Experts apontam tendências de perfumaria em tempos pandêmicos
A arte milenar das fragrâncias não parou no tempo. Pelo contrário, ela segue em renovação e está mais valiosa do que nunca
Há uma explicação para a viagem instantânea que se vivencia ao ser invadida por um aroma familiar. O olfato é ligado ao sistema límbico, parte do cérebro responsável por processar emoções, e também é o sentido que gera as memórias mais duradouras, se comparadas às do paladar ou da visão.
Esse detalhe ajuda a compreender a relação tão íntima que se desenrola entre nós e os perfumes, especialmente em períodos nos quais precisamos recorrer aos lugares de afeto – qualquer conexão com uma pandemia ou grandes mudanças de estilo de vida não é mera coincidência.
Uma pesquisa realizada pela casa suíça de fragrâncias e sabores Firmenich ouviu seis mil pessoas em 11 países entre os períodos de abril a maio e julho a setembro de 2020 para entender como se comportou o uso de perfumes no período.
Os resultados mostraram que 56% dos participantes se apegaram ainda mais aos aromas. Outro relatório, desta vez da norte-americana NPD, agência especializada em pesquisas de mercado, indicou ainda que 85% daqueles que não vivem sem algumas borrifadas estenderam esse cuidado para a casa, com difusores e home sprays.
“O cheiro é uma forma de escapismo e há quem tenha percebido isso no período de isolamento social. No contexto pandêmico e pós-pandêmico, a gente quer sentir conforto”, diz Bruna Ortega, expert de beleza do bureau de tendências WGSN.
Por outro lado, o cenário mundial impôs desafios para quem vende e para quem compra, uma vez que os frascos para teste e experimentação, fundamentais até então, não estavam ao alcance.
“Acelerou algumas novidades que as marcas já vinham trabalhando, como formas alternativas de provar e escolher os rótulos, novos serviços para o consumidor, e a busca por cheiros que vão além da sensação perfumada e são muito exclusivos ou garantem benefícios funcionais. Hoje, se a pessoa faz uma compra, também quer a transparência dos processos de produção e a certeza de que aquele item vai funcionar para ela”, conta Bruna.
A seguir, listamos o que há de mais novo e interessante no universo dos apaixonados por fragrâncias.
CAMINHOS OLFATIVOS
Se existe algo necessário em tempos difíceis, é a sensação de serenidade. Não à toa, há quem tenha escapado da realidade da quarentena através dos cheiros herbais e aquosos, que lembram grama molhada, chuva batendo na madeira e água do mar. Épocas tempestuosas também naturalmente ativam a nostalgia. Isso ajuda a explicar o porquê da busca por rótulos há anos no mercado.
“Percebemos um forte retorno dos clássicos da perfumaria, uma vez que são conhecidos e garantem aquela sensação familiar”, diz Helena Garcia, vice-presidente de vendas de fine fragrances para América Latina da casa de fragrâncias alemã Symrise.
Ela aposta na continuidade da popularidade de alguns elementos queridos, sobretudo, pelas brasileiras. Pense em aromas florais robustos e imponentes, mas também em frutas maduras e suculentas, como o maracujá. Outro ponto importante é: quanto mais sustentável a produção do líquido e da embalagem, melhor.
EXPERIMENTO, LOGO EXISTO
“A mudança na relação das pessoas com o perfume reforçou a necessidade da inovação na categoria que, agora, precisa promover uma experimentação segura”, diz Denise Coutinho, diretora de Perfumaria da Natura.
Em dezembro do ano passado, a marca lançou nas lojas o Perfum.AR, um dispositivo de “cheiro digital” capaz de oferecer a experimentação de até 20 fragrâncias com tecnologia de ar seco. “O tablet permite prová-las em sequência, sem confusão do olfato e resíduos no ar. Além disso, não é necessário tirar a máscara”, garante Denise.
Quem não sabe por onde começar, pode também jogar online o Quiz Perfumado da Casa de Perfumaria do Brasil, elaborado pela Natura. Com base nas respostas do usuário, o algoritmo oferece uma seleção de rótulos. Outra opção é comprar a Experiência Perfumada Essencial, cujo valor do kit de quatro miniaturas é abatido ao arrematar o tamanho original.
A jornada olfativa acompanhada de um discovery set, como são chamados tais kits de amostra, também é a proposta da Amyi, marca brasileira de perfumaria exclusiva. Neste caso, a consumidora compra uma caixa com nove miniaturas e é conduzida por um guia educativo e sensorial no site da marca.
Ao final, descobre seu frasco ideal. “Nosso objetivo é proporcionar uma experiência de compra mais intencional e menos massificada. Abrimos espaço para que a pessoa acesse memórias, tangibilize sensações e também se sinta perto do perfumista”, contam as fundadoras Luciana Guidi e Larissa Mota.
CHEIRO HIGH-TECH
O cenário lúdico de um perfumista transitando por um laboratório com vidros diminutos e variados é subvertido por Phylira. O nome, em referência à deusa grega do perfume, foi dado à uma tecnologia desenvolvida pela IBM em parceria com Symrise. Ela é, em palavras simples, uma robô perfumista. Tratam-se de algoritmos de machinhe learning capazes de mixar e propor centenas de milhares de combinações olfativas.
Parece ficção científica, mas já é realidade. Há até exemplares deste trabalho no mercado brasileiro: O Egeo ON Me e o Egeo ON You, de O Boticário, lançados em 2019. Depois de analisar dados de consumidores millennials e compreender graus de aceitação e rejeição, Phylira propôs misturas inéditas, como leite condensado, rosa branca, pepino e pimenta. Como o olfato ainda é um sentido que a robô não possui, o perfume foi finalizado por humanos.
Outra conquista da ciência são os aromas funcionais, desenvolvidos em parceria com neurocientistas e detentores de acordes capazes de ativar neurotransmissores, gerando sensações.
Entre outros testes, são analisadas as expressões faciais e a atividade elétrica cerebral do usuário. Em tempos de valorização de bem-estar, são grandes estrelas em ascensão. O Coffee Sense, de O Boticário em parceria com a casa de fragrâncias Givaudan, por exemplo, busca retomar a emoção das “primeiras vezes” com um acorde ativador do desejo.
FEITO PARA MIM
O desejo de romper com a massificação e obter aromas cada vez mais personalizados também é uma tendência que desponta há algum tempo. Algumas marcas, como a inglesa Jo Malone e a brasileira Bjô oferecem fragrâncias passíveis de combinações entre si, o que multiplica as possibilidades de obter uma assinatura só sua.
Exclusividade também é uma das propostas da experiência Scent Lab, disponível na loja conceito de O Boticário, no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Com hora marcada, a cliente é recepcionada pelo perfumista Fábio Navarro e conduzida por cinco etapas de criação de um perfume exclusivo – desde a descoberta de seu perfil olfativo até a escolha de um nome para rotular o vidro. “O processo é educativo e, muitas vezes, se transforma em uma sessão de terapia”, conta Fábio.
Há mais de 20 anos no mercado, ele avalia que a busca por itens tão restritos demonstra um grande potencial para a perfumaria de nicho no Brasil, ainda incipiente. “Observo que as pessoas estão em busca de produtos com storytelling e propósito, um retorno à manufatura, algo que é proporcionado por este recorte do setor. Para ser considerado de nicho, um perfume precisa ser não só exclusivo, mas ter um diretor criativo ativo por trás da marca e carregar verdade, uma dose de ousadia que transmita emoção.”
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