Acesso à saúde faz parte da solução para combater mudanças climáticas
Com uma redução de 70% do desmatamento, a ilha de Bornéu, no sudeste asiático, mostra na prática essa relação
Enquanto no Brasil se discute a privatização do SUS e a perda de leitos clínicos e de UTIs abertos durante a pandemia de coronavírus, um exemplo na ilha de Bornéu, no sudeste asiático, mostra como um serviço de saúde acessível e de qualidade pode contribuir diretamente com a preservação ambiental.
Pesquisadores da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, nos Estados Unidos, publicaram um estudo no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences. O trabalho analisou a relação entre a diminuição do desmatamento de uma região específica de Bornéu e a instalação de uma clínica de saúde popular.
O projeto, conduzido pelas organizações Alam Sehat Lestari e Health In Harmony, nasceu pela seguinte lógica: ações de conservação costumam excluir e isolar as comunidades locais. Sem a real compreensão sobre as necessidades das pessoas que vivem nos territórios, elas continuam a recorrer ao desmatamento ilegal como solução econômica. A falta de acesso a tratamentos de saúde de qualidade pode piorar o cenário ao perpetuar o ciclo de atendimento de baixa qualidade e custos altos. Em 2020, a Health in Harmony começou uma parceria com instituições brasileiras na Bacia do Rio Xingu.
Entre 2008 e 2018, período analisado pelo estudo, 28,5 mil pessoas buscaram atendimento na clínica. Houve declínio em diagnósticos de malária, tuberculose, doenças tropicais negligenciadas e diabetes, entre outras. As doenças evitáveis que aumentaram ao longo do tempo foram infecções respiratórias, que podem estar relacionadas ao aumento de ocorrências de fogo, que dispararam em 2015. Bornéu está a quase 18 mil quilômetros do Brasil, mas são muitas as similaridades com a realidade brasileira.
Em 2007, a clínica foi instalada ao lado do Parque Nacional Gunung Palung com o apoio do governo local. O consultório aceita mudas de árvores, artesanato e mão de obra como pagamento — modelo que foi construído em parceria com as comunidades. Após acordos firmados com as lideranças da região, a clínica também passou a oferecer descontos de até 70% nos serviços de saúde para os moradores de vilarejos que comprovassem a redução no desmatamento. Além dos serviços de saúde, a intervenção ofereceu capacitações em sustentabilidade e agricultura orgânica e criou um programa de recompra de motosserras.
O resultado: ao longo de dez anos, o desmatamento caiu 70%. Quando comparado com o valor em emissões de carbono no mercado europeu, a floresta em pé poupou mais de 65 milhões de dólares. Em 2012, mais de 97% dos moradores entrevistados afirmaram que acreditavam que o projeto estava ajudando a reduzir o desmatamento ilegal. Entre 1985 e 2001, a região perdeu 60% da vegetação natural. Globalmente, 100 árvores são derrubadas nas florestas tropicais a cada segundo.
No mundo, cerca de 35% das áreas protegidas são ocupadas por comunidades tradicionais ou indígenas. Contudo, a criação de modelos de programas de conservação e mitigação climática com a participação dos povos originários ainda é insuficiente. No caso de Bornéu, os pesquisadores identificaram resultados positivos e associaram o sucesso do programa, focado em saúde e bem-estar, ao desenvolvimento de soluções em parceria com as lideranças das comunidades. Os efeitos foram benéficos para as pessoas e para os objetivos globais de conservação ambiental.
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