Quando o amigo é racista, a amizade e o respeito acabam
O empresário Rodrigo Branco fez comentários racistas sobre Maju Coutinho e Thelma Assis na live da então amiga, a DJ Ju de Paulla
O peso do racismo é tão forte, que, mesmo quando somos vítimas, sentimos culpa e medo de sermos responsabilizados por ele existir. A influenciadora e DJ Ju de Paulla sentiu na pele essa pressão psicológica na tarde desta segunda-feira (30) durante uma live em seu Instagram. “A maioria me apoiou, mas bateu uma preocupação, já que sou sempre tão cheia de argumentos e não consegui ter naquela hora”, disse a influenciadora sobre a fala racista que seu, até então, amigo, o publicitário Rodrigo Branco, fez na sua transmissão ao vivo. ”O racismo também é isso, ele pega a gente desprevenido e nos deixa sem palavras”, comenta Ju.
A ideia inicial de conversar despretensiosamente sobre o reality show Big Brother Brasil virou um crime. Enquanto Ju expressava sua torcida pela médica Thelma, que é negra, Rodrigo entrou na live e questionou: “Não, a Thelma nem pensar. Posso falar uma coisa? Você gostar da Thelma é racismo”, alucinou o publicitário na live. “É o seguinte, todo mundo tá votando nela, porque ela é negra coitada. […] Quer ver, por exemplo, a Maju Coutinho é péssima, horrível, fala tudo errado e só tá lá pela cor. A carreira dela foi ela ser xingada”, disse o agressor em uma sequência, que nem vale ser completada aqui.
A influencer, um tanto perdida com a situação, falou que não acreditava no que o amigo estava dizendo. “Se pudesse voltar naquele momento, seria mais incisiva e direta com ele. Mas depois que acabou nós fomos conversar e consegui questionar ele”, explicou Ju a Rodrigo, que insistia em dizer que era a opinião dele. “Ele tem o direito de não gostar da Maju, como jornalista, e da Thelma, como participante, mas relacionar isso com a cor delas é ser racista, sim”.
Antes de excluir sua conta no Instagram, Rodrigo chegou a fazer um vídeo pedindo desculpas e dizendo que é uma pessoa aberta a mudanças. Além disso, ele agradeceu aos amigos que foram o alertar do erro. “Como pessoa privilegiada, branca e rica, ele tem acesso a todo tipo de informação. Então, você escolhe ser a pessoa que ele foi ou ouvir quem realmente tem algo para agregar sobre isso”, alertou a influencer.
Do comentário velado, disfarçado de piada, à atitude racista escancarada, o racismo machuca e revolta de todo jeito. Mas, quando você escuta de alguém por quem cultiva um respeito e afeto, a recepção é ainda mais danosa. “Pra mim, foi muito violento vir de uma pessoa que tenho carinho e é do círculo de amizade, até por isso acho que me faltou palavra no momento”, explicou.
Sobre o questionamento de Thelma e Maju alcançarem lugares de ascensão por causa da etnia e não por mérito, Jude lamenta que “não era uma opinião dele apenas em relação a elas, mas ele pensa isso das pessoas pretas no geral, e isso me inclui. Ele acha que sou uma pobre coitada, que provavelmente só está aqui por alguém teve pena”, considera.
Associar pessoas negras a narrativas de “vitimismo” e deslegitimar suas conquistar são apostas recorrentes de racistas, dos distantes aos que estão do nosso lado. E o silêncio como resposta para eles é dar passe livre e ser cúmplice para que o racismo se fortaleça ainda mais. “Não tenho vontade e nem espaço de manter amizade com alguém que não tem vontade de enxergar que está errado, que foi machista, racista ou homofóbico. Não tem relação mais”.
Seja antirracista
“Ei, branco! Você é mesmo antirracista? O seu silêncio é racismo”. Esse recado apareceu na timeline de muitos usuários do Instagram na noite desta terça-feira (31). A onda de compartilhamento do post, que foi liderada pelo Coletivo Potências Negras, foi uma das repostas para o crime cometido pelo empresário Rodrigo Branco. Na publicação, a famosa frase da filósofa e ativista do movimento negro Angela Davis incita uma reflexão para as pessoas não-negras em relação aos diários casos racistas, endossando a ideia de que não basta observar o crime motivado pela distinção racial. Mais do que isso, precisamos de aliados para combatê-los.
Além de Davis, o conceito de ” crime perfeito”, segundo o antropólogo Kabengele Munanga, também aparece na publicação e levanta a questão da responsabilidade, jogada de forma negligente, para a vítima. Ao ouvir de um judeu, vencedor do Nobel da Paz, que o carrasco mata duas vezes para garantir que a pessoa permaneça calada, Kabengele identificou o racismo no Brasil como esse “crime perfeito”, já que o sistema não expõe o opressor e ainda mata consciência do próprio oprimido. Ou seja, pessoas sofrem racismo diariamente, mas ninguém assume que pratica.
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