Conheça a mulher que quer desmistificar a surdez no Brasil
Paula Pfeifer criou o projeto “Surdos que ouvem” para dar visibilidade e ajudar pessoas com deficiências de audição
Durante a infância, a gaúcha Paula Pfeifer, de 38 anos, achava que escutava bem. Com o passar do anos, um apito no ouvido começou a incomodar. Mas os médicos que consultou na época não deram muita atenção. Até que chegou a um ponto em que alguém ligou um aspirador de pó ao lado dela e ela não escutou nada. Foi só com aos 16 anos que finalmente foi diagnosticada com uma surdez progressiva de causa desconhecida.
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No começo, lidar com esse diagnóstico não foi fácil: “vivi no armário da surdez durante anos”, lembra em entrevista a CLAUDIA. “Eu tinha vergonha de me admitir como surda. Não falava para as pessoas. Fui me virando e sei que muitas vezes fui tida como grossa ou mal educada quando, na verdade, não estava ouvindo que falavam comigo”. Paula tentou seguir a vida sem dar atenção ao fato – passou em concurso público, começou um blog de moda que chegou a ter 400 mil visitas únicas por mês. Mas, com o tempo, bateu a vontade de falar sobre algo que se conectasse mais com sua experiência de vida. Em 2007, começou um blog chamado Crônicas da Surdez para compartilhar sua vivência. Em pouco tempo, o site virou referência e fonte de pessoas surdas, médicos e fonoaudiólogos de todo o Brasil.
Em 2013, o conteúdo do blog virou livro, justamente em outro momento decisivo para a vida de Paula. “Eu ajudava os outros com meu blog, mas estava num abismo pessoal”, lembra. Foi quando descobriu a possibilidade de ouvir novamente graças a um implante coclear – um dispositivo eletrônico que proporciona aos usuários sensação auditiva próxima ao fisiológico. Diferentemente do aparelho de surdez “comum”, o IC tem duas partes. A interna é implantada dentro do corpo, na coclea (ouvido interno) da paciente. Essa possui um receptor e estimulador que através de eletrodos implantados estimula o nervo auditivo que, sua vez, leva os sinais para o cérebro onde serão decodificados e interpretados como sons. A parte externa é constituída por um microfone, um microprocessador de fala e um transmissor. Graças a esse aparelho que parece coisa “do futuro” – Paula até brinca que é uma “cyborg”. Seis anos depois do implante do IC, ela avalia como o implante foi transformador na vida dela. “Se precisasse resumir o que o implante coclear fez por mim, é isso: o IC me devolveu a vida. Depois de 31 anos de surdez progressiva, de isolamento, de sofrimento, de vergonha, de perrengues, de sonhos enterrados, de escolhas equivocadas por causa do silêncio, voltar a ouvir foi um presente inesperado”, conta em uma dos textos do seu blog. Hoje ela fala feliz sobre a emoção que é ouvir o barulho do mar ou do filho, Lucas, de quase dois anos gritando “Mamãeeeeee” pela casa.
Surdos que ouvem
Paula também é administradora de um grupo fechado no Facebook que reúne cerca de 15 mil pessoas que trocam experiências e dicas de como lidar com surdez. O grupo, aliás, foi escolhido em 2018 entre milhares de projetos do mundo todo para receber um financiamento de R$ 3,7 milhões da rede social. Com esse dinheiro, Paula criou o projeto “Surdos que Ouvem”, para promover “a desmistificação da surdez e dar informação sobre reabilitação auditiva” e ajudar pessoas com problemas de audição a lidarem com sua condição. Isso abrange um número grande de pessoas. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 10 milhões de pessoas declaram não ouvir perfeitamente. “A surdez é invisível, os surdos não”, diz.
Apesar de pouco se falar de saúde auditiva no Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece um tratamento gratuito e de qualidade para deficientes auditivos. Espalhar essa informação também é uma das bandeiras de Paula. “Temos uma das melhores políticas do mundo em relação a isso”, garante. O SUS oferece, por exemplo, aparelhos auditivos gratuitamente e a grande possibilidade de reintegração de uma criança com deficiência auditiva caso use a tecnologia desde bebê. Entre as ações do projeto, está uma série de vídeos que mostram a realidade de alguns “surdos que ouvem” no Brasil, entre os personagens está a diretora Benedita Casé Zerbini, filha da atriz Regina Casé, que descobriu a deficiência auditiva logo na infância e usa o aparelho auditivo tradicional.
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