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Os desafios de uma criança autista em isolamento social

Isolada desde o dia 19 de março, família de Novo Hamburgo teve que adaptar rotina do filho caçula para enfrentar a quarentena

Por Colaborou: Gabriela Teixeira
Atualizado em 22 abr 2024, 12h45 - Publicado em 2 abr 2020, 17h39
Francisco e família
Francisco com a irmã Laura e as mães Marisol (esquerda) e Amenaide (direita) (Reprodução/Arquivo pessoal)
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Francisco tinha apenas cinco meses quando foi adotado pela professora de educação infantil Amenaide Bezerra Xavier, 49 anos, e pela funcionária pública Marisol Regina Pacheco, 53. “Ele era um bebê alegre, tranquilo, comia de tudo. Mas logo comecei a notar que ele tinha algo de diferente das outras crianças”, conta Amenaide, explicando que, por volta dos dois anos e meio, o filho passou a apresentar um comportamento agressivo, preferindo não ficar perto das pessoas, além de uma seletividade alimentar. Foi quando elas procuraram um psicólogo e, após alguns testes, receberam o diagnóstico: Francisco é autista.

“Foi bem pesado e ficamos um pouco chocadas, mas o que importava era a evolução dele. Então começamos a buscar atendimentos e com isso pudemos entender melhor a situação”. Dentro do espectro autista, Francisco está entre o nível leve e moderado. Isso significa que ele possui autonomia para realizar certas tarefas e para outras não. “Ele é o que chamamos de autista típico. Tem estereotipias como qualquer outro, é ansioso, mas também carinhoso, sociável e conversador” diz Amenaide. Recebendo um acompanhamento profissional adequado, o garoto pôde evoluir e hoje, aos 10 anos, leva uma vida social praticamente normal. Os episódios de agressividade com as pessoas ficaram para trás e agora ele gosta de tê-las por perto.

Justamente por isso, foi um pouco difícil para Francisco se adaptar ao isolamento social que a família de Novo Hamburgo tem vivido desde o dia 19 de março por causa do coronavírus. “Ele ia para a escola, para o atendimento psicológico e psicopedagógico, para a fisioterapia… É uma rotina que ele adora. Então durante a primeira semana de isolamento, ele acabou ficando um pouco agitado e foi difícil para nós. Mas, como acontece com toda criança, bastou conversarmos bastante para que ele começasse a entender e até fazer perguntas sobre a quarentena, o Covid-19. Agora ele entende a importância de ficar em casa.”

Francisco e família
Durante o isolamento, um dos passatempos do garoto são as atividades do projeto musical Sinfonia Diferente, do qual participa. (Reprodução/Arquivo pessoal)

Ao contrário de muitas crianças autistas, Francisco não tem grande apego a rotinas e até prefere, enquanto está em casa, fazer coisas diferentes das que costuma fazer na escola. “A gente o deixa à vontade, sem dar muitos direcionamentos e ele está se adaptando. Tem até nos surpreendido”, revela a mãe. Participando de diversos grupos, ela e a esposa percebem que, para algumas famílias, o período está sendo complicado.

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“Cada família tem seu autista e todos eles são diferentes. Alguns casos são realmente mais severos e difíceis de controlar, especialmente se não-verbais, quando fica difícil a comunicação. Como ele é verbal, toma a medicação e está em um ambiente adequado, então está tranquilo. Nosso maior desafio tem sido a questão da alimentação”, explica a professora, contando que o filho está acima do peso recomendado e por isso não pode comer tudo e o quanto quer, o que o deixa bravo. “E o medicamento abre muito o apetite, mas sabemos que há também a questão da ansiedade natural dele. Mesmo assim, ele come bem.”

Na companhia da irmã Laura, de 15 anos, e dos dois cachorros da família, Francisco tem passado os dias de isolamento brincando e ensaiando as músicas do BTS, seu grupo de K-Pop favorito. Também faz as atividades propostas pela Associação de Pais e Amigos do Autista (AMA) e pelo projeto musical Sinfonia Diferente, do qual participa. E, por conta própria, tem praticado exercícios da escola, do judô e da fisioterapia.

“Estamos mostrando a vida real para ele. Se um dia, no futuro, quando não estivermos mais aqui, ele tiver que ficar em casa outra vez, vai se lembrar que já fez isso antes com as mães. Ele vai levar isso consigo. Sabemos que ele já ultrapassou e vai continuar ultrapassando diversas barreiras porque é inteligente e tem força de vontade. Por isso o amamos demais e jamais escolheríamos outro filho”, finaliza Amenaide.

O poder da criatividade

A psicóloga e analista de comportamento Karina Frizzi, do Grupo Conduzir, explica que, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças, indivíduos com deficiência intelectual e atraso no desenvolvimento possuem um maior risco de contágio e, se infectados, podem apresentar condições mais agudas da doença, entrando assim no grupo de risco. Isso faz com que seja fundamental seguir as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto ao distanciamento social.

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Durante esse período, ela orienta que é importante que os pais estabeleçam uma rotina tanto para si quanto para as crianças, pois isso auxiliará ambas as partes nas atividades diárias e também em seus momentos de interação. “Os profissionais, por sua vez, têm o papel auxiliar as famílias a se organizarem neste novo contexto, principalmente para prover as estimulações necessárias para os filhos. Essa é uma situação nova e a parceria entre família e profissionais é essencial para que as crianças continuem se desenvolvendo sem perdas significativas”, aponta.

A criatividade também pode ser uma grande aliada na hora de definir as atividades. “Algumas cadeiras podem virar um túnel, um bolo no final da tarde feito junto com os pais se torna algo super divertido, diversos brinquedos podem ser adquiridos em um supermercado de mentira… o importante é estimular e brincar”, explica, usando como exemplo algumas sugestões disponíveis nas redes sociais do Grupo. “O ponto mais importante é evitar deixar a criança ociosa por muito tempo. É por isso que a rotina se faz necessária, já que assim as famílias conseguem estabelecer alguns momentos do dia para terem uma interação de qualidade com seus filhos.”

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