Coluna da Cynthia de Almeida: “Em um mundo perfeito, mulheres não seriam acusadas de usar suas belas pernas para escalar até o topo”
A colunista Cynthia de Almeida explica como o machismo interfere na carreira das mulheres
Uma amiga linda, talentosa e bem-sucedida fez um desabafo na internet: ao longo de sua carreira, viu muitas de suas contratações, promoções e conquistas serem atribuídas a supostos “casos” com chefes. As fofocas não barraram sua trajetória, mas envenenaram várias de suas manhãs de segunda-feira.
Outra amiga, linda e talentosa, em seu primeiro dia de estágio em uma grande agência de publicidade, ouviu a seguinte “piada” ao ser apresentada ao diretor de criação: “Vai ter que mostrar essas pernas se quiser subir aqui”. A garota vestia jeans e camiseta, não esboçou nenhum sorriso e achou que tivesse sido repentinamente transportada para um episódio da série Mad Men, nos anos 1960.
Entre a primeira amiga, X, e a segunda amiga, Y, há uma geração de diferença e um ponto em comum: ambas trabalham na indústria da comunicação. Em um ambiente que supostamente atrairia mentes mais arejadas e pessoas bem informadas, atitudes preconceituosas e falsamente “inocentes”, praticadas por homens e mulheres, resistem ao tempo e ao bom senso. Com o poder de disseminar e multiplicar informações, esses profissionais poderiam, isso, sim, tornar mais fácil a vida de mulheres como as minhas amigas. Em um mundo perfeito, mulheres não seriam avaliadas por suas belas pernas ou acusadas de usá-las para escalar até o topo.
Mas é em outro mundo, este aqui, real e imperfeito, que fazemos a nossa história profissional e é para ele que devemos estar preparadas. Autoestima e autoconfiança ajudam, mas está na hora de repensarmos se os manuais de conduta politicamente corretos, muitos deles bem intencionados e bem elaborados pelos departamentos de recursos humanos, são efetivos para virar a chave do nosso comportamento machista.
Uma terceira e querida amiga, a jornalista, blogueira e consultora sobre o comportamento feminino Brenda Fucuta, desenvolveu o Guia Rápido para Não Ser Imbecil com as Mulheres. Ela acredita que todos precisamos reaprender a olhar e nos relacionar com as mulheres e dá palestras sobre uma nova “etiqueta de gênero”. Seu manual relaciona diferentes tipos de abordagem machista, que vão desde “piadas” como a do diretor de criação, passando pelo que chama de “machistas em negação” (que sempre começam frases dizendo “não sou machista, mas…”), até o tipo mais comum no ambiente corporativo, os machistas inconscientes. “As frases que para mim são as campeãs do machismo são aquelas dos machistas que se acham feministas”, diz Brenda. Quem nunca ouviu:
1. “Acredito na meritocracia. Se a mulher é competente, ela chega lá.”
2. “Não tem machismo nesta empresa. Você, por exemplo, tem um salário maior do que o de vários colegas homens.”
3. “Sou muito a favor das mulheres. Em casa, minhas filhas e minha esposa mandam em mim.”
4. “Acho importante ter mulher na equipe. Elas arriscam menos e cuidam mais das pessoas.”
Parecem inocentes, mas embutem um viés pernicioso difícil de combater, porque camuflado. No fundo, é esse preconceito inconsciente que resiste ao tempo e faz com que mulheres como as minhas amigas X e Y continuem a pagar o mesmo mico por gerações.