Elas na Copa: como um grupo de 45 mulheres se uniu pra viajar pra Rússia
Conversamos com 4 mulheres que, com outras 41 manas, criaram um grupo para correr atrás do sonho de ver a seleção jogar
Apesar da gente ter sentido falta daquela animação pré- Copa do Mundo, com direito a ruas pintadas e bandeiras espalhadas por todo canto, sabemos que quando os jogos começam, as coisas mudam. Até quem não gosta muito de futebol tem que admitir que a torcida empolga, o clima é contagiante e lá estamos nós com a vuvuzela. Aí, quando acaba, fica a vontade de, quem sabe, ver um jogo de pertinho daqui a 4 anos. Aconteceu com a paulista Camila Gomes, de 28 anos, que não conseguiu comprar ingressos para os jogos da Copa de 2014 no Brasil. Apesar de decepcionada, ela só teve ainda mais certeza que, em 2018, seguiria para a Rússia com a Seleção Brasileira. Determinada, hein?
Em junho de 2017, Camila pegou o apito e deu início a preparação da viagem. Ok, mas por onde começar? Ela precisava de uma ajudinha para criar o roteiro, garantir os ingressos do jogo, passagem, hospedagem e outros tantos detalhes. Além do amigo Google, trocar experiências com outras pessoas que também iriam para a Rússia era um ótimo caminho. E, claro, que o WhatsApp era o lugar perfeito para isso! Muitos grupos de pessoas com o mesmo objetivo foram formados para compartilhar informações e expectativas.
Camila entrou em vários deles e percebeu uma discrepância: “Em 14 grupos da Copa que entrei, cada um com limite de 250 pessoas, tinha de 20 a 30 mulheres e o resto era só homens”. O que ela fez? Juntou umas minas e criaram um grupo paralelo só de mulheres, onde poderiam se ajudar, trocar dicas sobre viajar sozinha, arrumar uma roomate pra dividir o quarto e até sobre o que levar na mala. E assim, no maior clima de sisterhood, que o Elas na Copa nasceu!
“Elas na Copa”: sororidade pra enfrentar os perrengues e alegrias na Rússia
Sonhando com o hexa, 45 mulheres dos quatro cantos do Brasil, quase todas sem se conhecerem, uniram-se para tirar dúvidas e compartilhar a ansiedade. O perfil é bem variado: engenheira, professora, bancária, bibliotecária, jornalista. Tem solteira, casada, mãe, filha e de todas as idades. Diferentes histórias, unidas pelo sonho de estar na arquibancada apoiando os jogadores brasileiros.
Mas alcançar esse objetivo não foi tão simples para nenhuma delas. Na preparação para uma viagem longa como essa, é inevitável surgirem dificuldades no trabalho, com a família, tempo e dinheiro. Com muito esforço, cada uma foi encaixando a viagem dentro da sua rotina e realidade, contando sempre com a ajuda das manas do “Elas na Copa”. Algumas já tinham um roteiro pronto antes de entrar no grupo, mas acabaram se adaptando. Outras, no início, iam viajar sozinhas e encontraram parceiras para dividir quartos e apartamentos. Por conta da Copa ser longa, elas sabem que nem sempre será possível reunir todas as integrantes, mas já combinaram passeios e festas. Porque, afinal, nada melhor do que ter com quem compartilhar a alegria e – principalmente- os perrengues, né?
Toda essa união ajudou a alagoana Marília Rocha, 28 anos, que está apreensiva e ansiosa para a sua primeira viagem internacional. “O grupo ajudou muito, além de informações sobre a Rússia e o auxílio com os ingressos, virou uma amizade. Espero ter oportunidade de conhecer a maioria das meninas pessoalmente. Como muitas vão sozinhas, estamos organizando de fazer passeios juntas”. Olha aí a sororidade! <3
A ideia desta rede de torcedoras deu tão que certo que elas também criaram um Instagram para compartilhar suas experiências. A conta conseguiu mais de 3 mil seguidores e acabou ajudando outras mulheres, também de fora do grupo, nos preparativos para o evento. Bem animadas, os cliques mostram momentos especiais como o recebimento dos ingressos e das “fans ID” e até dicas específicas de documentação na hora de se hospedar. E claro que, mesmo antes da Copa, já tinham rolado encontrinhos em diferentes estados pra todo mundo se enturmar. Legal quando uma amizade vai além do virtual, né? Ah! E durante todo o período de jogos, as integrantes do grupo farão uma cobertura e compartilharão nos stories.
Para todo esse projeto acontecer, elas precisaram disponibilizar tempo e comprometimento para cuidar das redes sociais, falar com a imprensa, sem contar com os preparativos da viagem. Mariana Neme, de 38 anos, sabe muito bem o tamanho da correria. Apaixonada por esportes, conheceu o grupo aos 45 minutos do segundo tempo, mas logo se envolveu com o projeto, participando ativamente da organização. “Tinha um preocupação muito grande de mostrar seriedade, mostrar nosso interesse por futebol e mostrar que não éramos só menininhas bonitas indo para a Rússia festejar. Sim, entendemos de futebol. Sim, gostamos de jogos. Sim, temos condições de discutir sobre esportes!”, conta a bancária, que organiza campeonatos femininos de futebol em Brasília.
Para completar, Mariana precisou dar um jeitinho de conciliar esse sonho com a maternidade. Ela teve que comemorar o aniversário do filho Vitor, de 9 anos, no Brasil, antes de embarcar para a copa. “Ele faz aniversário em 29 de junho, então vou antecipar a festinha dele uma semana. Estou viajando com o coração na mão, mas ele ama futebol e está entendendo. E já prometi que da próxima vez, vou levá-lo”. Apesar do cansaço, ela garante que tudo está valendo a pena.
Rede de segurança e amizade
Além do futebol, muitas das mulheres do grupo compartilham o amor por viajar, como é o caso da paulista Juliana Santiago, 37 anos. A Rússia não era prioridade em sua lista de destinos, mas viu na Copa do Mundo uma ótima oportunidade de conhecer o país. “Não é um idioma fácil. Viajar pra lá quando não seríamos os únicos turistas pareceu bem mais seguro do que em qualquer outra época”, conta a bibliotecária, que teve que acalmar a mãe, muito preocupada com a viagem da filha. “Minha mãe continua achando uma péssima ideia, por ser um país longe, com um idioma diferente, num estádio lotado. Ela até passou a não gostar mais tanto assim de futebol. Tá sendo um pouco demais pra corujice dela, sabe?”. Para tranquilizar a mãe, Juliana vai contar com “o conforto de ter pessoas conhecidas num lugar totalmente estranho pra ela”. “O Elas na Copa começou como uma rede de segurança e se tornou amizade, na qual umas se importam e cuidam verdadeiramente das outras com um carinho inesperado para pessoas que se conhecem a tão pouco tempo”. Assim, com muita confiança, Juliana aguarda a viagem, e mesmo sem ter conseguido ainda ingressos para partidas do Brasil, ela não desanima. “Tudo vai dar certo, a seleção vai para as semifinais e eu estarei lá com o coração junto no campo.”
Mariana, também mochileira, concorda com Juliana que a melhor época para conhecer o país é durante o evento esportivo. Ela conta que a Rússia foi um dos destinos mais trabalhosos que já planejou: “É uma viagem muito complexa e difícil de logística, devido ao tamanho do país e regras”.
Outra coisa que as duas já sabem sobre a Rússia é que, infelizmente, é um lugar marcado pelo machismo. Desde a União Soviética, as mulheres são estimuladas a trabalhar, mas com a responsabilidade de todas as tarefas da casa. E até hoje a violência doméstica não é tratada com a devida gravidade. Em 2017, o presidente Vladimir Putin sancionou uma lei que enfraquece a punição de crimes de violência contra mulheres. Um agressor só corre o risco de ir para atrás das grades se repetir o abuso em menos de um ano. E mais um absurdo: se um homem bater em sua esposa, mas não deixar marcas ou não quebrar ossos, ele não é preso, apenas deve pagar uma multa ou praticar trabalho voluntário.
Só pra se ter uma ideia de como o machismo é intrínseco na rotina do país, a presença de mulheres nas partidas é mínima. “Lá, elas não vão em jogos como aqui, tanto que não tem banheiros femininos nos estádios, eles tiveram que adaptar para receber o evento”, conta Mariana, que ressalta outra vez a importância de estar indo com outras garotas na viagem. “Quando eu ia sozinha, bateu um medo, mas o grupo deu apoio e força: ‘olha estamos juntas, temos uma a outra'”.
Já deu para perceber que essa Copa vai ser um ótimo cenário para a sororidade e também resistência, como Juliana mostra muito bem. “Medo do preconceito eu ainda sinto. Como mulher negra, essa é uma constante com a qual tenho que conviver. Mas não pode me impedir de fazer as coisas que gosto, por isso eu vou. Não posso e não quero deixar a ignorância dos outros me paralisar”. Afinal, lugar de mulher é onde ela quiser: na Rússia, na Copa e nos estádios do mundo todo. E aí, partiu Catar 2022?