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Como a telemedicina pode revolucionar os cuidados com a saúde da mulher

A telemedicina, que ganhou popularidade e lastro durante a pandemia, traz vantagens e desafios para acompanhar a saúde feminina

Por Caroline Guarnieri, Maurício Brum e Sílvia Lisboa
22 ago 2021, 15h00
recortes de feltro imitam um tablet com foto do médico e botão de chamada de vídeo
 (Carol Yepes/Getty Images)
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E

m abril, a gaúcha Cristine Teixeira Nogueira, 31 anos, sentiu dores fortes que pareciam uma cistite, infecção no trato urinário. Ligou para sua ginecologista de confiança, mas ela estava sem agenda. Em meio à pandemia, recorrer a uma emergência não era a solução mais sensata.

Decidiu, pela primeira vez, tentar uma consulta à distância, coberta pelo seu plano de saúde. Duas horas depois, estava conversando de Porto Alegre com um médico em São Paulo, localizado através de uma plataforma que ajuda a achar especialistas pela internet e oferece suporte para chamadas em vídeo.

Foi uma conversa técnica, menos íntima do que o habitual, porém, mesmo a quilômetros de distância, Cristine conseguiu a receita digital para a medicação que precisava. “Estava no meu lar, o que me deu mais segurança de falar do que teria pessoalmente. Senti que ficou mais fácil”, reconhece a coordenadora de produtos financeiros, que até então só havia feito acompanhamento ginecológico com mulheres. Como os sintomas não persistiram, ela não precisou procurar auxílio presencial.

celular de feltro com enfermeira desenhada
(Carol Yepes/Getty Images)

Se antes era necessário esperar dias ou até semanas para agendar uma consulta, tudo se resolveu em horas – ela também comprou os remédios na farmácia online. A disponibilidade imediata e não precisar sair de casa durante a pandemia de Covid-19 foram dois dos atrativos. “Em situações assim, de certa urgência, mas que não justificam ir a uma emergência, pretendo continuar utilizando esse tipo de serviço”, afirma Cristine.

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A gaúcha não foi a única a se beneficiar da tecnologia das consultas online. Um levantamento conduzido pela Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) concluiu que, nos doze meses a partir de abril de 2020, mais de 2,8 milhões de atendimentos desse tipo foram realizados em diversas especialidades – e nove em cada dez casos foram resolvidos por telemedicina, sem precisar investigar mais o problema presencialmente.

Embora a modalidade de teleconsulta já fosse permitida e utilizada esporadicamente em algumas situações desde a virada do século no Brasil, o grande divisor de águas veio com a Covid-19: em março do ano passado, o Conselho Federal de Medicina (CFM) enviou um ofício ao Ministério da Saúde ampliando a possibilidade dos usos da tecnologia para atendimento, orientação e monitoramento de pacientes, enquanto durasse a pandemia. Agora, os médicos esperam que esse cenário se mantenha definitivamente.

Da necessidade, veio a adaptação

Especialidades médicas que antes encaravam a telemedicina com um certo tabu, como as relacionadas à saúde da mulher, precisaram se reinventar rapidamente para reduzir os danos e a possibilidade de desassistência. Já em abril de 2020, no mês seguinte à resolução do CFM, uma pesquisa da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), com 340 ginecologistas, mostrou que 90% deles já haviam utilizado a telemedicina.

Muitas vezes, porém, fizeram isso no improviso: 85% dos participantes admitiram que não conheciam as plataformas específicas que existiam para esse tipo de consulta. Na maior parte dos casos, a relação acabava ocorrendo via telefone ou aplicativos de mensagens mesmo. “Precisamos aprender mais sobre as ferramentas de telemedicina de forma geral, mas é um avanço e uma estratégia importante em um momento de dificuldade de acesso e sobrecarga dos sistemas de saúde”, entende Agnaldo Lopes, presidente da Febrasgo.

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Além de facilitar a realização de consultas para problemas menos urgentes, a telemedicina também é exaltada por democratizar o acesso ao atendimento, permitindo que pacientes distantes dos grandes centros consigam se consultar mais rapidamente com especialistas de áreas que não encontram em sua cidade.

No Brasil, segundo o Demografia Médica 2020, anuário elaborado pelo CFM e pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), cerca de 60% dos médicos se concentram em apenas 39 municípios – em um país que conta com 5 570 cidades. Nas capitais, há 5,65 médicos a cada mil habitantes, enquanto no interior essa proporção despenca para 1,49. A consulta remota, com prontuários e receitas eletrônicas que também se espalharam pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ao longo do ano passado, ajudou a evitar deslocamentos e exposição ao coronavírus nas salas de espera.

ovário com recortes
(Carol Yepes/Getty Images)

Hoje, quem tem mais facilidade na adaptação ainda são as especialidades que podem fazer diagnósticos com precisão a partir de fotografias, como a dermatologia. “A telemedicina não substitui todo o atendimento presencial, mas acaba com barreiras geográficas em um país com difícil acesso à saúde”, pontua Agnaldo. “Na pandemia, foi possível diferenciar o que é essencial e não essencial, o que exige urgência e consulta presencial e o que pode ser feito através desta ferramenta”, diz o médico.

Consultas para esclarecimento de dúvidas sobre métodos contraceptivos, aconselhamentos para a continuidade do uso da pílula e o planejamento familiar, além de avaliações ginecológicas de rotina, tornaram-se uma constante no atendimento remoto, especialmente porque as mulheres, que já se cuidavam mais do que os homens antes da pandemia, mantiveram essa dianteira. Um levantamento da Allianz Seguros, uma das prestadoras de serviços de saúde particulares que precisaram se adaptar nesse último ano, observou que 68% dos seus atendimentos por telemedicina foram feitos com mulheres – mais de metade delas, com 38 anos ou menos.

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Mas nem tudo pode ser feito sem recorrer ao presencial. “O diagnóstico de câncer de mama e a cobertura vacinal para o HPV (papilomavírus humano, uma infecção sexualmente transmissível) foram postergados pela pandemia”, alerta a ginecologista, obstetra e mastologista Fernanda Torras, de São Paulo. Além disso, acompanhamentos como o pré-natal, exames de ecografia e mamografia ou mesmo coletas simples mas indispensáveis, feitas no consultório, como o papanicolau, não têm alternativa ao atendimento presencial.

O caminho, segundo a especialista, é um meio-termo. “É possível usar a telemedicina como aliada na prevenção desde que a paciente compareça aos laboratórios especializados para os exames de rotina”, conta a médica. “A telemedicina pode ser o pontapé inicial para definir se uma situação precisa ou não ser resolvida em uma consulta ao vivo”, concorda Agnaldo.

Barreiras existentes

Um ponto que pode prejudicar as pacientes em busca de orientação é o temor de expor a intimidade fora das quatro paredes de um consultório – e, por vezes, para um médico que não conhecia antes, como costuma acontecer em atendimentos de urgência.

As limitações da consulta remota ficaram mais evidentes para a gaúcha Dora Leonetti, de 24 anos. A estudante de relações públicas já havia tido experiências de telemedicina com um clínico geral e um pneumologista, mas, ao marcar uma consulta de rotina com a ginecologista que a acompanha há uma década, sentiu falta da privacidade do consultório.

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Sem poder fazer exame físico, a consulta foi muito baseada na conversa – e a médica fez mais perguntas que o habitual. Não seria um problema não fosse o local em que Dora estava: em casa. Ela ficou receosa de que outras pessoas ouvissem o que relatava à especialista. “Deixei de mencionar algumas coisas”, admite.

“A telemedicina não substitui todo o atendimento presencial, mas acaba com barreiras geográficas em um país com difícil acesso à saúde”

Agnaldo Lopes, médico e presidente da Febrasgo

Conforme as restrições da pandemia forem sendo relaxadas, Dora decidiu que vai voltar a fazer tudo de forma presencial. “A telemedicina é uma boa alternativa, mas não para sempre”, acredita. Ou, pelo menos, não para todo mundo. “É uma barreira, mas, no fundo, é parecido com o que acontece no ensino à distância. Não é melhor nem pior, é diferente. É preciso criar um pilar de relação médico-paciente para esse novo modelo”, defende Agnaldo.

“A telemedicina tem um papel fundamental no esclarecimento de informações, na prevenção de gravidez indesejada, no aconselhamento, em sanar patologias agudas”, conta Fernanda. Diagnósticos como o de candidíase, por exemplo, são fáceis de fazer conhecendo o histórico da paciente e os sintomas, e uma checagem presencial nem é necessária se o problema se resolver após a medicação – como ocorreu com a cistite de Cristine.

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Os médicos não têm dúvidas de que a tecnologia é um caminho sem volta e deve ser aprimorada nos próximos anos. Provavelmente, ela se expadirá inclusive para áreas e exames que hoje não são viáveis à distância, como no caso do diagnóstico do HPV, que exigiria avanço na autocoleta de amostras. Mudanças tecnológicas que vão parecer ter saído da ficção, como o uso de hologramas (projeções de imagens em três dimensões) ainda vão possibilitar visualizar aquilo que hoje só pode ser transmitido em imagens bidimensionais.

Sempre haverá quem prefira a consulta presencial ou simplesmente não tenha como resolver seus problemas de outra forma. “A telemedicina vai ser ampliada, mas a medicina tradicional ainda tem um papel fundamental e insubstituível”, conclui Fernanda. Uma complementa a outra.

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