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Precisei de tratamento pra parar de mentir

Só descobri que isso era uma doença depois de desfalcar o caixa no meu trabalho

Por Redação M de Mulher
Atualizado em 20 jan 2020, 20h27 - Publicado em 2 ago 2010, 21h00

“Hoje sei valorizar a importância 
de ter a confiança das pessoas”
Foto: Arquivo pessoal

Há três anos, eu era vendedora em uma loja de informática. Meu chefe me deixava controlar outras tarefas, como a cobrança dos clientes. Era uma responsabilidade enorme para alguém como eu, com tendência a contar mentiras. Com os erros que cometi no meu trabalho, descobri que desde criança sofro de mitomania e que precisava de ajuda para me livrar dessa doença, caracterizada pela compulsão para mentir. 

Era julho de 2007 quando convenci meu chefe a montar um estande em uma feira para o público evangélico. No dia do culto que eu frequentava, menti para meu pastor dizendo que minha empresa cederia espaço para divulgar a igreja dele. Mas como convencer meu chefe a topar esse acordo? Simples: menti para meu patrão dizendo que a igreja bancaria metade do estande. Na minha cabeça, o tempo resolveria minhas mentiras.

>> Eu sustentava o que dizia até o fim
Lembro de cometer esses deslizes desde criança. Aos 7 anos, se eu ganhasse uma boneca pequena, tratava logo de dizer para minhas amigas que tinha ganhado a maior da loja. Caso fosse uma sem marca, dizia que era uma Barbie. Me sentia insegura, e isso me impedia de contar a verdade. Eu achava que só assim, mentindo, poderia me integrar a elas. 

Na adolescência, esse impulso ganhou contornos dramáticos. Aos 14 anos, namorei escondida por meses. Dizia aos meus pais que estava na igreja e ia para a casa dele. Até aí, parece coisa de adolescente. Mas minha convicção ao mentir era doentia. Eu acreditava na mentira e negava tudo até ser desmascarada.

>> Mentia para me beneficiar
Um ano depois, comecei a trabalhar. Apesar de ganhar R$ 300 por mês, eu gastava mais de R$ 700. Acreditava que nos meses seguintes conseguiria dinheiro para pagar as dívidas. Era uma maneira de mentir para mim mesma. Quem pagava as dívidas era meu pai, já preocupado com meus impulsos. 

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Aos 19 anos, fui trabalhar na loja de informática. Como eu achava normal gastar além dos meus limites, também não via problema em usar o dinheiro da empresa em benefício próprio. Eu continuava acreditando que o tempo daria um jeito em tudo e que ninguém ficaria sabendo das minhas mentiras. 

Nesse embalo, aproveitei a confiança do meu chefe para me dar um computador de presente no Dia dos Namorados. Fiz o pedido ao fornecedor e emiti uma nota falsa, no nome de um cliente verdadeiro da loja. Três meses se passaram e as cobranças do fornecedor começaram. Eu dizia ao meu chefe que já tinha cobrado o cliente, que não pagava. Mentira. 

O tal cliente já tinha pago a compra dele, mas eu escondi as notas verdadeiras. Eu prometia a mim mesma que arranjaria dinheiro para resolver aquele rombo sem que meu chefe percebesse. Quanta ilusão.

>> Hoje conto até dez antes de mentir
Meu mundo caiu quando o fornecedor protestou a empresa na Justiça por não pagar aquele computador. Aí meu chefe ligou para o cliente. Ele informou que já tinha pago o que devia. Desconfiado, meu chefe mexeu nas minhas gavetas e descobriu as notas escondidas. Além dessas, havia outra, a do pagamento do estande que deveria ser pago inteiramente pela empresa dele. Fui demitida imediatamente, por justa causa. 

Minhas mentiras foram todas descobertas e repassadas aos meus pais. Quando soube da história, meu namorado terminou comigo. Fui internada em uma clínica psiquiátrica. Mas eu ainda não me reconhecia como doente. Após um dia de internação, pedi para meus pais me buscarem. Menti descaradamente dizendo que tinham me batido lá dentro.

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>> É como o vício em bebida
Ao olhar para trás, penso que os danos que causei poderiam ser maiores. Eu poderia ser presa se as pessoas a quem prejudiquei não estivessem empenhadas em me ajudar. Meses depois, no ano passado, passei a me consultar com uma psicóloga. Com ela, percebi que isso era uma doença e que eu precisava de tratamento. É algo parecido com o vício em bebida: temos que viver um dia após o outro sem mentir. 

Agora, quando percebo que estou prestes a contar uma mentira, paro de conversar com meu interlocutor. Respiro, conto até dez e, a partir daí, volto a falar. Se o impulso é mais rápido do que esse controle, peço desculpas a quem enganei. Arranjei um novo emprego e estou reconquistando a confiança dos meus pais. Ainda tenho uma dívida com o meu antigo empregador, que vou pagar com o meu trabalho. Hoje sei valorizar a importância de ter a confiança das pessoas.

Mitômano perde a noção dos atos

Da redação

A mentira pode ser usada por diversos motivos, como fazer média com alguém ou até aplicar um golpe. A partir do momento em que o mentiroso perde a noção das conseqüências dos danos causados pelos seus atos, isso se torna uma doença, a mitomania. De acordo com estudiosos, um mitômano não mente por má-fé. 

“Ele pensa que só será aceito na sociedade se puder corresponder às expectativas de outras pessoas, mesmo que elas sejam irreais”, explica a psicóloga Marisa Lobo, autora do livro Por que as pessoas mentem? (Ed. Arte Editorial, 2010, 224 páginas, R$ 39,90). A explicação para a doença está na infância do mitômano. “Se os pais percebem que o filho está mentindo e não expõem as consequências disso, estão incentivando a criança a repetir a mentira outras vezes”, afirma. 

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O tratamento para a doença envolve atendimento psicológico e, em alguns casos, medicamentos antidepressivos para elevar a autoestima do paciente. “O mitômano precisa aprender que as pessoas ficam incomodadas com as mentiras”, explica o psicólogo Sandro Caramaschi, da UNESP (Universidade Estadual Paulista).

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