Viajo sozinha: relatos de mulheres que embarcaram desacompanhadas
Embarcar para o destino dos sonhos sem a companhia vale muito mais que uma experiência turística – é uma verdadeira jornada de autoconhecimento.
Um estudo do Ministério do Turismo feito em 2015 aponta que 14% das mulheres que pretendiam viajar nos seis meses seguintes iriam sozinhas – número 35% maior que no sexo masculino.
A jornada pode ser transformadora tanto para as marinheiras de primeira viagem quanto para as velhas de guerra: envolve descobrir-se a melhor companhia, bastar-se e transformar a solidão em solidez. Estranha em um país estranho. É como se você afinal ouvisse sua voz depois de sair de um coral.
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Não que seja ruim dividir a estrada com um amigo, amiga, namorado, turma, família. Mas sozinha você pode estar mais atenta a detalhes que a companhia dispersaria – sem falar no detalhe inescapável que é descobrir a si mesma.
Conversamos com um supertime de mochileiras de passaportes rodados para entender o que aprenderam com suas milhares de milhas acumuladas. Elas contam como foram as experiências e ainda dão dicas para quem também quer se libertar:
Choque cultural
A paulistana Gaía Passarelli, 39 anos, já carimbou meia dúzia de passaportes até lançar no fim do ano passado o livro Mas Você Vai Sozinha? (Globo), guia para toda mulher disposta a meter o pé na estrada. Ela chegou ao nirvana em sua odisseia pela Índia em 2014.
“Passei 15 dias viajando sem companhia por lugares como Trivandrum e Kanyakumari. Indescritível.” Entre as variadas hospedagens que escolheu, houve hotéis baratos (a costa da Índia é bem turística e movimentada; não falta opção) e guest houses (casas de família que têm autorização para receber hóspedes).
“Uma coisa importante sobre a Índia: a gente fala muito sobre choque cultural e sobre como a questão da mulher é difícil, mas também é um país apaixonante, diferente de qualquer outro. E as pessoas são de uma gentileza especial, sempre curiosas e disponíveis”, elogia. No livro, ela ainda conta alguns perrengues.
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Dica de viajante: “Você tem que tomar decisões todos os dias. Aonde ir, como ir, quanto gastar, o que fazer. É só você que decide. A mala está muito pesada? É você que carrega. Pegou o trem no sentido errado? Não há quem culpar. Esse tipo de situação tem outro peso durante uma viagem. Falo isso de um jeito positivo, pois é uma forma de ter tempo e oportunidade de se observar. É normal para quem mora sozinha, mas uma conquista e tanto para a mulher que vive cercada de gente e acredita que não ficará confortável com a ideia de solidão.”
Língua universal
“A melhor viagem é sempre a próxima”, diz a turismóloga mineira Cris Marques, 30 anos, dona do blog Dentro do Mochilão, sem conseguir eleger o destino preferido entre os vários para onde se aventurou só. “Dois, em especial, foram Croácia e Grécia.”
Sem nenhuma motivação especial além de conhecer um parque lindo, cheio de cachoeiras, que tinha visto no Instagram, tomou coragem e embarcou para uma viagem de três meses sozinha. “Tinha muita vontade de ir, mas ficava com receio, pois meu inglês é bem básico. Encarei o medo e fui.”
A comunicação era limitada, sim, mas Cris descobriu uma língua universal, pautada por amor e empatia. “Não tem como explicá-la. Quando as pessoas querem, elas se entendem. Eu me senti acolhida pelos locais”, conta. A solidão, definitivamente, não fez parte dessa jornada. “Conheci pessoas nos lugares e não senti falta de ninguém.”
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DICA DE VIAJANTE: “A viagem solo é um exercício diário de confiança e desapego. Claro que existem lugares no mundo em que as condições culturais exigem uma adaptação aos hábitos locais, como alguns países do Oriente Médio, que têm regras mais rígidas quanto ao que vestir. Mas nada de mais. Você perguntaria a algum homem por que ele viajou sozinho?”
Senhora do destino
Autora de Preciso Rodar o Mundo (Livros de Safra), a catarinense Michelli Provensi, 30, já viu de tudo em dez anos viajando como modelo. Mas, para ela, o melhor roteiro foi feito na Nova Zelândia, onde percorreu de ônibus toda a Ilha Norte, que concentra a maior parte da população do país.
“Na capital, Wellington, fiz um tour que passava pelos lugares onde foram filmadas as cenas da famosa trilogia O Senhor dos Anéis.” A partir de Auckland, maior concentração urbana do país, pegou um barco até a charmosa Ilha Waiheke. Rodou por ali (sempre de ônibus) até descolar uma pizzaria pequena em uma praia simpática.
Enquanto comia, sozinha, fez amizade com uma americana, com o pé quebrado. “Na cidade de Rotorua, que curiosamente cheira a ovo podre, gostei muito de visitar os maoris”, diz ela, referindo-se ao povo nativo. Outra viagem marcante foi ao Marrocos. “Muita coisa não deu certo. Errei e só levei short e saia; o tempo todo me cantavam na rua”, conta. “A lembrança boa é de uma loja de vasos. Queria comprar todos!”
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DICA DE VIAJANTE:“Mantenha sempre um amigo ou familiar informado do roteiro da viagem. Na mala, leve roupas para deixar pelo caminho. Ao chegar ao destino, providencie um chip telefônico do lugar para baratear os custos de comunicação.
Em roteiros exóticos, melhor ser invisível e vestir-se como os locais. Se não quiser ser paquerada, use fone de ouvido e óculos escuros.”
Em boa companhia
A fotógrafa gaúcha Cris Berger, 44 anos, já viajou sozinha algumas vezes. Mas, para ela, a melhor experiência foi uma ida, a trabalho, à fronteira do Uruguai com o Brasil. De Montevidéu, a capital do país, alugou um carro e dirigiu até Punta del Diablo, uma pequena vila de pescadores.
“Era inverno, a praia estava vazia. Achei uma pousada, me instalei e fui procurar um personagem para entrevistar. Encontrei uma pessoa do local que me convidou para ir à sua casa.” Cris comprou queijo e vinho e foi visitá-la. A conversa seguiu por horas a fio.
“Eu precisava estar sozinha para poder fazer essa viagem com a intensidade que ela merecia. No retorno para o aeroporto, me senti plena – uma bem-vinda sensação de independência e autonomia. Entendi o que é estar bem consigo mesma. Livre! Percebi que minha companhia me bastava. Fiquei mais segura para viajar desde então”, lembra.
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DICA DE VIAJANTE: “Arrisque falar uma língua que não domina, use mímica. E cuide dos documentos. Certa vez, no Canadá, deixei cair o passaporte no avião e só me dei conta na fila da imigração. Fui levada para uma salinha por duas horas, onde expliquei aos agentes o que havia acontecido. Esperei tranquilamente e até fiz amizade com eles quando o documento foi encontrado. Tive sorte, mas aprendi: em uma viagem sozinha, entrar em pânico não é uma opção.”
Roubada no paraíso
A colombiana Toya Viudes, 49 anos, adora a sensação de liberdade de viajar só: “É quando aprendo de verdade quem eu sou, o que me emociona e o que me desespera. A distância coloca tudo em perspectiva, alimenta a alma, enche o coração e me faz apreciar as coisas realmente importantes da vida”.
A primeira de muitas experiências aconteceu quando ela estava terminando a universidade. Tinha algum dinheiro e não sabia o que fazer. Às cegas, comprou um bilhete para San José, na Costa Rica, onde vivia o amigo de um amigo. Chegou durante a noite. Como o anfitrião não estava em casa, foi obrigada a procurar um hotel.
“Então vieram os medos e choros: ‘Que faço aqui sozinha? Por que não fiquei em casa? Meu dinheiro vai dar?’ ” Depois de vários dias, Toya o encontrou e hospedou-se em sua casa. Ele lhe deu preciosas dicas de turismo e até conseguiu emprestado um chalé em uma praia no lado caribenho do país. “Essa viagem, que começou mal, foi uma das melhores da minha vida.”
DICA DE VIAJANTE: “Não há diferença entre mulheres e homens viajantes, mas entre novatos ou experimentados. Viajar sozinha exige, antes de tudo, bom senso, responsabilidade, prudência, paciência, atenção e humildade.”
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