Maria das Graças e a beleza negra como militância
Com o salão Afro N'zinga, em Brasília, empreendedora coloca em prática discursos de décadas do movimento negro
A história de Maria das Graças Santos, de 69 anos, sempre foi de militância. Piauiense que se mudou ainda criança para Brasília, passou num concurso público aos 18 anos e conquistou a promessa de uma vida estável. No trabalho, durante a ditadura militar, conheceu uma amiga –uma das outras poucas mulheres negras do lugar– que apresentou-a ao movimento negro. Maria passou a debater, então, o racismo na sociedade brasileira, numa época em que a repressão sequer permitia o uso desse termo. “Em 1978, fundamos a primeira entidade negra em Brasília, e um dos primeiros enfrentamentos era a questão do cabelo afro. O alisamento era muito questionado, então cortávamos nossas madeixas e aderíamos ao black power“, lembra. Mas com quem cortar e cuidar desse black, que, na época, não poderia ter um fio sequer fora do lugar? “Sabíamos de salões de beleza negra em Salvador, Rio de Janeiro, outras capitais, mas aqui, não tínhamos nenhum”, conta. Por isso, quando saiu da entidade na qual atuava, há 30 anos, Maria das Graças fundou, junto com dois amigos, o Afro N’zinga, o primeiro salão afro da capital do Brasil. Ela é mais uma empreendedora incrível que você conhece no projeto Potencializadoras, uma parceria especial entre CLAUDIA, PretaHub e Meta.
Maria diz que o empreendimento começou de maneira muito “intuitiva”. Ela, funcionária pública de banco, um amigo professor e outra amiga advogada não tinham noção de como montar e gerir um negócio. “Não tínhamos muito dinheiro para investir, então, no início, compramos uns poucos móveis e dividimos uma sala alugada com o movimento negro. Achamos uma profissional excelente, que trabalhava num salão profissional, mas que atendia, praticamente, pessoas negras, pois todos os clientes que chegavam com cabelo crespo eram encaminhadas para ela”, conta. O sucesso foi rápido, mas, um ano depois, a cabeleireira deixou o negócio e a clientela seguiu-a.
“Aí, comecei a fazer mais cursos não apenas para aprender a administrar o salão, mas para aprender a cortar, trançar, cuidar dos cabelos.” Com seus conhecimentos, Maria das Graças treinou outros profissionais que passaram por lá, mas, por três vezes, enfrentou o mesmo problema: os cabeleireiros iam embora e, com eles, os clientes. “Até que em 2007, já sem meus sócios, decidi atender eu mesma”, diz. Aí, o Afro N’zinga deslanchou de vez. Sempre participando de feiras de afroempreendedorismo, entre elas a Feira Preta, Maria foi fazendo contatos, trocando experiências e conquistando novos consumidores.
Durante os dois anos mais severos da pandemia de Covid-19, quando teve que fechar as portas do salão, Maria dedicou-se ao artesanato, outra de suas paixões. Passou a fazer bonecas de pano –todas pretas, é claro-, e logo os amigos se interessaram em comprá-las. “Aí, virei também bonequeira”, ri. As bonecas de Maria são mais uma maneira que ela encontrou para enaltecer a beleza das peles negras, dos traços e cabelos afro.
“Com o salão, entendi que o que faço é a materialização dos discursos do movimento negro. A valorização de nossa cultura e ancestralidade através da beleza. Pego essa debate e coloco, literalmente, na cabeça das pessoas“, afirma ela. Maria celebra que a beleza afro e a importância de pautá-la apareça cada vez mais na imprensa, nas novelas, na publicidade. “É claro que ainda temos muito o que se avançar, mas, a nível mundial, o debate vai se avolumando.” E ela, com o Afro N’zinga e uma vida quase inteira de militância, segue contribuindo para essa mudança.
O projeto Potencializadoras é uma parceria do PretaHub, da CLAUDIA e da Meta para contar histórias de mulheres negras empreendedoras. A fotógrafa baiana Helen Salomão e Wendy Andrade se uniram para retratar 15 mulheres que fazem parte da Aceleração de Negócios de Empreendedoras Negras, iniciativa idealizada pela Meta e pela PretaHub.