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Perdão, otimismo e tolerância reduzem o risco de infarto

Cultivar a espiritualidade e a paz interior pode ser uma estratégia eficaz contra doenças do coração

Por Cristina Nabuco
Atualizado em 9 nov 2018, 11h49 - Publicado em 1 nov 2018, 13h48

As principais causas de morte e incapacitação no Brasil e no mundo são o infarto do miocárdio e o acidente vascular cerebral (derrame). Apesar de várias campanhas preventivas terem sido promovidas, não está havendo redução dos óbitos por essas doenças nos países emergentes. Grandes estudos internacionais, dos quais o Brasil participou, enumeraram os fatores de risco para essas enfermidades – que podem ser modificados ou controlados.

O InterHeart, realizado em 52 países, detectou nove causas para infarto: colesterol elevado, fumo, pressão alta, diabete, obesidade, stress, sedentarismo, ingestão regular de álcool e dieta ruim, com baixo consumo de frutas e verduras. O InterStroke, conduzido em 32 nações, apontou todas essas condições para o derrame, acrescentando à lista as doenças cardíacas.

Embora ambos os estudos tenham reconhecido o peso de fatores emocionais e mentais, eles não foram tão avaliados quanto os demais perigos. Gerenciar melhor o stress, porém, evita um terço dos infartos, como já se sabe.­­­­­­­ Mas como fazer essa administração? Novas pesquisas procuram desvendar aspectos da subjetividade e se voltam para a área ignorada pela ciência durante séculos: o impacto da espiritualidade na saúde. Os achados têm sido tão contundentes que investir no bem-estar psicológico e na busca da paz interior desponta, nos Estados Unidos, como estratégia para reduzir em 20% a incidência de infartos e derrames até 2020.

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É bom esclarecer que espiritualidade não está sendo entendida como sinônimo de religião (sistema de crenças, dogmas e rituais) ou de religiosidade (condutas adotadas por um indivíduo que professa uma religião). “Espiritualidade é um guarda-chuva mais abrangente e inclusivo ligado à busca pessoal de um propósito para a vida e a transcendência”, explica o cardiologista Álvaro Avezum, diretor da Divisão de Pesquisa do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, em São Paulo. Engloba, portanto, ateus e agnósticos, além de crédulos e fiéis seguidores de uma religião.

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A espiritualidade está sendo definida como o conjunto de sentimentos, pensamentos e atitudes que norteiam nossas reações no enfrentamento de situações cotidianas e no relacionamento com os outros e conosco mesmos. Durante sua palestra no TEDx sobre o futuro da saúde, que aconteceu em São Paulo em maio, Álvaro afirmou que algumas virtudes podem prevenir o adoecimento e adiar a data da nossa morte, como o perdão, a gratidão e a tolerância.

Já sentimentos não edificantes, como a raiva e a mágoa, têm efeito oposto. “Há tempos se ouve dizer que as emoções influenciam a saúde, mas agora isso está sendo demonstrado pela ciência. Já é possível mensurar esse impacto por meio de questionários validados internacionalmente”, diz o cardiologista.

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Nova ferramenta da medicina

Foi Álvaro quem introduziu no Brasil a medicina baseada em evidências, seguida hoje pela maioria dos profissionais que se respaldam nas conclusões de estudos multicêntricos para prescrever tratamentos. Segundo ele, já há quase 10 mil citações sobre espiritualidade e adoecimento no PubMed, base de dados da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos.

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O tema tem sido discutido nos encontros médicos, como o o 39º Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), ocorrido no início de junho. A Sociedade Brasileira de Cardiologia mantém o Grupo de Estudos em Espiritualidade e Medicina Cardiovascular (Gemca), que atualmente reúne 850 médicos. “Por uma questão de saúde, estamos usando a ciência para avaliar assuntos do ser humano com os quais as religiões se ocupam há milhares de anos – perdoar, ser paciente, fazer o bem”, diz Álvaro, que preside o Gemca.

Os cientistas pretendem elucidar como esses sentimentos contribuem para prevenir doenças e favorecer a recuperação. E querem dar um passo além, propondo formas inovadoras de intervenção assentadas na espiritualidade. “O médico já pergunta ao paciente se ele faz exercícios físicos, se tira férias. Por que não pergunta também se reserva tempo para uma oração ou para meditar”, questiona o cardiologista Mário Borba, vice-presidente da entidade e presidente da regional gaúcha do grupo.

Um levantamento realizado na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre constatou que 90% dos pacientes desejam que os médicos abordem esses temas, mas apenas 15% deles fazem isso. “A espiritualidade já traz bons resultados sem que dominemos o seu uso. Imagine como será quando soubermos utilizá-la como ferramenta da medicina”, afirma Mário.

Descobertas consistentes

A literatura científica tem mostrado que pessoas com maior espiritualidade enfrentam circunstâncias desfavoráveis de forma positiva, não se desesperam nem sucumbem ao stress. Com isso, apresentam menos hipertensão arterial, ansiedade e sintomas depressivos. Um trabalho publicado em abril no periódico Circulation Research concluiu que otimistas têm menor risco para doença cardiovascular.

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Após revisar três grandes estudos, a equipe de Julia Boehm, da Universidade Chapmam, nos Estados Unidos, observou que quem mantém essa postura se engaja mais em comportamentos benéficos, como exercitar-se regularmente e evitar o cigarro.

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Os mais otimistas apresentaram os melhores parâmetros de saúde cardiovascular na pesquisa efetuada pela cientista Rosalba Hernandez, da universidade americana de Illinois com 5.134 adultos, entre 52 e 84 anos, que participaram do Estudo Multiétnico de Aterosclerose.

Atitudes mais saudáveis, que reduzem o risco de adoecer, foram observadas também em pessoas que experimentam a paz espiritual num estudo coordenado pela professora Crystal Park, da universidade americana de Connecticut, e publicado no Health Psychology, em 2016.

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Mulheres mais otimistas se mostraram mais longevas e menos propensas a morrer por doença cardíaca, câncer e infecção, segundo a investigação feita na Escola de Saúde Pública de Harvard, nos Estados Unidos, com informações coletadas no famoso estudo das enfermeiras – Nurse’s Health Study –, da mesma universidade. Ele teve início em 1976, quando 121,7 mil profissionais, entre 30 e 55 anos, completaram um questionário com informações detalhadas sobre saúde e hábitos de vida. A cada dois anos, elas respondiam a outra enquete para atualizar os dados. O novo trabalho foi publicado em janeiro de 2017 no American Journal of Epidemiology.

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O estudo das enfermeiras ainda forneceu conteúdo relevante sobre religiosidade. A mortalidade por doenças cardiovasculares e câncer foi 30% menor entre as que participavam de celebrações religiosas pelo menos uma vez por semana (trabalho publicado no Jama Internal Medicine, em junho de 2016). Além disso, a taxa de suicídios mostrou–se cinco vezes menor entre as que iam à igreja ao menos uma vez por semana.

Tomando como base o estudo das mulheres negras (Black Women Health Study), conduzido pela Universidade de Boston desde 1995, cientistas seguiram 36.613 participantes de 2005 a 2013 para avaliar, além da frequência a missas e cultos, o impacto do hábito de rezar e outras práticas espirituais na mortalidade. Os índices foram mais baixos no caso de mulheres que se identificavam como religiosas ou espiritualizadas.

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O perdão também repercute na saúde cardiovascular. Quem o pratica tem pressão arterial mais baixa, melhor controle do colesterol, níveis inferiores de ansiedade, depressão e stress e, portanto, menores probabilidades de sofrer infarto e derrame, mesmo que já apresente doença arterial coronariana. Um estudo que acompanhou mais de 1,2 mil americanos idosos, publicado em 2012 no Journal of Behavioral Medicine, mostrou que a predisposição ao perdão é um significativo preditor de longevidade. A incapacidade de perdoar foi considerada um risco à saúde.

A gratidão é outro sentimento em alta. Pessoas que a demonstram têm menos marcadores inflamatórios para doenças cardiovasculares, menos fadiga, melhor sono e mais humor, conforme a pesquisa coordenada pelo professor Paul J. Mills, da Universidade da Califórnia. Publicada em abril de 2015 pela Associação Americana de Psicologia, envolveu 186 homens e mulheres com diagnóstico de insuficiência cardíaca assintomática. Os autores pediram aos participantes que escrevessem diariamente três coisas pelas quais eram gratos. Os que mantiveram esses registros diários por três semanas apresentaram melhora. “Parece que um coração mais grato é de fato mais saudável e que o registro de gratidão é um jeito fácil de conservar a saúde cardíaca”, comentou Paul.

Sentimentos podem ser treinados

“O compromisso de agradecer pelas pequenas coisas de cada dia tira o foco do stress e traz outra postura de vida”, esclarece a psicóloga e psicodramista Cristina Jorge Dias, autora do livro Promovendo a Resiliência (Edições Loyola). Cultivar a espiritualidade (por exemplo, cuidar do outro, buscar conexão com a natureza ou ter experiências transcendentes) reduziu a incidência de ansiedade, raiva e sintomas depressivos em pessoas que já apresentavam doença coronariana, conforme estudo de Henndy Ginting, do Instituto de Ciência Comportamental da Universidade Radboud, na Holanda, publicado em 2015 no Journal of Cardiovascular Nursing.

De fato, os artigos científicos estão mostrando que é possível aprender a ser grato, desenvolver o otimismo e evitar ataques de fúria. De acordo com Álvaro, as pessoas podem ser treinadas para enfrentar as circunstâncias mobilizando sentimentos edificantes por meio de psicoterapia, em especial as técnicas comportamentais, leituras e reflexões profundas sobre a vida, práticas religiosas, ioga e meditação. Aliás, um estudo publicado pela Associação Americana do Coração no final de 2017 confirma o valor da meditação na prevenção de males cardíacos. “Mudar nem sempre é fácil, mas é possível”, atesta Álvaro. “Ainda mais se soubermos que, agindo assim, adoeceremos menos e viveremos muito mais e melhor.”

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