Webnamorar nunca foi tão conveniente para corações solitários quanto agora
Com o distanciamento social, afeto deixou de ser demonstrado pelo toque. Felizmente, há outras formas de amar e transar
Em um dos primeiros dias de 2018, meu celular percorreu, ora na minha bolsa, ora nas mãos, quase três horas de trem entre a principal estação da holandesa Utrecht e a capital belga, Bruxelas. No trajeto, o aparelho permaneceu o tempo todo disponível para criar conexões com as milhares de pessoas que cruzamos a um raio de alguns quilômetros de distância e que, assim como eu, tinham o Tinder (o mais popular aplicativo de paquera) instalado. Assim, quem tivesse interesse poderia curtir o meu perfil, mas os matches (isto é, as conexões) só seriam formados se eu correspondesse ao flerte. Isso geralmente acontecia quando eu contava com algumas horas sem compromisso e me distraía explorando perfis. Enquanto eu viajava sozinha, era uma forma de conseguir dicas locais e até, mais raramente, de conhecer pessoas. Num desses encontros virtuais, o cara ficou especialmente desapontado por eu já estar tão distante de onde o GPS dos nossos celulares se encontraram, mas passou a me dar conselhos sobre os destinos que eu ainda visitaria, e eu retribuía com avaliações dos lugares.
Desde então, mesmo após tanto tempo, ele está na minha lista de contatos esporádicos, porém frequentes. Por vezes, passamos até dois meses sem escrever; em outros momentos, trocamos mensagens dias seguidos. Já aconteceu de nos desentendermos e, nessas ocasiões, sempre acredito que não vamos voltar a nos falar. Mas nunca foi algo definitivo assim. Nas próximas férias, frustradas pela pandemia, eu faria um roteiro e ele tentaria conciliar a agenda para me encontrar em um fim de semana. Entenda: não são grandes as minhas pretensões de nutrir esse relacionamento no plano offline. A graça é justamente ter criado afeição mesmo que separados por telas. Foi impossível não pensar com afeto nessa relação quando me deparei com o conceito de webnamoro, como são chamados os relacionamentos mantidos exclusivamente pela internet. Concluí que o meu correspondente está mais para um webcrush – sem compromisso, mas duradouro.
Buscar e criar relações pela internet não é nada novo; aliás, acontece desde que a web dominou nossos computadores desktop e, depois, passou para os aparelhos mobile. Nos Estados Unidos, 39% dos casais heterossexuais haviam se conhecido online em 2017, sendo que, até 2013, o mais comum era que fossem apresentados por amigos, segundo levantamento de sociólogos da Universidade Stanford. Mas, diferentemente do que já se convencionou sobre “se conhecer online”, o que chama a atenção nos webnamoros é o fato de as pessoas investirem tempo em interagir com parceiros que podem nunca chegar a encostar. “Mesmo sem toque, muita gente consegue manter conexões apenas online porque outros sentidos estão presentes para gerar atração”, diz a pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Iara Beleli, que estuda relacionamentos virtuais. Esse movimento tende a se acentuar, já que o distanciamento social imposto pelo novo coronavírus reduz a quase zero as chances de paquerar à moda antiga (lembra como era conhecer alguém no bar aleatoriamente?), além de suspender os encontros presenciais.
Os números comprovam que os apps de paquera estão sendo usados de forma massiva. O último 29 de março marcou recorde global de swipes (o movimento para aprovar ou rejeitar um perfil) no Tinder, que disponibilizou a todos a função que permite dar matches em outras cidades do mundo. E, logo no início do isolamento social na Itália, houve aumento de 24% no volume de mensagens trocadas de uma semana para a outra no aplicativo britânico Badoo. Em pesquisa realizada pela empresa com quase mil usuários no Reino Unido, 70% deles disseram que gostariam de estar em um relacionamento e metade destes afirmou acreditar que ter um parceiro romântico agora é mais importante do que nunca. Usar o app seria ainda, para a maioria deles, uma forma de se sentir menos sozinhos – declaração repetida pelos usuários brasileiros do Badoo, que já optam por encontros por telefone ou chamada de vídeo. Manter um webnamoro nunca foi tão conveniente para corações solitários; por isso tanta gente atrás de um.
44% dos usuários ouvidos por um app de relacionamentos britânico querem um par e acham
que isso nunca foi tão importante
Os dados das plataformas indicam que as pessoas também estão mais abertas a conhecer com profundidade quem está por trás dos perfis digitais e entendem que a distância colabora nesse sentido. “As conversas estão mais longas. Então nutro a expectativa otimista de que as pessoas estão tendo a oportunidade de criar conexões mais íntimas”, diz David Vermeulen, CEO do app holandês The Inner Circle, que antes da pandemia promovia eventos presenciais para fomentar os encontros. No mês de março, as trocas de mensagem pelo app aumentaram 116%, com média de tempo maior em cada diálogo. Em um momento em que as telas guardam a única opção para encontrar um novo par, a ideia de que os aplicativos tornaram os enlaces superficiais e fugazes pode cair por terra. “Nos últimos anos, o que se via era o transporte de códigos de trabalho para o mundo dos afetos, em que são qualidades saber gerenciar as conversas com muitas pessoas e manter um perfil atrativo de acordo com certos padrões”, diz Larissa Pelúcio, professora de antropologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), estudiosa de relacionamentos em tempos de aplicativos. Nosso comportamento digital reflete quem somos em sociedade. Por isso, é de esperar que ele mude com as transformações que devem se dar a partir de agora.
Por outro lado, para quem vivencia esse período com o parceiro entre as poucas paredes de um apartamento, o desafio é o excesso de convivência – e não a falta dela. Ainda é cedo para dizer se isso terá impactos definitivos nas relações conjugais, mas as cidades chinesas de Xian e Dazhou tiveram mais divórcios durante a quarentena, conforme levantamento da revista americana Bloomberg Businessweek. A falta da independência que antes mantinham se tornou um entrave para um casal de Fortaleza, ambos de 33 anos, ouvido pela reportagem após quase um mês em isolamento. “Agora, precisamos entrar em acordo sobre quase tudo da nossa rotina, o que é incômodo. Ao mesmo tempo, resolvemos brigas de imediato, já que não dá simplesmente para virar as costas. Isso é inédito”, diz ela. A tecnologia funciona para expandir a socialização – o par marca eventos online para não restringir contato apenas aos dois – e também como aliada dos casais distanciados pela pandemia. “Como o aniversário do meu namorado acontecerá nesse período, teremos que nos falar por vídeo e vou mandar entregar o presente”, conta uma jovem de 27 anos, de São Paulo, que decidiu ser mais prudente o afastamento. As autoridades de saúde agradecem.
A vez do sexting
Longe de mim ser conservadora, mas, seguindo à risca as recomendações de saúde, não é seguro fazer sexo com quem não está no mesmo isolamento. “Você é o seu parceiro sexual mais seguro, e essa é uma forma de obter prazer que não implica contato direto com outras pessoas”, recomendou o governo da Colômbia no manual “ABC sobre as relações sexuais e a Covid-19”; outros governos têm orientações semelhantes. Para quem está sem companhia em casa, além dos brinquedos sexuais, a estratégia do momento é o sexo virtual.
Assim como as trocas escritas online são um meio de expressar nossa identidade, as interações sexuais por mensagens (que podem incluir fotos, vídeos e áudios) se tornaram uma extensão dessa performance. Tal comportamento ganha o nome em inglês de sexting, mistura de sexo com texting (conversar por texto) – assim, as mensagens são sexts; e quem as envia, sexters. O termo foi incluído pela primeira vez em 2012 no dicionário da editora Merriam-Webster. “O sexting não é, necessariamente, uma preliminar para casais que irão se encontrar em breve. Ele é uma relação por si só, até um substituto do encontro pessoalmente”, afirma a psicóloga americana especialista no tema Michelle Drouin, professora da Universidade de Indiana. Tanto homens quanto mulheres estão propensos a se engajar em sexting, embora elas lidem mais fortemente com as limitações derivadas do risco de serem expostas. Sem surpreender, a prática ganhou adeptos durante a quarentena. Em uma pesquisa feita pelo aplicativo happn com 1,1 mil pessoas no Brasil, 31% dos respondentes revelaram já ter aderido à modalidade nesse período.
O sexting não é, necessariamente, uma preliminar para casais que irão se encontrar em breve. Ele é uma relação por si só, muitas vezes um substituto
Michelle Drouin, professora da Universidade de Indiana
Feito com segurança, o sexo virtual pode ter efeitos positivos no exercício da comunicação sexual com o parceiro, segundo levantamento feito com 870 homens e mulheres entre 18 e 82 anos na Universidade Drexel, nos Estados Unidos. É uma forma de, em alguma medida, construir intimidade ao começar a se relacionar com alguém ou mesmo quando já se está em um caso com sexo de carne e osso. Confinado durante a pandemia, um casal de namorados do Rio de Janeiro, de 33 e 35 anos, contou que alimenta a fantasia de incluir uma nova parceira sexual como uma experiência, já que a mulher é bissexual e está numa relação hétero. “Eu queria muito e achei que aconteceria no Carnaval ou pouco depois, mas não rolou”, diz ela. Agora, eles se contentam com sexts e nudes.
Nessa linguagem digital, nudes podem ser as estrelas. Com mais tempo em casa, estamos também mais disponíveis para explorá-las. Para se sentir mais resguardada, evite compartilhar fotos em que sua identidade pode ser facilmente reconhecida (mostrando o rosto, por exemplo), mas também é válido usar apps que deletam a foto logo após a visualização. As conversas privadas do Instagram ou DMs oferecem esse recurso. Isso se você não quiser que seu webnamorado mantenha o arquivo para futuras consultas.
Fazer nudes e não enviar, diga-se, pode funcionar como uma ferramenta de construção de confiança sobre o próprio corpo, enxergando-o por ângulos que o espelho não mostra e encontrando sua sensualidade. Em seguida, guarde os cliques em um lugar protegido, como uma pasta privada no armazenamento em nuvem. A verdade é que, acima de tudo, o confinamento é a grande oportunidade de você seguir as suas vontades. Afinal, quem poderá julgar escolhas e relacionamentos na atual situação em que vivemos?
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