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Carreira: a menopausa exclui milhares de mulheres do mercado de trabalho

Tabu, a menopausa é mais uma encruzilhada para mulheres no trabalho. Elas enfrentam a fase sozinhas e correm mais risco de serem demitidas

Por Isabella D'Ercole Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 2 abr 2023, 11h03 - Publicado em 16 jul 2021, 17h00
cadeira de escritório pegando fogo
 (Henrik Sorensen/Getty Images)
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os 48 anos, a servidora pública Neiva Motta, de Porto Alegre, começou a sentir calores repentinos e intensos. Também notou que estava muito mais irritada e que sofria com mudanças de humor durante o dia. À noite, acordava suando. Ela rapidamente entendeu o que aqueles sinais indicavam: a menopausa estava chegando.

Conforme os meses passavam, seu fluxo ia cessando – embora tenha ficado mais forte, durava menos dias – e os sintomas aumentavam. Claro que isso interferia em sua rotina, especialmente no trabalho. Neiva se sentia muito pressionada, estressada, acabava descontando nas colegas. Muitas vezes, tentou dividir o que estava sentindo, desabafar, dizer que não se reconhecia.

Aos superiores, contudo, preferiu não falar que passava pela menopausa. “Um deles era mulher, inclusive, mas não me sentia acolhida e apoiada. Acabei tendo uma explosão de raiva e pedi para mudar de setor. Depois disso, percebi que precisava de ajuda e fui procurar um médico, que me indicou um remédio para os calores. Também entrei num processo de autoconhecimento para entender o que estava passando e controlar minhas emoções. Foi a pior fase da minha vida”, lembra Neiva, hoje com 53 anos.

“A gente aprende que menopausa é sinônimo de velhice, é o fim, então parece que precisamos esconder, porque é algo negativo”

Ângela Caron, professora universitária

Assim como a servidora pública, muitas outras mulheres enfrentam esse período de transição de forma solitária. “Não vejo mulheres falando sobre isso nem as empresas, não é um assunto naturalizado, mas um tabu”, acrescenta a professora universitária Ângela de Fátima Caron, 53 anos, de Curitiba. Ela também não conversou com ninguém da área administrativa no trabalho quando entrou na menopausa, mas se perguntava se os colegas percebiam quando vinham os calores. “A gente aprende que a menopausa é sinônimo de velhice, é o fim, então parece que precisamos esconder, porque é algo negativo.”

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Relatos como o de Neiva e Ângela são os mais comuns entre mulheres de 45 a 55 anos que entram nessa fase hormonal e uma pesquisa recente comprova que a falta de abertura para falar sobre o tema é definitiva para a carreira feminina. Conduzido pela companhia de assistência médica britânica Bupa em 2019 e publicado em maio deste ano, o estudo estima que cerca de 900 mil mulheres no Reino Unido tenham deixado seus empregos por causa dos sintomas da menopausa.

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Isso significa que, no auge da produtividade, elas saem do mercado, impactando as suas trajetórias e também a força de trabalho do país. Estima-se que a conta por essa perda globalmente gire em torno dos 150 bilhões de dólares. Alguns governos já se atentaram para esse escoamento e começaram a criar grupos de discussão e metas para mudar a situação.

“Também tenho visto amigas chegando aos 50 e sendo demitidas, isso é etarismo. Precisamos desmistificar a ideia de que a pessoa ‘não serve mais’ depois de certa idade. Ainda fazemos muitas associações mentais negativas com os mais velhos, como se fosse uma decadência”, explica Cris Kerr, CEO da CKZ Diversidade, consultoria especializada em inclusão e diversidade, que também começa a sentir os sintomas da menopausa. Segundo ela, é frequente que as mulheres com mais de 50 anos sejam substituídas por pessoas mais novas e que ganham salários menores.

relógio no centro de um prato quebrado
(Henrik Sorensen/Getty Images)
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Essa seria a segunda grande barreira para a mulher no mercado de trabalho, que já enfrenta enorme desafio se decide ser mãe, alguns anos antes. Nenhuma das duas situações, como se sabe, é compartilhada pelos homens. “As mulheres dessa idade são vistas como ultrapassadas, já os homens são descritos como maduros, experientes, competentes e prontos para assumirem cargos na alta liderança. Basta ver a fotografia dos principais líderes, empresários e políticos do Brasil e no mundo. Elas comprovam que o grupo dominante é formado por homens acima de 45 anos de idade”, afirma Georgia Bartolo, sócia-fundadora da Warana Treinamentos e especialista em equidade de gênero e desenvolvimento de lideranças femininas.

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Para Ângela, a educação dada às mulheres desde criança faz até elas mesmas caírem nessa falácia. “Precisei trabalhar dentro de mim a compreensão do que vivia naquele momento e aí vi que não era o fim da minha vida, mas algo libertador, afinal, eu optei por não ter filhos e, a partir dali, não existia mais esse risco. Também não teria mais que lidar mensalmente com a menstruação e seus efeitos hormonais. Muitas mulheres, porém, não conseguem fazer essa troca de pensamento. Acham que vão ficar com a pele flácida, ganhar peso. Como o envelhecimento não é bem visto na sociedade brasileira, isso se torna outro encargo”, fala ela, que lamenta não ver diretoras de 70 anos em grandes empresas. “A mulher demitida aos 40 e poucos, 50 anos, dificilmente consegue arrumar outro emprego e continuar contribuindo para poder se aposentar com todos os benefícios”, acrescenta.

A interrupção do plano de carreira afeta principalmente as finanças femininas. Mulheres demitidas e com dificuldade de recolocação podem ter os anos de aposentadoria profundamente afetados em termos de qualidade de vida, sem plano de saúde ou renda para manter o padrão anterior.

Uma pesquisa feita pela Onze, fintech de saúde financeira e previdência privada, com pessoas no mercado de trabalho formal, mostrou que as mulheres estão mais preocupadas com dinheiro do que os homens. Além disso, 65% das entrevistadas responderam que discordam que terão uma aposentadoria confortável e 48% delas, entre 49 e 56 anos, contam principalmente com o valor do INSS para o futuro, ou seja, não guardam dinheiro ou investem em opções privadas. Durante a pandemia, o cenário foi agravado pelo aumento de desempregados e a crise no mercado.

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computador pegando fogo
(Artur Debat/Getty Images)

Transformação necessária

As empresas podem contribuir para que as mulheres se sintam mais seguras nessa fase – e passem pelos sintomas sem outras preocupações, como o medo de perder o emprego ao mostrar que tiveram uma noite de sono ruim ou ter sua produtividade questionada ao se mostrarem mais cansadas. “Vale sempre lembrar que a menopausa é passageira, já o conhecimento, a competência e a contribuição dessa geração de mulheres será permanente e duradoura”, diz Georgia.

Para ela, não faltam motivos para o setor de recursos humanos estruturar programas focados nesse grupo. “Em 2030, 25% das mulheres do mundo estarão na menopausa. Elas têm expectativa de vida maior do que os homens, mais estudo e podem contribuir com o objetivo de uma liderança mais diversa. Já sabemos que times com diferentes personalidades e gerações levam a melhores resultados”, defende.

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O próximo passo é trabalhar na educação e conscientização. É preciso oferecer não só para as mulheres, mas também para os homens, mais informações sobre o que acontece com o corpo. “Criar um espaço de fala seguro e aberto e, assim, naturalizar o tema é fundamental”, sugere Cris.

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Isso evitaria, por exemplo, o constrangimento de passar pelos calores diante dos colegas e aumentaria a compreensão diante de episódios de falha de memória ou de mudança de humor. Segundo Ângela, programas de contratação de mulheres mais velhas e programas de carreira que vislumbrem passos para além dos 50 anos de idade também teriam enorme impacto na vida das mulheres. “O olhar para o mundo muda e não podemos mais carregar essa visão atrasada que deixa desassistida metade da população do planeta”, conclui Cris.

 

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