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Projetando cidades: o que é necessário para promover o bem-estar

Arquitetos e urbanistas entregam pistas para espaços urbanos com maior qualidade de vida

Por Ana Luiza Cardoso
30 set 2022, 08h29
planejamento urbano
Um planejamento urbano focado no bem-estar de quem vive nas cidades é essencial.  (Eduardo Pignata/CLAUDIA)
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Imagine a cidade. O dia a dia de ruas e calçadas. Casas, comércio, prédios e praças. Engarrafamentos. Edifícios ganhando os céus, imóveis abandonados. Crianças indo para a escola. Famílias inteiras dividindo barracas na rua. Nessas vias, acompanhamos o passar do tempo, manifestações políticas, alagamentos, festas. É fácil concluir o quanto o que está ao nosso redor pode interferir na nossa felicidade ou insatisfação. Mas existe um modelo de infraestrutura da cidade para promover o bem-estar urbano?

Alguns — mas nenhum inclui sair derrubando tudo para começar do zero um planejamento. “A cidade ideal é onde a gente se sente pertencente”, reflete Joice Berth, arquiteta e urbanista autora do livro Empoderamento (Jandaíra). “É onde você percebe que tudo foi pensado no bem-estar de quem mora, circula e ocupa. Você anda com o mínimo de segurança, o direito à moradia é garantido e existem informações sobre a memória do lugar.” Um sonho.

Nessa mesma cidade, há rede de transporte confiável e confortável, além de aparatos culturais e de lazer. Espaços seguros para mulheres, ciclovias e calçadas onde possam transitar idosos, crianças, carrinhos de bebês e pessoas com deficiência. “Temos que ter cidades onde as pessoas sejam convidadas naturalmente a deixar o carro em casa e a andar”, diz Joice.

Não importa o quão distante essa possibilidade pareça para as cidades brasileiras, precisamos considerar ainda a urgência na preservação do meio ambiente e implementação de espaços verdes, sobretudo em áreas periféricas. “O racismo ambiental está conectado com o racismo urbano, porque quando você olha as taxas de arborização nas cidades, vê que bairros pobres não têm uma arborização expressiva, é onde menos se planta ou se repõe árvore”, aponta.

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“Temos que ter cidades onde as pessoas sejam convidadas naturalmente a deixar o carro em casa e a andar”. (Eduardo Pignata/CLAUDIA)
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A arquiteta e urbanista Raquel Rolnik concorda: “Repensar a relação com a natureza é muito importante não só pela saúde das pessoas, mas também pela própria possibilidade de sobrevivência futura”. A professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e autora do livro São Paulo: O Planejamento da Desigualdade (Fósforo) ainda aponta que, ao pavimentarmos e entubarmos os rios, “piores serão as enchentes e desmoronamentos”.

Segundo Rolnik, a maior parte das cidades brasileiras tem um sistema de transporte coletivo feito por ônibus de baixa qualidade e desempenho. Nas metrópoles, esse sistema é insuficiente, e tornam-se mais adequados os transportes sobre trilhos, como o metrô ou VLT (veículos leves sobre trilhos). “Já tivemos trilhos desmontados, completamente abandonados, em nome de uma opção rodoviarista, de transporte predominantemente sobre pneus, tanto para carga quanto para passageiros”, disse. “É o modelo hegemônico de mobilidade que temos até hoje porque dialoga com a implantação da indústria automobilística no Brasil e com a emergência de grandes empreiteiras de sistemas de circulação, de vias, viadutos e pontes.”

“Construímos a cidade pensando no carro individual particular, depois no alugado, no carro coletivo, nos veículos não motorizados e, por último, no pedestre. É preciso inverter essa ordem”, reflete o arquiteto e urbanista Ciro Pirondi, um dos fundadores da Escola da Cidade. Ele aponta como erro básico que se repetiu em cidades no país a dinâmica equivocada entre centro e periferia, que colaborou para o desmembramento no espaço urbano. “As periferias viraram quase que depósito de tudo aquilo que o centro não consegue absorver. Nós expulsamos as pessoas, criamos uma cidade segregada”, conta Ciro. “Na minha opinião, nós erramos muito mais do que acertamos na ocupação do território das cidades brasileiras.”

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Em São Paulo, o reflexo de descaso e crises econômicas e de moradia se espalha por diversas regiões. Está em suas vias, nas calçadas. Em um rápido passeio, encontramos um contingente impressionante de pessoas em situação de rua e barracas. Segundo dados da prefeitura da capital, o quadro piorou nos últimos dois anos. No final de 2021, havia 31.884 pessoas nas ruas. Em 2019, o número chegava a 24.344. Como forma de mitigar os problemas de habitação, Pirondi sugere o uso de espaços inabitados, edifícios vazios em regiões onde já existem infraestrutura, no caso, na área central. “Ou nós aprendemos a compartilhar ou a cidade estará numa rota de colisão.”

Ele reforça ainda três fatores fundamentais para mudar e melhorar a condição de seus moradores: vontade política; competência técnica, e participação da comunidade. “Não estou falando de uma atitude paternalista, mas envolvimento real: a população se sentir pertencente naquilo que está se propondo”, comenta.

Esses três fatores estiveram presentes em Medellín. O caso é um modelo atual de urbanização social. A cidade virou destino de arquitetos e urbanistas, além de lideranças políticas, após realizar mudanças, iniciadas vinte anos atrás, para resolver os altos índices de criminalidade, problemas de mobilidade e melhorar a condição de vida de comunidades locais.

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Em São Paulo, o reflexo de descaso e crises econômicas e de moradia se espalha por diversas regiões (Eduardo Pignata/CLAUDIA)

Para isso, entre outros projetos, após um levantamento sobre as áreas com maior densidade e violência, além de conversas com moradores, foi erguida uma rede de transporte por meio de teleféricos (foto abaixo), que alcançava regiões de difícil acesso. Foram armadas escadas rolantes e novas vias. Construíram também as bibliotecas-parque (na foto abaixo, no destaque rosa à esquerda), como são chamadas as pequenas edificações que funcionam como espaços culturais, educativos e de encontro. “O que nós deveríamos tentar superar ou contribuir para mudar seria a dimensão da infraestrutura”, pontua Ciro. “Se você imaginar que uma cidade como São Paulo ainda tem pessoas que não têm esgoto, o mínimo para uma sobrevivência e saúde, eu acho que deveríamos agir nesse sentido”, continua.

“As mesas de planejamento urbano precisam da presença de atores sociais que sofrem com os problemas da cidade. Para mim, não há dúvida que precisa ter pessoas negras, indígenas, LGBTQIA+ e mulheres participando ativamente na construção da cidade, da reformulação urbana, propondo e expondo as suas demandas e pleiteando soluções”, conclui Joice Berth.

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