da Universidade Católica de Washington e também criadora da Associação Mulher das Estrelas, demonstra em seu sorriso, falas e olhares a verdadeira essência de uma mulher brasileira que conquistou seu espaço na ciência nacional e internacional com base em dois aspectos: curiosidade e resiliência.
“Eu sempre fui uma criança curiosa”, diz Duília sobre sua infância, marcada pelo incentivo da mãe aos estudos. “Ela sempre foi muito preocupada com a gente, principalmente comigo que era uma das mais novas. Ela falava que era para a gente estudar, ter nossa independência para não depender financeiramente de marido.”
Foi esse encorajamento que levou a então jovem entusiasmada ao curso de Astronomia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A escolha do curso foi questionada por seus familiares e professores. “Foi um choque. Ficavam falando que eu ia morrer de fome, mas eu mostrei para eles que o astrônomo nada mais é do que um professor”, contou rindo pelo fato de ter começado sua trajetória de desconstrução de padrões pelo seu ciclo de convívio.
Formada em Astronomia pela UFRJ, fez mestrado no Instituto de Pesquisas Espaciais, em São José dos Campos (SP), e doutorado na Universidade de São Paulo, dando continuidade na área escolhida.
Ainda na universidade percebeu que seu campo era dominado por homens. Mas a falta de mulheres na sua área de trabalho ficou ainda mais espantosa em eventos internacionais. “Uma vez em um congresso, só havia duas mulheres: eu e a mãe do rapaz que ia defender a tese”, contou com bom humor. A história se repetiu também em um refeitório no Chile, em que a maioria das pessoas presentes eram homens.
“Hoje, isso já não acontece mais. Há mais mulheres na área agora, inclusive que foram minhas alunas, mas ainda é uma mudança que está ocorrendo devagar. Poderia ser mais rápido.”
É preciso resiliência para desconstruir estereótipos
“Eu sempre falo isso para minhas alunas: sejam resilientes.”
A astrônoma que se inspirou em sua orientadora de mestrado Professora Zulema Abraham e em duas “senhorinhas simpáticas” também astrônomas, Nancy Grace-Roman e Vera Rubin, viveu algo semelhante ao que aconteceu com Rubin, mulher que confirmou a existência da matéria escura e teve sua descoberta atribuída a um homem.
“Várias vezes! (risos) Eu apresentava uma tese que falavam que não tinha potencial o bastante para ir para frente, semanas ou dias depois um homem tomava a frente, fazia revisões e o projeto ia para frente, com o nome dele. Mas eu ia desistir? Não.”
Duília, apesar de tratar com humor muitos dos casos, apontou com seriedade o quão grave é a diligência das mulheres na área, que lutam contra o assédio, ofertas de promoções em troca de sexo, machismo e um plano de carreira que, em muitos aspectos, não é adequado à mulher.
“Muitas vezes, ao final das minhas palestras, as alunas vem se queixar de professores que as assediam dentro da universidade.”
Os desafios para se fazer ouvir também permeiam o dia a dia. “O famoso mansplaining? Acontece a todo momento! Bom que agora tem aqueles que são do time ‘deixa ela falar’ e ficam insistindo para deixarem a gente falar.” Por isso o papel dos homens também é essencial nesta luta.
“Hoje, o pensamento dos homens é mais aberto, mas ainda é difícil. Além da compreensão, é necessário aceitação, mudança de postura. As mulheres são importantes nessa área, assim como em todas as outras, porque nós temos um jeito de pensar e de ver o mundo que é diferente dos homens.”
Eventos: se emocionando e sobrevivendo às “gafes”
Ela, que por muitos anos foi colaboradora na NASA, é responsável pela descoberta da Supernova SN 1997D (uma estrela que gira muito rápido) e participante das descobertas das Bolhas azuis e da Galáxia Côndor. Durante a conversa com a CLAUDIA, ela relembrou um momento de muita emoção e um outro em que a solução foi dar risada e seguir em frente.
Em 2014, Duília foi convidada até o Itamaraty, em Brasília, para receber o Prêmio Profissional do ano de 2013, que é dado pela Diáspora Brasil-Ministério de Relações Exteriores e Ministério da Indústria e Comércio/ABDI.
“Brasileiro quando mora fora do país é sempre uma emoção ouvir o Hino Nacional e tinha toda aquela recepção, aqueles animadores. Chorei muito neste dia.”
Outro momento citado por ela foi durante um evento de grande porte também no Brasil. “Quando o rapaz foi me chamar, ao invés de se referir a mim como ‘a cientista’, ele se referiu como ‘o cientista’ e eu fiquei no meu lugar aguardando, achando que além de mim havia outro, mas não, ele estava falando era de mim mesmo! Quando subi, senti que ele ficou constrangido e tentou se retratar falando que não dava pra entender no script, mas expliquei pra ele que estava tudo bem.”
Cientista é gente como a gente
“A gente tem que desconstruir este estereótipo de que cientista é nerd. Ciência não é só pra gênio, é aplicação e estudo.”
Apesar de entender que as vezes a ciência toma conta da mente 24h por dia, Duília não abre mão da vida social e recomenda isso a suas alunas.
“Eu falo para elas: escolham bem com quem vocês irão se casar. Tem que ser alguém que entenda suas necessidades e seus momentos. Por isso que a maioria das cientistas, físicas e afins se casam com cientistas, que é o meu caso.”
Apaixonada pela ciência, ela também não esconde o seu amor pela responsabilidade social. “Em 2016, eu tive que fazer uma escolha entre continuar colaborando com a NASA e me estabilizar nas salas de aulas. Porque eu estava fazendo os dois, às vezes passando metade da semana em um lugar, metade da semana no outro. Decidi, por conta do cenário em que a gente estava, com o governo estadunidense sendo assumido por um representante anti-mulheres, ficar na sala de aula, para dar força para aquelas que estavam começando, porque eu sabia que não ia ser fácil.”
Além de Duília contribuir para a formação acadêmica de mulheres na sala de aula, ela também é palestrante.
“Após receber o prêmio no Itamaraty, eu percebi que eu precisava devolver um pouco de tudo o que eu já tinha conquistado no Brasil. Eu fiz graduação, mestrado e doutorado no país. Estava na hora de dar algo em troca. Então eu criei a Associação Mulher das Estrelas.”
A associação tem por finalidade estimular a Ciência nas escolas, conscientizando crianças, jovens e adultos da importância da Ciência para a sociedade brasileira. Foi criada pensando também em mostrar para as meninas, que são minoria na área, que também há espaço para elas nesse campo de estudo.
“Eu estava conversando com duas meninas que leram meu livro na adolescência e que hoje trabalham como mulheres das estrelas comigo na revista Galileu e eu vi ali a importância da representatividade. Eu tive minha mãe, mas muitas meninas não têm o apoio da família e eu acabei me tornando essa mentora da vida.”
“É gratificante ver o resultado de tudo isso. Poder inspirar alguém não tem preço.”