Casais que moram em casas separadas relatam a experiência
Ao viver em casas diferentes, alguns casais redescobriram não apenas o sentido da intimidade, como também o próprio senso de identidade
Há quem acredite que só é possível criar um verdadeiro laço de intimidade com quem amamos compartilhando o mesmo teto, a mesma cama e o mesmo tédio de um domingo à noite. Claro, existe algo poético sobre dividir o dia a dia ao lado da nossa “cara metade”. Mas, na prática, sabemos que a história pode ser completamente outra: tarefas domésticas mal distribuídas, rotinas que não se encaixam e até hábitos bobos podem nos afastar muito mais do que aproximar. É daí que diversos casais sentem a necessidade de morar em lares diferentes.
Uma decisão ousada, levando em consideração o que a sociedade rotula como “correto”. Contudo, quanto mais o tempo passa, mais entende-se que a decisão pode, sim, ser bastante assertiva. “Não morar juntos não tem nada a ver com desarmonia. Na verdade, é apenas uma forma diferente de vivenciar o afeto. Há muitas relações que funcionam melhor à distância do que próximas. Temos um vício em acreditar que as pessoas precisam ‘juntar os trapos’ assim que se casam”, diz a psicóloga Gabriele Menezes da Costa.
Um alerta: a escolha não deve ser encarada como uma solução para todos os conflitos, já que, segundo a especialista, os desentendimentos (especialmente os graves) não serão magicamente resolvidos por morarmos em endereços opostos. “Às vezes, o relacionamento apenas não é bom. Mas em grande parte dos casos, o menor convívio traz grandes benefícios”, explica.
“Não morar juntos não tem nada a ver com desarmonia, é apenas uma forma diferente de afeto.”
Um deles, por exemplo, é diminuir o desgaste da dinâmica afetiva, que se torna leve ao adquirir-se uma melhor compreensão acerca da individualidade: “É muito importante entender o que pertence ao outro e o que pertence a você. Há quem preze bastante pelo próprio espaço, quem curta nutrir um senso de solitude. Assim, as vantagens acabam sendo experimentadas tanto
pelo casal quanto pela pessoa”.
Obviamente, seguir esse caminho não é um processo fácil, interna ou externamente falando. Para enfrentar os contratempos e as pressões sociais, porém, a psicóloga traz uma dica valiosa. “Diminua o volume do que os outros falam e aumente o volume do que vocês, enquanto casal, pensam e entendem sobre o que funciona.”
A seguir, você confere três histórias de casais que, seguindo seus corações, construíram relacionamentos saudáveis e fiéis às próprias necessidades, independente do mesmo CEP.
Um longo (e recompensante) processo
Mauro Souza, influencer e empresário, se casou com o marido, Rafael Piccin, há 15 anos. Muito antes disso, ele havia tomado uma decisão: não iria ceder às expectativas sociais que definem como deve ser o afeto. “Não usamos aliança, não moramos juntos, não temos conta conjunta. E quando falamos para as pessoas que somos casados e nada disso faz parte, ouvimos que somos apenas amigos, que não deveríamos nos considerar em uma relação. Na real, eu não me importo. Podem falar o que quiserem, a única opinião relevante, além da minha, é a do Rafael”, compartilha.
Porém, apesar de demonstrar confiança em seu posicionamento, Mauro confessa que o processo não foi fácil. “Nos separamos por quatro meses, pois acreditávamos que, por termos vontades que não eram consideradas comuns, não deveríamos estar juntos. Mas aí, conforme fomos fazendo terapia, lendo artigos, vendo filmes, finalmente entendemos que sempre existirão outras possibilidades de se relacionar. Foi um longo caminho, mas, hoje, estamos muito bem resolvidos.
Portanto, meu conselho é: experimente. Não gostou? Volte. Curtiu? Prossiga. É importante chegar nesse equilíbrio entre o que os dois querem, que é o que atingi com o Rafa. Sou loucamente apaixonado por ele.”
O encontro no desencontro
Diferente de Mauro, a arquiteta Stephanie Ribeiro teve a experiência de morar com o parceiro, Tulio Custódio, por algum tempo. Todavia, as diferenças de ambos acerca do lar acabaram gerando conflitos que inviabilizaram a convivência contínua.
“A casa sempre foi algo muito relevante para mim, porém eu e o Tulio compartilhávamos visões opostas. Ele tem uma noção mais pragmática da residência, enquanto eu tendo a priorizar o lado estético. É essencial que as coisas estejam no lugar da forma que concebi e projetei, é como me sinto confortável. Viver com alguém que possui outra opinião é complexo. Isso foi provocando atritos que, aos poucos, me trouxeram um sufoco e a necessidade de ter o meu espaço, para que eu pudesse identificar como seria a minha própria dinâmica”. Atualmente, ela conta que morar separados a fez compreender o estilo de relacionamento que considera ideal.
“Estando sozinha, aprendi mais sobre quem eu sou, e, acima de tudo, quem eu sou sem o outro.”
“Particularmente, acredito que isso me fez bem, pois enxergamos o nosso laço com mais clareza. A pandemia trouxe essa obrigação de estarmos grudados, e essa companhia compulsória torna tudo muito tenso. O respiro foi maravilhoso para amadurecermos e entendermos os nossos limites. Eu, enquanto mulher negra, não vou mais abrir mão disso. Infelizmente, por estarmos em uma cultura machista, ainda não temos claro o que é uma relação saudável, onde mora o outro e onde acaba a gente. Precisamos sempre ser as pessoas que mantêm a relação, que se adaptam, contornam os mais variados problemas, tudo isso enquanto permanecemos bonitas, incríveis, bem vestidas e profissionalmente bem-sucedidas. Estando sozinha, aprendi mais sobre quem eu sou, e, acima de tudo, quem sou eu sem o outro.”
Abraçando as circunstâncias
Isabella Bedin, especialista em marketing, conheceu o parceiro Raoni há um ano e meio. Entre flertes e encontros apaixonados, decidiram firmar um relacionamento. Contudo, todo o clima de romantismo não os impediu de manter os planos particulares que já cultivavam antes de se conhecerem.
“Quando a coisa ficou séria, nós dois já havíamos comprado os nossos próprios apartamentos em regiões distintas. Até as entregas dos imóveis estavam agendadas para o mesmo período”, revela. Alguns casais poderiam encarar a bizarra coincidência como um balde de água fria, porém, eles decidiram abraçar as circunstâncias e se divertir com a mudança que, apesar de simultânea, era individual.
“Fomos juntos comprar as coisas para as nossas casas. Era engraçado, pois ao encontrar algumas amigas, falávamos: ‘A gente tá instalando o chão do apê’. As pessoas não entendiam que era eu no meu, e ele no dele. Acho interessante essa vivência de dividir a mesma experiência estando separados. Para mim, é um processo natural. Passamos bastante tempo juntos, mas, depois, cada um vai para a sua casinha, tem a sua liberdade”, explica.
Por fim, ela conta que não descarta a possibilidade de morarem juntos, especialmente por querer construir uma família. Mas, por enquanto, as coisas estão indo bem desse jeitinho: sem neuras, sem pressões.