Amanda Moura, 24, trabalha para chamar a atenção para o futebol feminino
Ex-jogadora que atuou nos EUA deixou seu trabalho em campo para se dedicar ao desenvolvimento do esporte no Brasil
Quando a mineira Amanda Moura desembarcou, aos 19 anos, nos Estados Unidos para fazer faculdade e jogar bola, encontrou uma realidade no esporte bem diferente da que vivera na infância. No Brasil, era a única menina do time nas escolinhas de futebol, trocava de roupa no carro por falta de vestiário e, certa vez, teve de enfrentar a ira do pai de um colega, que achava absurdo o filho ser o reserva dela.
Em terras americanas, via seu rosto e autógrafo em revistas sobre a categoria e em panfletos do calendário do campeonato. Popular, ela visitava escolas, dava treinos para outras garotas e empolgava um estádio lotado nas decisões. Nas competições fora da cidade, era acompanhada por um integrante do departamento de marketing, que abastecia redes sociais e organizava ações para promover o time que ela defendia.
É em busca de um futebol feminino assim – com torcida, estrutura e perspectivas profissionais – que Amanda tem se destacado desde que voltou ao país, em 2017, e começou a atuar como consultora da modalidade.
Ela já havia cursado um ano da faculdade de administração e saído do Atlético Mineiro – que encerrara o time de mulheres – quando decidiu deixar o Brasil. Na época, enviou para equipes americanas vídeos das partidas que jogou e acabou participando de um processo seletivo de seis meses.
Ganhou uma bolsa de 40 mil dólares anuais (cerca de 150 mil reais), mais alimentação e hospedagem, na University of Bridgeport, em Connecticut, para vestir a camisa do Purple Knights. Depois de cinco anos, dois motivos a levaram a comprar o bilhete de volta. Um deles foi a saudade da família. Pesava o fato de todos estarem de novo morando em Belo Horizonte. O irmão, Rafael Moura, ex-ídolo do Corinthians e do Fluminense, hoje é do América Mineiro. É por causa do apelido dele, He-Man, que ela ficou conhecida como She-Ra. A outra razão estava ligada ao que havia aprendido. Tinha certeza de que podia ajudar a impulsionar o futebol feminino no Brasil.
“Quando cheguei, queria jogar. Tenho 24 anos, ótima forma para atuar em nível elevado”, lembra. “Foi uma transição muito difícil. Comecei a ver que no meu país há muitos talentos em campo; mas quem está pensando em gestão, marketing, promoção, parte comercial e visibilidade no futebol feminino? Eu quero pensar nisso”, afirma ela, que carrega na bagagem um MBA em gestão.
Fora dos campos, Amanda começou ganhando. Ela assessora Andressa Alves, primeira brasileira a jogar pelo Barcelona, e Letícia Izidoro, goleira do Corinthians. As duas estavam na seleção que venceu em abril, invicta, a Copa América, no Chile. Além delas, Julia Rosado, 8 anos. “A cara da nova geração, a garota mostra que futebol é território de mulher, sim.” Juju é a única menina autorizada a disputar competições oficiais contra meninos.
Amanda participa das discussões sobre propostas de patrocínio que as assessoradas recebem, opina em mudanças de equipe, sugere ações de marketing que gerem o burburinho necessário para que fiquem conhecidas e atraiam interesse. Tem projeto de consultoria para clubes que querem criar um departamento feminino, dá palestras e cursos sobre como desenvolver a modalidade ou captar recursos – o próximo será na Turquia. Missão necessária, pois já houve até quem perguntasse a ela se mulheres jogam dois tempos de 45 minutos e se o campo é igual. “A modalidade é cheia de pontas soltas; então tento juntá-las com estratégia.”
De forma voluntária, Amanda orienta atletas que querem jogar no exterior, principalmente nos Estados Unidos, e faz de tudo para que garotas talentosas tenham oportunidades. “Muitas mães me telefonam contando: ‘Minha filha, no interior da Bahia, não tem onde jogar’. Eu ligo para a Federação, explico o caso, digo que a menina está na cidade tal e retorno para a mãe informando que o time mais perto fica a 40 quilômetros. Aí vou atrás de transporte.”
PROIBIDO PARA ELAS
No Brasil, o futebol esteve oficialmente liberado só para homens por quase 40 anos. O decreto de 1941, que proibia as mulheres de praticar esportes “incompatíveis com a condição feminina”, foi revogado apenas em 1979. Vale lembrar que a seleção masculina fez sua primeira Copa em 1930 – a que começa na Rússia, dia 14, será a 21ª. Já as mulheres estrearam na Copa em 1991.
As desvantagens são inúmeras. Aos vencedores do Campeonato Brasileiro de 2017, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) pagou um prêmio de 120 mil reais para o time feminino e de 17 milhões para o masculino – 141 vezes maior. Neymar tem salário equivalente a 147,6 milhões de reais anuais ante 1,9 milhão de Marta, eleita cinco vezes a melhor do mundo. Disputando os campeonatos nacionais há 32 equipes de mulheres e 128 de homens.
Não é só esse placar que precisa ser driblado, o preconceito também. “Meu pai não gostava que eu jogasse, muito por escutar as pessoas”, conta Aline Pellegrino, ex-zagueira da seleção e hoje coordenadora de futebol feminino da Federação Paulista de Futebol. “As mesmas pessoas que, anos depois, queriam tirar fotos ao meu lado por causa da medalha olímpica que ganhei.” A instituição aceita, nos campeonatos, a inscrição de clubes não federados com o objetivo de incentivar a atuação das mulheres. É ainda uma forma de acabar com a discriminação. “Ela é a parte mais difícil”, diz Cristiane Gambaré, diretora do futebol feminino do Corinthians.
A equipe lançou a campanha #caleopreconceito. Nas camisas das jogadoras, patrocinadores devem cobrir, com suas marcas, frases publicadas na internet, como “lugar de mulher é na cozinha, não jogando futebol”. Para Cristiane, isso pode mudar muita coisa. “Precisamos de respeito e estrutura para mostrar competência”, afirma.
Um pontapé importante para incentivar (na verdade, obrigar) os clubes a ter uma estrutura de futebol feminino foi dado pela Conmebol, entidade que cuida da principal competição sul-americana, a Libertadores. A partir de 2019, os que não tiverem um time de mulheres nos eventos nacionais estarão proibidos de participar. Das 20 equipes de elite no Brasil, menos da metade atende ao requisito.
“Temos que interromper o ciclo vicioso, investir dinheiro, cuidar do marketing, da divulgação”, comenta Amanda. “Quando vejo meninas sorteando suas chuteiras nas redes sociais, sei que as veremos realizando cada vez mais o sonho de ser jogadoras. Haverá muitas saindo de casa cedo para jogar. E várias querendo ser da seleção. Eu aposto nisso; vai ser algo comum.” Amanda também tinha esse desejo e o deixou para trás. “Para mim não foi nada fácil, vou carregá-lo pelo resto da vida. Mas, hoje, a minha camisa da seleção é o futebol feminino. Ele me traz motivação. Se o Brasil crescer na modalidade, será como ganhar uma Copa, e não só por mim. Por todas as garotas.”
Veja também:
+ Desafiamos Bettina a preparar dois pratos com os mesmos 4 ingredientes
Siga CLAUDIA no Instagram