Nathalie De Gouveia e o liderar feminino que transpõe barreiras
CEO da Wella no Brasil, Nathalie conta como trocou a Europa pela América Latina e fez da sororidade seu maior lema
Sair da zona de conforto é algo que parece fazer parte do DNA de Nathalie De Gouveia. Hoje à frente da Wella Company Brasil, como CEO da marca no país, ela deixou para trás a vida na Europa para liderar na América Latina – não livre de medos, é claro, mas com a garra, a vontade e o olhar feminino que permitem enfrentar o novo de cabeça erguida.
Nascida na França e formada em gestão empresarial pela Universidade Sorbonne, ela passou por Portugal e Espanha transitando por cargos e ramos distintos antes de desembarcar por aqui, um país que já a encantava desde menina. “A minha mãe tinha uma tia-avó que migrou muito cedo para São Paulo, e eu cresci ouvindo falar da tia Serafina e do sonho de minha mãe de voltar a vê-la. Nós pudemos proporcionar isso, e viemos toda a família passar as férias no Brasil. Anos mais tarde, quando veio o convite para trabalhar aqui, eu vi aquele sonho de criança poder tomar forma.Sabemos que o Brasil é um continente gigante de oportunidades, e a nível profissional você seguir a sua carreira em um país com o crescimento tão acelerado despertou minha curiosidade”, conta.
Beleza nem sempre foi o foco: Nathalie já liderou empresas em diversos ramos, incluindo lingeries e joias. Mas foi neste universo que realmente se encontrou. Quando entrou para a The Body Shop (onde também atuou como CEO), descobriu um mercado dinâmico e apaixonante. “Acho que o mais interessante é o ritmo acelerado de inovação, o tamanho do negócio, sobretudo aqui no Brasil, que é o quarto no mundo em mercado de beleza. É muito mais do que vender produto, existe uma parte de ciência e tecnologia que é imensa e cativante”.
Beleza, aliás, é um conceito que a CEO entende como muito mais amplo – longe do puramente estético. “Eu acho que a Wella tem como visão e missão permitir a qualquer pessoa ser quem ela é. Ser você mesma e poder trazer o seu tipo de beleza. Quer ter o cabelo rosa, verde, amarelo? Você pode. Não existe mais um padrão, e não queremos mesmo padronizar, porque a beleza é muito subjetiva e é papel da indústria reforçar isso. Diversidade é a palavra, e é apaixonante”, afirma.
De mulheres para mulheres
Impossível, no entanto, não questionar o mercado: mesmo que a maior parte dos consumidores se identifiquem com o gênero feminino, os grandes profissionais ainda são, em sua maioria, homens. “Donos de salão quase sempre eram homens, donos de perfumarias, grandes cabeleireiros e maquiadores. Mas isso, felizmente, está mudando”, garante.
Segundo Nathelie, a Wella vem tentando se transformar e mudar este cenário internamente, trazendo mais embaixadoras de destaque, e permitindo que mais profissionais cheguem ao topo. “Podemos afirmar que 55% da empresa é formada por mulheres, e nos cargos altos. Porque também é comum vermos uma maioria feminina em corporações, mas isso se reduz muito quando chegamos às posições de gerência e diretoria. É uma jornada, nada muda de um dia para outro, mas aumentamos em 20% o número de mulheres em nossa comunidade de profissionais. Queremos tratar da diversidade como um todo: de gênero, de raça, de sexualidade e etária”, completa.
Da síndrome de impostora ao exercício da sororidade
Assumir as funções de diretora e, posteriormente, CEO, e mudar para um país pouco conhecido não foram decisões fáceis para Nathalie que, assim como 70% das profissionais bem-sucedidas (segundo pesquisa da Universidade Dominicana da Califórnia), enfrentou por anos a síndrome de impostora. “Não conheço uma mulher que não passou por isso, de estar em um lugar que você acha que não é para você, que os outros são melhores. E isso desde a escola, quando eu pensava que uma universidade de elite não era para mim, mesmo sendo a melhor aluna da turma. Quando você entra no mercado de trabalho, entra em um mundo dominado por homens, e já senta na mesa achando que não está no lugar certo”, recorda.
Transpor essa barreira tampouco foi simples, ou do dia para a noite: ela precisou contar com mentores, colegas e família, além de encontrar forças em si mesma. Foi durante uma sessão de coaching que ouviu que precisaria resolver a questão internamente, porque sua falta de confiança e autoestima seriam empecilhos para continuar. “Vi que realmente a questão estava comigo. Quando me ofereceram a cadeira de CEO no Brasil, eu pedi para pensar, mas qualquer homem teria aceito na hora. Na minha reflexão, eu li uma frase de Richard Branson (empresário britânico fundador do Grupo Virgin) que dizia que se você for chamado para exercer uma função que não sabe, aceita e aprende depois. Foi isso o que eu fiz. Tudo me parecia uma montanha, até mesmo jantar sozinha durante uma viagem de negócios, e eu me colocava muitas barreiras”, recorda.
Compreender a força que existe na liderança feminina também foi um processo, que começou a se tornar mais fácil depois de ouvir do CEO de uma grande companhia que quando contrata uma líder mulher, quer ela atuando como uma mulher – e não espelhando os homens que sentam à mesa. “A liderança feminina vem com mais empatia, o cuidar da pessoa e não apenas do negócio, e acho que isso sempre vem comigo naturalmente, porque eu gosto de conversar, de saber do outro e me interesso genuinamente. As mulheres ouvem mais e são mais efetivas. Me lembro daqueles almoços com homens de 3 horas de duração na Espanha, e depois de ver uma mulher que era mãe sair às 17h e ser criticada por isso – mas ela almoçou em meia hora e deu conta de tudo. Nós somos mais focadas.”
Tendo sido contratada pela Wella durante sua licença-maternidade, Nathalie se considera sortuda de ter recebido mais apoio do que críticas neste momento tão complexo para mulheres no mercado de trabalho, e tenta passar isso para frente: “Faz parte da vida, você pode estar grávida ou ficar doente, e isso não deve ser um impedimento. Hoje, olho para a minha filha e me pergunto como farei com ela. Ela ainda é pequena, é empoderada, mas será que vai se manter assim? Eu acredito muito na sororidade, e acho que antigamente não falávamos tanto disso. A gente falava no contrário, inclusive, e os homens fomentavam isso. A chave é ajudar outra mulher a se sentir capaz e ver que está no lugar certo”.
A busca pelo equilíbrio
E, claro, como mãe e CEO, Nathalie também sente a balança desequilibrar para um lado ou para o outro. O segredo para conseguir conciliar estes dois mundos? Ressignificar a culpa e seguir tentando manter um equilíbrio. “Nasce uma mãe, nasce uma culpa, como dizem. Mas ser mãe ajuda a ser líder, porque tudo o que uma mãe tem que resolver é impressionante. Eu era exagerada no trabalho, e a maternidade me ajudou a entender que nada é realmente tão grave, me ajudou a relativizar as coisas. Acho que cada mãe lida com a escolha, e isso é complexo. Se escolher uma viagem de trabalho, pode acabar perdendo a apresentação de balé. Em junho, não fui a uma reunião em NY porque era inegociável para mim estar presente no aniversário da minha filha. Nós temos a responsabilidade de deixar claro o que é importante pra gente, e acho que tudo bem, precisamos nos livrar da culpa. Você vai ter mil reuniões, mas poucos aniversários”, finaliza.