Parece, mas não é: o uso de similares ao canabidiol na beleza
A aposta em plantas com componentes similares ao CBD para garantir os benefícios no tratamento da pele e nos cuidados de pré e pós-operatório é realidade
Nunca se falou tanto sobre cannabis. E quem está de olho nos benefícios desta que tem sido chamada “medicina do futuro” é a indústria da beleza. Marcas de cosméticos e especialistas do ramo estão interessados na planta e seus efeitos na saúde da pele, e não é à toa.
Na década de 1990, pesquisadores identificaram no organismo humano o Sistema Endocanabinoide, capaz de promover a homeostase (estabilidade interna) através de seus receptores espalhados pelo Sistema Nervoso Central (SNC) e pelo Sistema Nervoso Periférico (SNP).
Quando esses receptores, principalmente os chamados CB1 e CB2, são ativados por substâncias fitocanabinoides, como o CBD (Canabidiol) e o THC (Tetra-hidrocanabinol) — compostos químicos abundantes na planta da maconha —, elas agem diretamente no local que apresenta desequilíbrio, promovendo efeitos anticonvulsivos, anti-inflamatórios e antidepressivos, além de regular a dor e o apetite.
O uso medicinal tem demonstrado potencial no tratamento de transtornos e doenças diversas, como ansiedade, depressão, TEA (Transtorno do Espectro Autista) Alzheimer, Parkinson e câncer. Mas não só: os avanços científicos evidenciaram que a pele humana é repleta de receptores endocanabinoides, tornando a cannabis também efetiva para a saúde da pele.
“O Sistema Endocanabinoide é rico em receptores e ligações. Dentro dos receptores, temos o CB2, associado ao sistema imunológico e presente também na pele. Então, quando os receptores são ativados, eles promovem funções fisiológicas, aliviando condições dermatológicas, como dermatite atópica, acne e eczema”, explica Jessica Durand, médica especialista em medicina canabinoide.
É com base nisso que os profissionais do ramo da estética começaram a entender que é possível levar para as pacientes os benefícios dos canabinoides, principalmente nos processos pré e pós-operatório — ou seja, na preparação da pele antes do procedimento estético e na sua recuperação após a intervenção —, além de agir contra o envelhecimento cutâneo.
Apesar dos resultados positivos, o uso da cannabis no Brasil é restrito para o tratamento de doenças e transtornos mentais. Ela só pode ser receitada por médicos, biomédicos, nutricionistas, fisioterapeutas e dentistas, e os produtos à base de cannabis são adquiridos via importadoras, associações de pacientes e farmácias, mediante autorização da Anvisa.
Para contornar as restrições, profissionais da estética passaram a investigar outras fontes de fitocanabinoides além dos presentes na cannabis. Os chamados CBD-Like são produtos que atuam de forma similar no organismo a partir do estímulo do Sistema Endocanabinoide, porém por meio de substâncias sem restrição de uso.
O CBD é capaz de promover alívio de irritações da pele, além de possuir ação antioxidante, regeneradora, hidratante e anti-inflamatória
Guilherme Marques, dermatologista especialista em medicina canabinoide
Mesmo sem ainda uma ampla compreensão por parte da ciência da atividade chamada canabidomimética e catalisadora dessas substâncias que promovem efeitos análogos aos da cannabis, o ramo da beleza têm apostado no CBD-Like.
É o que explica Michelly Paschuino, naturóloga especialista em pele estética e cosmiatria biocompatível e pós-graduada em cannabis medicinal. “A maioria das plantas ainda está em fase de estudo. A mais conhecida com essa propriedade similar à do canabidiol é o óleo de resina de copaíba associado com o óleo vegetal de semente de maracujá, que oferece como CBD-Like o CBA (Cannabinoid Active System), promovendo efeitos anti-inflamatórios, regeneradores e cicatrizantes”, afirma.
Segundo a especialista, o CBA é natural e produzido com óleos essenciais extraídos da flora amazônica, tido pelo mercado como um ativo 100% brasileiro.
Outra substância presente na cannabis que tem sido aliada dos procedimentos estéticos são os terpenos, alcançados a partir, por exemplo, do uso dos óleos essenciais com produtos CBD-Like ou presentes em sua composição. Essas substâncias químicas estão, basicamente, em todas as plantas e vegetais e são responsáveis pelo aroma.
Conhecidos como metabólitos secundários, os terpenos não têm funções sempre essenciais, mas podem ajudar a potencializar outros compostos químicos e colaborar de forma positiva nos resultados terapêuticos. É o que explica a médica Jéssica Durand.
“Os terpenos no tratamento com a cannabis fazem parte do chamado efeito entourage, processo que resulta da sinergia de todos os compostos químicos da planta. Os terpenos têm funções ativas no nosso metabolismo. Então, eles vão também ativar receptores e auxiliar no encontro do bem-estar e do equilíbrio no nosso corpo. No dia a dia, podemos utilizar os terpenos sem utilizar cannabis, como aqueles presentes nos óleos essenciais. Temos terpenos que trazem calma, concentração, alívio da dor. A aromaterapia tem sido utilizada com esse intuito”, explica a médica.
Preconceito no mercado
Diversas empresas no Brasil têm apostado nos dermocosméticos com ação CBD-Like, mas ainda de forma tímida, por conta do tabu em torno da cannabis. É o caso da Bel Col, que tem a linha FitoSense, com três produtos com CBA a partir da copaíba: sabonete, fluído diário e máscara.
A marca tem buscado formas de levar para as suas clientes os benefícios dos fitocanabinoides, mas ainda encontra obstáculos. “É preciso lembrar que esses fitocanabinoides presentes nos produtos não possuem psicoativos. A sociedade ainda não está preparada para assimilar o tema. Até mesmo quando levamos esse assunto para universidades e workshops, as coisas ficam confusas”, diz Nancy Viveiros, orientadora técnica da Bel Col.
“Contudo, os benefícios são inúmeros, promovendo conforto quase imediato para quem sofre com pele sensível e reativa a questões externas (clima ou produtos específicos) e internas (estresse e ansiedade)”, complementa.
A técnica conta que os produtos foram formulados para as pessoas com pele extremamente sensível e reativa, casos de lúpus, rosáceas, psoríase e dermatites de contato. Porém, também destaca a relevância do tema ser amparado pela ciência e pelas inovações tecnológicas.
A Simple Organic é outro exemplo de marca que decidiu apostar no mercado de CBD-Like com o lançamento do Balm CB2, indicado para reduzir o estresse celular e reparar a pele, e do sérum Daily Drops FPS 30.
A CEO, Patrícia Lima, afirma que a ideia foi trazer para o Brasil essa inovação presente em outros países, mas sabe que o mercado brasileiro apresenta um cenário diferente.
Em razão disso, ela aposta na “brasilidade” do processo de fabricação dos produtos para que a comunicação chegue até a consumidora sem “sustos” por se tratar de um produto que ativa o mesmo sistema que a cannabis.
“O Balm CB2 tem um blend de óleos produzidos a partir do extrativismo sustentável. A matéria-prima é retirada por comunidades quilombolas da Amazônia de maneira ética. Toda a cadeia produtiva é feita por pessoas reais, que possuem histórias reais. Foi a concretização de um sonho trazer essa fórmula para nossa comunidade”, comenta Patrícia.
Enquanto a área da estética busca no CBD-Like uma maneira legal e regulamentada de oferecer para as suas clientes e pacientes os benefícios dos fitocanabinoides, dermatologistas estão usando os medicamentos à base de cannabis para tratar diretamente doenças de pele, como acne, dermatites, alopecias e psoríases, além de sintomas associados à outras doenças e transtornos, mas que prejudicam a pele com coceiras e securas.
Guilherme Marques explica que a dermatologia também cuida da estética e há um paralelo grande das funções dos fitocanabinoides com a beleza e o processo de envelhecimento. “O CBD é capaz de promover alívio de irritações e a redução da vermelhidão da pele, além de possuir ação antioxidante, regeneradora, hidratante e anti-inflamatória. Visto isso, parece razoável dizer que há um potencial magnífico de atuar em alguns pontos do processo de envelhecimento também, especialmente por sua função antioxidante. Manchas de pele que se deram por um histórico inflamatório prévio (chamado de hipercromia pós-inflamatória) é uma condição que podemos evitar com esses mesmos produtos”, afirma o dermatologista especialista em medicina canabinoide.
Em países onde o CBD é legalizado, grandes empresas têm apostado em produtos faciais e estéticos em geral. Contudo, cada um tem uma regulamentação diferente, o que impede que os produtos cheguem até as consumidoras.
No Brasil, com receita médica, é possível comprar sérum, cremes, sabonetes, desodorantes, ampolas cosméticas e outros produtos dermocosméticos à base de cannabis.
Apesar disso (e dos avanços tecnológicos e científicos), não há nenhuma perspectiva do ponto de vista legislativo de que profissionais da estética possam usar os produtos à base de cannabis tão cedo. Os projetos de leis que estão em andamento no Congresso e no Senado falam somente sobre o uso medicinal, industrial e em nível de pesquisa. Aguardaremos os próximos passos…