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Essas ativistas querem romper com padrões de beleza inatingíveis

Empresárias e ativistas na área da beleza querem acabar com os estereótipos e ajudar a tornar o mundo um lugar mais inclusivo para todas

Por Maria Clara Serpa, Gabriela Maraccini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Isabella Marinelli Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 11 mar 2020, 18h02 - Publicado em 11 mar 2020, 18h02
 (Lorenzo Magnaboschi/Reprodução)
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Nadar contra a correnteza não é fácil, especialmente quando falamos em combater comportamentos e pensamentos arraigados socialmente. Quem assume essa luta realiza um esforço imensurável. Despende enorme e poderosa energia para, às vezes, avançar tímidos passos. Apesar das exigências dessa entrega, é assim que ocorrem as transformações cotidianas: em pequenos atos que vão crescer e influenciar diretamente o que veremos mais adiante.

Na beleza, esse processo é perceptível nas transformações de imagens que nos impactam nas propagandas e na televisão ou até nos novos e mais econômicos jeitos de produzir um mesmo hidratante. Esses acontecimentos são resultado do trabalho conjunto de pessoas espalhadas mundo afora. Com a internet, felizmente, ficou mais fácil mapear e conectar os agentes de mudanças. O movimento gerado por esse esforço coletivo é fundamental para que outras pessoas possam se olhar com mais amor, ter acesso a tratamentos de qualidade e até mesmo a possibilidade de viver em um mundo mais responsável e sustentável.

Celebrando pequenas iniciativas com grande importância, reunimos aqui quatro mulheres que simbolizam a beleza que queremos ver daqui para a frente. Ela é gentil com nossos corpos e nossas cores, preocupada com o futuro do planeta e livre de estereótipos.

De olho no planeta

Patricia Lima
(Amanda Lavorato/Reprodução)

A história da catarinense Patrícia Lima seguiu um roteiro familiar a muitas outras mulheres. Dona de uma agência de publicidade especializada em moda e beleza, ela vivia em um ritmo frenético de criação de campanhas ao redor do mundo. Workaholic assumida, viu a realidade mudar após o nascimento da filha, Maya. Não era possível conciliar as demandas da maternidade com o cotidiano exaustivo da carreira. A cultura da produção e o consumo exacerbado, com coleções de roupas novas a cada estação, tornaram-se também uma aflição para Patrícia. “Eu não queria mais fazer parte daquilo. Desejava começar algo que trouxesse impacto positivo para a geração da minha filha”, lembra.

Depois de estudar o consumidor, Patrícia percebeu que não era só ela que se sentia assim; o comportamento de compra das pessoas estava em transformação. Consultorias como a Grand View Research preveem que o tamanho do mercado global de produtos de higiene pessoal orgânicos atinja 25,11 bilhões de dólares até 2025, com um crescimento anual de 9,4% até lá. A fatia, que já foi considerada nicho, se transformou em megatendência. Mais do que um negócio lucrativo, é necessário. As mudanças climáticas e o esgotamento de insumos devem gerar grande impacto nas marcas. Assim nasceu, em 2017, a Simple Organic, que utiliza ingredientes orgânicos nos cosméticos.

Patricia Lima
(Amanda Lavorato/Reprodução)

Quando Patrícia lançou a primeira linha, vendeu em 45 dias o que estava estocado para seis meses. “Naquele momento, vi que o Brasil estava muito mais aberto do que eu poderia imaginar”, conta. Até então, a manufatura era em Milão, na Itália, mas, com tanto sucesso, compensou trazê-la ao Brasil. Hoje opera com fábrica própria em território nacional e fornecedores com matéria-prima certificada – a transparência é um dos pilares da Simple Organic.

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Mas, às vezes, ser um pivô da transformação é custoso. “Fico triste ao ver uma marca boa fechando por burocracia. Quando decidi que não teria caixa secundária de papelão, tivemos muita dificuldade de tirar o produto da fábrica, porque a Anvisa fazia a vistoria e não permitia. Desenvolvemos um saquinho de algodão sustentável, com as informações em bula. Eu não podia recuar, mas tive que ter paciência”, conta. “Hoje estamos avaliando entrar em defesa de uso a granel. Entre os países com práticas sustentáveis, isso já é viável, porque é óbvio que se economiza na quantidade e na embalagem”, explica ela, que faz das batalhas da Simple Organic uma transformação para outras do mesmo segmento. “Ainda temos desafios. Nós somos a primeira a ter o selo Lixo Zero pela logística reversa das lojas, as embalagens simplificadas e o gerenciamento do resíduo sólido. Também fomos a primeira a adotar o selo Eu Reciclo, usado por quase todo mundo hoje em dia. Quanto mais rígidos formos, mais rápido o entorno vai ver que é possível e mudar junto”, finaliza.

O caminho para ser

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(Julia Rodrigues/CLAUDIA)

Desde muito cedo, Magô Tonhon percebeu que era completamente diferente de seu gêmeo univitelino. “Dividir espaço na placenta parece autorizar que todos vejam os irmãos como idênticos em tudo, mas não é bem assim. A primeira distinção apareceu nos gostos. Era aquele clichê: ele amava futebol; e eu, boneca”, conta ela, que é arquiteta, mestre em filosofia e educadora de beleza na Escola Madre, em São Paulo. Durante a infância, suas preferências foram encaradas com tranquilidade por seus pais depois que ouviram do pediatra que eram parte da sua personalidade – e em nada se relacionavam com sexualidade ou gênero.

Aos 19, Magô se assumiu bissexual para a mãe. “Rapidamente, ela me questionou se eu era a ‘mulher’ de um amigo bem próximo meu, fazendo a clássica confusão entre identidade de gênero e orientação sexual. Eu neguei porque, até para mim, a cisgeneridade era a única opção. Se eu tinha determinado genital, então eu só podia mesmo ser um homem”, explica Magô.

A relação com o universo feminino chegou como uma catarse. Um dia, olhou para as unhas roídas e decidiu lixá-las e pintá-las. Um ritual tão simples de beleza foi um marco de autocuidado e da construção de um lugar onde fosse possível existir como Magô. “Antes até de me deixar nascer Magô, aceitei as unhas. A Magô eu pari mais tarde, aos 27 anos, depois de um longo caminho de compreensão de quem eu sou. Não foi do dia pra noite. Só então pude dar sentido à minha vida, apesar de toda transfobia enraizada nos outros e até mesmo em mim”, conta.

Hoje, Magô é uma mulher trans. Para ela, foi a maquiagem que a levou a se reconciliar consigo mesma. “Era uma maneira de fazer da minha pele um lugar minimamente habitável para mim.” Em suas redes, ela discute a relação com a beleza com as hashtags #PelePossível – no intuito de normalizar detalhes como poros – e #SinalizaORetoque, para incentivar que campanhas publicitárias identifiquem o uso de programas de edição. A história de Magô e o movimento da beleza real se cruzam como um longo suspiro de liberdade.

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Chega de invisibilidade

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(Thiago Bruno/Reprodução)

A pele negra, como as outras, tem peculiaridades. Entre as condições mais recorrentes e que fazem as pessoas buscarem dermatologistas estão o surgimento de manchas hiperpigmentadas após acne, foliculite, ressecamento, dermatite atópica e melanose. Apesar da especificidade, faltava material de apoio para a dermatologista Katleen Cruz, do Rio de Janeiro, estudar e tratar seus pacientes. “O racismo é tão oculto que eu mesma não me questionei sobre a ausência desse tema nos livros de medicina”, conta.

Para estudar um assunto tão pouco explorado, precisou recorrer a livros de outros países, participar de congressos nos Estados Unidos e conversar com dermatologistas americanos. Assim, ela se tornou a primeira dermatologista a aplicar lasers específicos para a pele negra no Brasil. “Eu testava na minha pele para ter um parâmetro de qual frequência era a ideal e até hoje faço isso com todos os aparelhos que chegam à clínica”, diz ela. “Eu gostaria que as pessoas olhassem para a população negra com mais carinho e oferecessem a ela o melhor, independentemente da classe social”, afirma Katleen.

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(Thiago Bruno/Reprodução)

Hoje ela chefia um setor dedicado à pele negra na Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro e em uma clínica particular. A primeira paciente que ela atendeu logo depois de seu retorno dos estudos foi a mãe da atriz Taís Araújo. Depois vieram Lázaro Ramos, Preta Gil, Mumuzinho e Hugo Gloss, entre outras celebridades.

O reconhecimento pessoal – bem como os avanços quando falamos em invisibilidade e preconceito – não é suficiente para Katleen. A médica considera que ainda não se entregam bons produtos específicos para a pele negra. “Os laboratórios deveriam falar com pessoas negras. E não são todos que fazem isso”, opina. Ela própria é chamada por alguns fabricantes para contribuir com o processo de criação. Só que, se for apenas por marketing, sem intenção verdadeira, não vale. “Precisamos entender o que é o negro na sociedade. Não somos só um mercado, mas pessoas que querem ter acesso às coisas boas”, diz ela.

Mais do que um corpo

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“Eu não preciso travar uma batalha contra minha barriga”, diz a modelo Bia Gremion (Lorenzo Magnaboschi/Reprodução)

Como a maioria das crianças gordas, a hoje modelo Bia Gremion cresceu ouvindo comentários maldosos a respeito de seu corpo. Aos 8 anos, já fazia dieta e era pressionada pela família para emagrecer. As observações frequentes a fizeram semear o ódio por si mesma. Tentou de tudo para perder peso. Chegou até a se preparar para uma cirurgia bariátrica, mas desistiu pouco antes. “Hoje, com outra visão, acho que foi a melhor decisão da minha vida. É um procedimento complicado”, conta Bia.

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Já mais velha, passou por um longo processo de aceitação, com ajuda, em especial, do movimento body positive e do gordativismo. Até então, sentia que o feminismo não abria espaço para pessoas com seu tipo de corpo. Só depois da troca de experiências com as participantes dessas correntes, em grupos nas redes sociais, é que começou a entender que muitas situações tratavam de gordofobia. Passou, então, a usar seu Instagram para ajudar mulheres como ela, falando sobre moda inclusiva e maquiagem, que considera um de seus maiores rituais de autocuidado.

Pelo engajamento online, Bia foi convidada por uma marca para ser modelo. Esse reconhecimento representou um grande marco no seu processo de autoaceitação. “Nunca pensei que meu corpo gordo pudesse ser válido. Sempre achei que precisaria emagrecer para poder fazer qualquer coisa”, afirma.

Ela tenta tirar essa ideia do inconsciente de outras meninas. Recentemente, aproveitou uma foto de biquíni para discutir a importância que damos ao que é considerado um defeito. “Minha barriga faz parte do meu biotipo, tudo bem ter barriga. Assim como tudo bem ser alto, baixo, loiro… É só uma característica! E eu não preciso travar uma batalha contra ela”, escreveu. Bia espera que os movimentos de afirmação que defendem que olhemos para nosso corpo com amor ou, no mínimo, neutralidade só se expandam. “Até mesmo o movimento plus size no Brasil ainda é excludente e precisa crescer”, declara. É essencial irmos todas juntas.

 

Ouça no YouTube

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