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O que se sabe até agora sobre a doença misteriosa da urina preta

Nesta última semana, 2 pessoas morreram e outras 56 foram contaminadas pela doença misteriosa da urina preta, nos estados da Bahia e Ceará.

Por Débora Stevaux Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
19 jan 2017, 18h25
Imagem de um exame de urina alterado apresentando uma coloração mais escura
 (Wikicommons/)
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Nesta última semana, a contaminação de 56 pessoas pela doença misteriosa da urina preta, nos estados da Bahia e Ceará, tem assustado a todos. Até agora, quatro laboratórios brasileiros e um norte-americano estão unindo esforços para desvendar o mistério através de análises de amostras de sangue dos pacientes.

A Secretaria Estadual de Saúde (SES) expediu, nesta última terça-feira (17), um alerta destinado à todas as unidades médicas. A rede de atendimento dos dois estados e daqueles que fazem divisa com ambos foi instruída notificar e investigar, no prazo de até um dia, quaisquer pacientes que procurem ajuda com um quadro clínico semelhante.

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Até o presente momento, duas mortes foram registradas em decorrência da contaminação pelo parechovírus, um vírus da família da hepatite A, detectado nas águas sujas de esgotos a céu aberto — algo bastante recorrente nas praias do litoral norte.

Os principais sintomas relatados foram dores musculares intensas que irradiam da região do pescoço para o corpo inteiro e urina escura. O infectologista e clínico da Universidade Federal de São Paulo, Dr. Paulo Olzon, conta com exclusividade a CLAUDIA o que já se sabe até o momento sobre a patologia.

CLAUDIA: Podemos chamar o que vem acontecendo no Brasil com relação à doença misteriosa de epidemia?

Dr. Paulo Olzon: Podemos caracterizar as ocorrências dessa doença infecciosa como um caso de endemia, isto é, sua incidência está restrita à população da região norte do país. É uma questão de nomenclatura.

Como você acredita que essas pessoas se contaminaram pelo parechovírus?

Assim como o vírus da hepatite, o parechovírus pertence ao grupo dos enterovírus, ou seja, um conjunto assim classificado por comprometer o intestino delgado humano. Todos eles são transmitidos pelas fezes, conforme foi comprovado pelos pesquisadores que anteriormente achavam que as pessoas se contagiaram pelo consumo de peixe.

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O que ocorre é que nas praias do litoral norte, onde as pessoas tomam banho de mar, não dispõem, em sua maioria, de um tratamento sanitário adequado. Então, o esgoto acaba sendo jogado na praia, o que aumenta exponencialmente os casos de doença causadas pela contaminação com fezes, como leptospirose. Em alguns lugares, as pessoas também têm a crença de que se as necessidades fisiológicas sejam enterradas em pequenos buracos, as chances de contaminação diminuem, o que não é verdade. Porque isso certamente terá o mar como seu destino final.

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O que causa a urina escura? Ela está ligada a insuficiência renal?

A inflamação muscular aguda está intimamente ligada à urina escura. Quando o músculo sofre a lesão, ele libera uma substância chamada de mioglobina, e essa proteína globular entra em contato com a circulação sanguínea, sendo conduzida até o rim — o que causa a insuficiência renal. Esse quadro, chamado de mioglubinúria pode ocorrer em outras doenças como a leptospirose e até a gripe, em pacientes mais suscetíveis a esse quadro muscular. Então, a coloração mais escura da urina se deve à presença de mioglobina.

Os sintomas ligados à patologia são mialgia aguda, isto é, fortes dores musculares, que se iniciam no pescoço e irradiam para o resto do corpo e urina escura. Quais são os procedimentos recomendados para aqueles que apresentarem alguns desses sintomas?

A primeira medida a ser tomada é procurar, com urgência, um serviço de atendimento médico. Um dos fatores que mais colaboram para a insuficiência renal é a desidratação, por isso esses pacientes precisam ser submetidos a uma hidratação intensa.

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Talvez o que mais intrigue os pesquisadores e médicos neste momento sejam as duas mortes relacionadas ao vírus, o que não era esperado anteriormente pela comunidade médica. Neste caso, para quais diretrizes as pesquisas estão sendo ministradas?

Acredito que as pesquisas estão sendo feitas através das técnicas de isolamento do vírus das amostras de sangue colhidas dos pacientes. Quanto às mortes, você precisa fazer uma análise mais profunda, ou seja, conferir a idade das duas, se elas já eram portadores de outras doenças. Porque o que geralmente acontece é que esses indivíduos podem ter uma outra patologia crônica, e a situação que a doença misteriosa da urina preta pode não ter sido a causa principal delas terem ido a óbito. Ainda não se sabe ao certo, isso é algo que só as pesquisas poderão demonstrar.

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Durante esta época de recesso, milhares de pessoas se deslocam para as praias. Quais medidas preventivas poderão ser tomadas para não entrar em contato com a contaminação?

Nós não podemos generalizar, precisamos ver as condições específicas, mas neste caso, se a doença está mesmo ligada à contaminação por fezes de esgoto a céu aberto, caso sim, é de fundamental importância que as pessoas não tomem banho de mar. No litoral do estado de São Paulo, por exemplo, praticamente toda a água recebe tratamento e a descarga de esgoto é feita longe da praia. E é claro, a médio e longo prazo, implementar tratamento sanitário adequado nesta região do litoral norte.

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Por que mesmo após a descoberta do vírus causador da doença, ela ainda é taxada de misteriosa? Já aconteceram casos semelhantes no Brasil ou em outro lugares do mundo?

Primeiramente, porque não é algo frequente, mesmo a mioglubinúria, que também acontece em pacientes com leptospirose, essa última, têm outros quadros clínicos que não são presentes na patologia da urina preta, por isso é algo incomum que chama a atenção. Na minha experiência de infectologista de mais de quarenta anos, nunca vi casos como estes. Há 25 anos, trabalho com casos de mioglubinúria, nunca me deparei com algo assim. É algo muito relativo, porque na década de 80, por exemplo, não se conhecia a AIDS. As pessoas acreditam que o conceito de globalização é apenas um conceito que pode ser aplicado na área das ciências humanas, mas hoje você pode levar um agente infeccioso em menos de 24h para outra extremidade do mundo. A febre amarela, por exemplo, que era considerada extinta, matou 8 pessoas em Minas Gerais nos últimos dias. A gripe aviária, muito temida, também pode voltar e contaminar o planeta inteiro em menos de uma semana. Por isso é fundamental que exista uma vigilância contínua de tudo isso.

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