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Parir em casa não é abrigo para o medo

Segundo a obstetriz Ana Cristina Duarte, o parto domiciliar não deve ser motivado apenas para fugir do hospital durante a pandemia

Por Ana Carolina Pinheiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 28 Maio 2020, 12h46 - Publicado em 27 Maio 2020, 21h00
 (Jill Lehmann Photography/Getty Images)
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Diferente da angústia, o medo é um fenômeno psicológico em que é possível identificar a ameaça que desperta o perigo na consciência. Em um cenário delicado e com transformação constante, como na gravidez durante uma pandemia, esse sentimento tem um forte poder de interferência nas decisões de quem vai dar à luz e de seus parceiros e suas parceiras.

Desde março, o celular da enfermeira obstetra Luciane Bueno recebeu mais ligações do que o habitual. “Eram mães já na reta final da gravidez, que por conta da pandemia, estavam com medo de terem um parto hospitalar. Quando percebia que a única motivação para ter um parto domiciliar era essa, já tentava acalmá-las e conversar sobre as implicações dessa escolha”, comenta a parteira, que também ressalta que o pré-natal também precisa ser acompanhado pela enfermeira obstetra.

Referência no ativismo do parto humanizado, a obstetriz Ana Cristina Duarte, coordenadora do Simpósio Internacional de Assistência ao Parto (SIAPARTO) e diretora executiva do Coletivo Nascer de atendimento ao parto humanizado, explica que o período máximo de gestação para se preparar para um parto domiciliar é determinado por cada equipe, mas que varia de 28 a 32 semanas. A parteira acredita que cabe aos profissionais fazer esse filtro e dar orientações sobre o que está por trás da decisão de parir dentro de casa.

“A razão para uma mulher escolher o parto hospitalar é a de ter segurança, ainda que seja ilusória, de ter uma UTI neonatal, entre outros tipos de estruturas. Daí, de repente, ela migra para o parto domiciliar por um medo ainda maior, o do vírus, sendo que estatisticamente o hospital ainda é um local seguro para essas gestantes e bebês em relação ao contágio. Então, percebemos que a mudança de local do parto dirigida pelo medo não é saudável”, alerta a profissional.

O parto em casa é seguro e ótimo para mãe e filho, mas não deve ser feito apenas em função de medo. É uma escolha filosófica, política, de recusa à estrutura médica hospitalar institucional. Mas as pessoas precisam entender que o risco ainda será presente em qualquer ambiente e em qualquer lugar do mundo.

Ana Cristina Duarte
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A espera pelo Noah começou bem antes do resultado positivo do exame de Beta HCG. A produtora artística Cristina Chicon Teixeira, 30 anos, planejou não só a gravidez, como o parto, com antecedência. “Sempre foi um desejo meu parir em casa e pesquiso há muito tempo. Não gosto de hospital de jeito nenhum. E, quando você começa a pesquisar, a primeira coisa que aparece é a forte presente da violência obstétrica no ambiente hospitalar”, revela Cris, que está de 36 semanas.

Cristina Teixeira
Cristina (no canto direito) e seus familiares antes do distanciamento social ser decretado em São Paulo (Reprodução/Acervo pessoal)

Embora o desejo pelo parto domiciliar fosse antigo, no início da gestação do Noah, Cris e o marido, Arthur Martinez, entraram em um acordo para que ambos se sentissem bem e confortáveis com a forma do nascimento do filho. “Ele sempre teve medo do Noah chegar ao mundo dentro de casa, por isso pensamos a princípio em procurar uma casa de parto ou um hospital que tivesse estrutura para realizar um parto humanizado”, comenta sobre as salas deliveries, que possuem banheira, iluminação baixa, bolas, entre outros elementos.

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Porém, com a chegada da pandemia, as decisões do casal foram alteradas e amparadas pelo trabalho da doula que os acompanha. “Na minha opinião inicial não interferiu, mas na do meu esposo, com certeza. Por conta do coronavírus, ele começou a trabalhar mais a ideia do parto em casa e ver que, além de ser um benefício para a minha tranquilidade e ser meu desejo, também seria uma segurança para ele. Já que, se tudo ocorrer como planejado, não vamos ter que nos expor em um hospital e a tantas pessoas”, afirma a produtora.

Luciana, que será a parteira responsável por assistir ao parto de Cristina e Noah, teve sua rotina profissional completamente alterada. “Agora, atento pacientes com um intervalo de 1 horas para dar tempo de higienizar toda a sala. Isso quando são consultas que realmente precisam ser feitas presencialmente, pois algumas fazemos via chamada de vídeo”, comenta a profissional, que atua junto com uma outra enfermeira obstetra nos partos domiciliares.

O que mudou no parto domiciliar durante a pandemia

Cris tinha o sonho de parir na água, desejo esse que não poderá ser tentado durante o trabalho de parto por conta das orientações de instituições internacionais, como a Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG). “Levando em conta esses protocolos, nós partimos do princípio que qualquer pessoa no ambiente pode estar contaminada pelo novo coronavírus, por isso a água pode ser um meio que facilite a transmissão”, afirma Luciane, que usa todos os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) necessários dentro da casa onde o parto será realizado. Mesmo assim, a profissional explica que o contato pele a pele da mãe com o bebê e amamentação logo após o parto são medidas ainda mantidas.

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Caso a parturiente seja diagnosticada com a Covid-19 antes do parto domiciliar, o mesmo será transferido para o hospital. A medida também é uma recomendação dos médicos, tendo em vista que a estrutura da instituição atenderá melhor a mãe e o bebê, que passaram a quarentena lado a lado mesmo assim.

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