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Preconceito linguístico: quando só uma maneira de falar português é certa

Mais de 10 milhões de brasileiros são analfabetos no Brasil, ainda assim são ridicularizados quando cometem erros gramaticais

Por Lorraine Moreira
30 nov 2023, 10h32

“Todas as noites, 260 milhões de pessoas sonham em português”. A frase de Língua: vidas em português aponta a vasta comunidade de lusófonos ao redor do mundo. O idioma, ora mais expansivo, ora mais anasalado, aparece nas ruas de Moçambique, ou Macau, nos lares de Goa, nas escolas de Cabo Verde, nas praias do Brasil e por aí vai.

Apesar das multiplicidade da linguagem, o desprezo às variedades linguísticas de menor prestígio social persiste, é o chamado preconceito linguístico.

,A língua e sua função

A principal função de uma língua é servir como meio de comunicação e de expressão entre os indivíduos de uma determinada comunidade. Além disso, ela desempenha um papel fundamental na transmissão e na preservação da cultura de um povo, uma vez que é por meio dela que são compartilhados conhecimentos, valores, tradições e memórias, explica a beletrista Flávia Rita Sarmento (@professoraflaviarita). 

“A língua também possui a função de promover a unidade entre os falantes, permitindo que eles se compreendam e se identifiquem como parte de um mesmo grupo.”

Através dela, é possível estabelecer laços sociais e fortalecer a coesão de uma comunidade, o que a torna um produto sociocultural. 

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Preconceito linguístico

“O preconceito linguístico é a exclusão e repulsa às variedades linguísticas, principalmente aquelas vindas de classes sociais de menor prestígio”, explica Júlia Rotatori (@rotaportugues), escritora e linguista.

Cometer desvios gramaticais, falar gírias ou usar regionalismos são considerados erros, sem levar em conta idade, classe ou grupo social do falante.

Marcos Bagno, professor, doutor em filosofia, linguista e escritor brasileiro, defende que a reprovação é dirigida a um grupo, geralmente pobre e sem acesso à educação formal, que não consegue seguir o padrão imposto pela elite econômica intelectual. 

“A noção de erro vai muito além da língua: é a pessoa, no lugar que ela ocupa na hierarquia social, que é acusada de falar ‘errado’. E a violência maior é exigir que ela fale ‘certo’ sem que o Estado lhe forneça as condições mínimas de acesso à educação, à leitura, à escrita, e à cidadania plenas”, pontua o pensador.

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Mais de 10 milhões de pessoas não são alfabetizadas no Brasil, ou seja, não sabem sequer escrever o próprio nome. Por outro lado, quem teve acesso a boas escolas e conseguiu uma longa trajetória acadêmica, tem mais conhecimento sobre a norma culta.

O acesso, porém, pertence majoritariamente aos mais ricos, segundo a OCDE. A organização ainda descobriu, por meio de um estudo, que o setor educacional brasileiro é desigual e privilegia os alunos mais ricos ao invés dos mais pobres.

Exemplo disso são os vestibulares e concursos públicos, que exigem a norma culta, embora nem todos os inscritos tenham recebido aulas sobre o que está sendo requisitado.

O preconceito linguístico, assim, isola parcela da população ao ditar o que é correto ou não. “Avaliar uma pessoa pela sua maneira de falar é como separar ou segregar ela da sociedade. O foco passa a ser nas diferenças, sem entender todo o contexto ao qual aquele indivíduo vive ou viveu”, diz Julia.

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“O fundamental na comunicação é a compreensão do que está sendo dito. Se uma pessoa fala ‘a gente vamos’, você entende? Se entende, a mensagem foi passada. No entanto, costumeiramente, as pessoas são ridicularizadas e excluídas pela forma que escrevem ou falam, e isso é preconceito linguístico”, reflete a comunicadora Lu Amâncio (@lu_amancio_).

Preconceito linguístico e xenofobia

O preconceito linguístico se manifesta para além da questão socioeconômica, alcançando as esferas regional e cultural, por exemplo. 

“Ele é responsável por criar estigmas e estereótipos negativos em relação a determinados dialetos, sotaques ou formas de falar. Isso pode levar à discriminação e exclusão social, prejudicando a autoestima e a confiança dos falantes dessas variantes linguísticas”, segundo Flávia.

As oportunidades de emprego e renda também são afetadas pelo preconceito, pois a desvalorização social sobre quem não segue a norma culta impede a chegada em melhores ocupações. “Isso cria um círculo vicioso, em que a falta de acesso à educação perpetua o preconceito linguístico e vice-versa.”

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Ou seja, sem acesso à educação de qualidade, a perpetuação do preconceito linguístico ganha terreno fértil. A justificativa é que as pessoas podem não aprender as normas linguísticas consideradas “corretas” pela sociedade dominante.

“Isso leva a uma desvalorização de suas formas de falar e contribui para a marginalização desses grupos”, esclarece Flávia.

Adolescentes na sala de aula
Educação é necessária no enfrentamento contra o preconceito linguístico (fauxels/Pexels)

O que fazer?

Para reverter o problema, é necessário um conjunto de ações, que vai além do acesso à educação formal.  

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“Investir em ensino de qualidade para todos, garantindo que os brasileiros recebam uma educação que valorize e respeite todas as variantes linguísticas, mas que se ocupe também de oportunizar a variedade padrão, pois é ela que é cobrada, por exemplo, em concursos, vestibulares, entrevistas de emprego, é necessário”, de acordo com Flávia.

A formação de professores capacitados a lidar com a diversidade linguística e campanhas de conscientização também são importantes na visão dela.

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