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Mulheres negras compartilham memórias e desejos de felicidade

Elas priorizam os próprios cuidados e sonhos para encontrar leveza e equilíbrio na totalidade de suas existências

Por Ana Carolina Pinheiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 6 dez 2021, 15h41 - Publicado em 19 nov 2021, 12h00
Luedji Luna
Cantora e compositora Luedji Luna (Helen Salomão/Divulgação)
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ias difíceis e um ombro amigo para compartilhar ideias e sentimentos. A frase viral “Uma mulher negra feliz é um ato revolucionário”, da escritora Juliana Borges, surgiu nesse contexto, em 2014.

“Naquela época, eu lia muito bell hooks apontando a importância da reconstrução do amor e da autoestima para a nossa comunhão”, diz Juliana, que liga a frase à animalização que mulheres negras sofrem em uma sociedade marcada pela escravidão. Ver a ideia ganhando uma identificação exponencial entre as pretas, nos últimos meses, surpreendeu a autora.

A reflexão de Juliana, publicada na revista CartaCapital, em 2015, se tornou uma luz para as pesquisas da mestranda em poéticas visuais e artista Mônica Ventura.

“Depois de encontrar um recorte de jornal do período colonial anunciando uma mulher negra como escrava, senti a necessidade de trabalhar a relação da publicidade com a mulher afrodescendente”, explica a artista, que transformou as palavras de Juliana em um letreiro feito com LED.

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A obra já foi exposta em Porto Alegre, no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde fica até janeiro de 2022, na mostra Carolina Maria de Jesus: Um Brasil Para os Brasileiros.

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A cada olhar para a obra, um chamado íntimo entra em ebulição dentro de quem vive a intersecção do feminino e da negritude. A revolução se dá por esse ato de transformação que é colocar abaixo as paredes que impedem o acesso a esse estado de contentamento.

“Quando uma mulher negra desenvolve sua felicidade, ela também produz a sua humanidade. Eu me identifico com a ideia do ex-presidente uruguaio José Mujica de que pão e trabalho são direitos, mas viver com felicidade e alegria também”, afirma Juliana.

A seguir, mulheres negras partilham memórias, transformações e desejos de felicidade, ressignificando cicatrizes pessoais e coletivas das opressões que afetam a raiz da sociedade em propulsão para os sonhos.

Luedji Luna, 34 anos, cantora e compositora

“Eu me lembro de um momento marcante, o nascimento do meu irmão, Usma. Desejei muito a chegada dele, fiquei ansiosa e contei para todos da escola. Nos tornamos grandes parceiros de vida. A felicidade mora nessa possibilidade de viver do modo que seu espírito sonha, é estar em consonância com o seu propósito, ainda que haja altos e baixos. Entendi isso quando finalmente assumi a música dentro de mim. Se o público sente leveza e pertencimento com as letras que escrevo, é porque elas fizeram isso comigo primeiro. As experiências são atravessadas pelas dores e delícias de ser uma mulher negra, por isso que a conexão com elas é ainda mais estreita. Mulheres negras estão comigo sempre, seja no processo de compor, seja nas parcerias, seja na gestão da minha carreira. A nossa troca não é só profissional, mas de amizade, principalmente. Assim como a música, a maternidade também expandiu a minha noção de contentamento. Eu era uma pessoa que cedia e não me priorizava por traumas e pelo medo de não ser amada. O Dayo, meu filho, mudou isso, me dando potência, já que precisava me amar para cuidar de outro ser humano. Ele foi a chave para me libertar da culpa, que vem menos de um lugar da subjetividade e mais de algo social. Estar viva com dignidade é o sonho mais lindo dos nossos ancestrais, que batalharam por isso. Temos uma espécie de dívida com eles em cultivarmos essa felicidade. Minha estratégia é olhar para trás e reverenciá-los.”

Mônica Ventura, 36 anos, artista

Monica Ventura
(Pablo Saborido/Divulgação)

“Para mim, a felicidade pode nascer a partir da ausência. Quando tinha 4 anos, acordei em casa e não vi minha mãe. O vazio me causou sofrimento e choro, que pararam apenas na hora em que ela abriu o portão com uma sacola no braço. Fiquei feliz de uma forma inexplicável. Na adolescência, a ausência de novo se espalhou em mim, enquanto sentia dificuldade para me encaixar e reconhecer meus interesses. A virada só começou quando entrei na faculdade e comecei a entender aonde queria chegar. Ainda nesse processo, em 2015, prestes a completar 30 anos, conheci a filosofia do Sagrado Feminino, que conectou minha essência à natureza, ioga e meditação. Tive realmente uma grande mudança de percepção da minha vida. Entendi que a felicidade pode ser um estado contínuo com esse alinhamento físico, emocional, espiritual. Quando deixei de projetar para aceitar a realidade, o ser feliz passou a fazer parte da minha vida de uma forma não tóxica. Empreguei esse pensamento desde os momentos em que não podia fazer algo por falta de dinheiro, por exemplo, até a dinâmica da minha rotina. Se as minhas prioridades são meu filho, o trabalho e a casa, talvez tenha que adiar um prazo ou falar não para outra coisa, já que não vou dar conta de tudo. A inteligência emocional permite que a gente experimente os sentimentos contrários à felicidade, mas de forma passageira.”

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Erica Malunguinho, 39 anos, deputada estadual de São Paulo e fundadora do Aparelha Luzia

erica malunguinho
(Nego Júnior/Divulgação)

“Mesmo sendo uma criança que experimentou muitos momentos felizes, eu já era afetada por situações que me oprimiam e entristeciam. Mas não me deixava levar por elas. Sempre tive o discernimento que a felicidade e a alegria existiam e busquei caminhos para encontrá-las cada vez mais. A consciência de saber que o futuro poderia ser feliz me protegeu em períodos de dor e tristeza, ou seja, a esperança na felicidade me ergueu nas adversidades. Porém, acredito e defendo que essa fórmula só é eficaz no âmbito coletivo, por isso criei o Aparelha Luzia – um quilombo urbano para fomentar atividades artísticas, gastronômicas e sociais da história negra. O trunfo dessa batalha pela nossa felicidade, para mim, é o encontro, que acontece desde as vivências culturais, afetos, amores até a espiritualidade. Aglutinadas, dividimos nossas agonias, mas, principalmente, reconhecemos as conquistas.”

Luana Carvalho, 22 anos, criadora de conteúdo

Luana Carvalho
(Acervo pessoal/Reprodução)

“Deitada no banco do carro, no colo da minha mãe e da minha avó, ficava admirando a beleza das copas das árvores pela janela. Esse é um momento de felicidade que ficou marcado em mim, porque sentia que não tínhamos nenhum problema. Até hoje, minha avó me fala a mesma frase: ‘Neguinha, tu merece ser feliz, só se preocupa com isso’. Virou um mantra. Estou me livrando da tendência de pensar muito no que eu não tenho em vez de celebrar as coisas que conquistei. Nasci mulher, gorda e preta. Sem perceber, fui ensinada pelo mundo a me odiar. Depois que me aceitei desse jeito e passei a compartilhar meu processo na internet, a felicidade virou sinônimo de liberdade. Uso a roupa que quero e falo dos assuntos que me interessam. Percebo que, nas redes sociais, as pessoas se entregam a mim da mesma forma como eu me entrego a elas. Mas ainda tem uma cobrança pessoal muito cruel, que trabalho na terapia. Minha felicidade depende da forma com que lido comigo mesma e espero que essa relação seja cada vez mais permeada pelo afeto.”

Gabriela Loran, 28 anos, atriz e criadora de conteúdo

Gabriela Loran
(Acervo pessoal/Reprodução)

“Enquanto tomava banho, resolvi fazer um exercício que a minha professora da faculdade de Artes Cênicas passou. Ela pediu para todo mundo se tocar quando chegasse em casa. Lembro que sentia cada parte e chorava copiosamente. A noção de felicidade se materializou para mim naquele momento, aos 23 anos, quando conheci a verdadeira Gabriela e entendi que era uma mulher. A felicidade está em todos os lugares, mas precisamos estar abertas para enxergá-la. Por mais que opressões como o racismo e a transfobia esperem para nos matar, reforço para mim mesma que isso não me forma. O que me constitui é o apoio da minha família, o ar que bate no meu rosto. Ainda que seja uma cidadã consciente das mazelas, também estou transformando a minha vida com o meu trabalho e preciso celebrar. Estou cansada de ver só a nossa dor viralizar na internet, por isso, procuro sempre buscar a minha essência e compartilhar as vitórias.”

Aurinda da Anunciação, 87 anos, mestra sambadeira, ialorixá e ativista

Dona Aurinda
(renato gannito/Divulgação)

“A felicidade começa na resignação e no saber ter paciência. Aprendi isso por ser criada pelo meu irmão, já que perdemos a nossa mãe quando éramos crianças. Além dele me ensinar a viver, ainda me ensinou a ler. Nós não seríamos nada sem ter acesso à leitura, e eu não daria passos necessários para realizar sonhos, como ter a minha casa própria. O dia que entrei nela foi o mais feliz da minha vida, porque já morei de favor
na casa dos outros. A religiosidade me ensina diariamente a aprofundar a felicidade. Trabalhando para os nossos orixás e com o coração aberto,
a vida se enche de muita coisa. Mas, quando não há interesse, tudo fica pior do que já está. Meu sonho é ver um futuro com o mundo realmente unido. Para isso, precisamos desse esforço que falei, do interesse em entender e respeitar o próximo para a felicidade ser realidade para todos.”

Gabi Oliveira, 29 anos, comunicadora e apresentadora do podcast Afetos

Gabi Oliveira
(Ju Cizar/Divulgação)

“Cresci sendo vista como uma pessoa muito pra cima, com uma gargalhada marcante. Inclusive, na igreja, pediam para os meus pais não sentarem na frente comigo, para eu não atrapalhar. Por isso, quando tive depressão na adolescência, vi como era lidar com a ausência desse estado emocional. Depois do tratamento, nasceu um novo significado de felicidade e me tornei ainda mais feliz. Comecei a valorizar essa sensação, porque o meu olhar ficou mais sensível para identificar até as coisas boas mais simples. Desde então, tento sempre ter sonhos no meu microambiente e no macro, pois acho importante a gente não se negar esses desejos pessoais enquanto age por mudanças na sociedade. Não importa estar no topo enquanto a base ainda é explorada, mas a culpa não pode nos parar. Ela deve ser transformada em força para agirmos. Esse olhar mais flexível se desenvolveu ainda mais durante o processo de adoção dos meus dois filhos. Educar crianças é perseverar. Eu já era muito feliz antes da maternidade, mas agora estou experimentando uma felicidade nova, com mais cor. Sei que para algumas pessoas é difícil, mas o otimismo – que faz parte da minha essência – é a minha principal ferramenta para ser feliz. Não deixo de acreditar no desenvolvimento humano e isso me faz continuar.”

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Juliana Borges, 39 anos, escritora e fundadora da livraria Banca HG

Juliana Borges
(Acervo pessoal/Reprodução)

“Sempre gostei de escrever e ler – até antes de saber. Quando fui alfabetizada, com uns 5 anos, minha avó me fez a criança mais feliz do mundo ao me dar a coleção do Monteiro Lobato de presente. É a mesma felicidade que sinto hoje, quando ouço a risada das minhas irmãs.
Um caminho essencial para conseguirmos ser livres de verdade é estarmos bem para construir esses espaços de tranquilidade que citei, seja para nós mesmas, seja para os outros. Só que isso não pode se transformar em um peso. Estava no modo piloto automático até que a pandemia me mostrou que precisava cuidar mais de mim. Comecei a fazer terapia pela primeira vez para reconstruir coisas que me agradavam, como ir a uma exposição, tomar um café, entrar na livraria só para olhar. Reprogramar a vida tem me dando mais gás para investir nos prazeres simples, mas também em ações que podem ajudar mulheres em situação prisional, por exemplo – são coisas fundamentais para mim, porque a minha realização está no impacto real e coletivo.”

Anielle Franco, 37 anos, educadora, escritora e diretora do Instituto Marielle Franco

Anielle Franco
(Bleia Campos/Divulgação)

“Em 1994, tinha 10 anos e erguia o troféu do meu time no campeonato estadual de vôlei do Rio de Janeiro. A felicidade não era só pelo título, mas por tudo o que ele representava. Sou da Maré e meus pais e minha irmã se viravam muito para me levar para os treinos em Botafogo, então ver eles na arquibancada foi o ápice pra mim. Com o tempo, o vôlei e o dinheiro para o açaí no fim de semana começaram a dividir espaço com outras metas. Fora do Brasil, ser feliz era dar conta dos estudos e, depois, o sonho de ser mãe entrou em campo. Mas a maior mudança veio com o assassinato da Mari [a vereadora e ativista Marielle Franco]. Tinha muita raiva e ódio quando mataram ela, porém, entendi que, quanto mais feliz eu estivesse, maior seria a derrota daqueles que apoiaram o crime. A partir dali, principalmente agora, neste cenário pandêmico, estar viva, ter condições de dar o mínimo à minha família, diante de tanta miséria e fome, e sair pra jogar vôlei na praia é sinônimo de felicidade. Não abro mão do que me faz bem, mas também não dá pra negar que há uma dualidade. Por exemplo, vou realizar o sonho da minha filha de ir em um parque aquático no Nordeste, mas não contei pra ninguém. Também já senti culpa por ter um relacionamento enquanto as mulheres sofrem com a solidão. Em vez de repetir esses comportamentos, passei a mostrar minha rotina nas redes sociais, inspirando mulheres e dividindo minhas fraquezas. As minhas armas são o sorriso e a busca pelo equilíbrio emocional.”

Maria Gal, 45 anos, atriz e produtora

maria gal
(Pino Gomes/Divulgação)

“Antes de entrar no ritmo de trabalho intenso, minha referência de felicidade era a calma. Passava boa parte do meu tempo, quando pequena, ao ar livre, brincando na casa de familiares. Deixei tudo para trás em busca dos meus sonhos profissionais e de vida, mas com a simplicidade que me formou na bagagem. Hoje, trabalho com o que gosto, mas já enxergo a felicidade de outra forma, mais atrelada ao fato de estar bem comigo mesma, com meus propósitos e minha família. Por muito tempo, não priorizei meu sonho de casar e ter filhos, só que quero construir isso. Por mais que eu seja uma mulher preta empoderada e realizada, a temática da solidão ainda me atinge. Não é fácil, mas conto com a terapia, a espiritualidade, o afeto dos amigos e o próprio trabalho para equilibrar essa balança e encontrar a felicidade.”

Tenka Dara, 42 anos, jornalista e fundadora da marca Baobá Brasil

Tenka
(Rê Duarte / DuHarte Fotografía/Divulgação)

“A música e os meus pais estão presentes em tantos registros felizes. Sempre valorizei minha família e as pessoas que me fortalecem e fazem lembrar quem eu sou. Ao longo da vida, vamos passando por situações que colocam esse pensamento à prova. Depois que minhas filhas gêmeas nasceram, decidi diminuir o ritmo insano de trabalho. Fui muito cobrada pelo pai delas a ficar em casa também. Sou grata pela vivência intensa com as duas, mas tinha medo de não retomar a minha carreira, que também dá sentido à minha vida. Troquei São Paulo pelo Rio de Janeiro para me dedicar à marca de moda afro que criei, a Baobá Brasil, em 2006, e depois me separei. Quando buscamos nossa felicidade, parece que somos egoístas, só que, para estarmos bem no coletivo, precisamos estar bem com nós mesmas. Quero ser um espelho de força, potência e brilho para minhas filhas, assim como minha mãe foi para mim. Fico feliz de fazer parte dessa construção de um mundo melhor por meio das minhas criações. Ver mulheres que me inspiram conectando seus discursos com a moda da Baobá amplia meu sentido de vida e me enche de contentamento. Pra mim, a felicidade está totalmente ligada ao coletivo. Na pandemia, comecei a morar junto com o meu parceiro e fui pedida em casamento. Minha condição para casar no civil era fazer uma festa, quando fosse possível, para dividir com as pessoas essa alegria do amor e da felicidade.”

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