“Vou fazer do meu luto uma luta”, diz Bruna Silva, mãe de Marcus Vinicius
Em entrevista à CLAUDIA, mãe de adolescente morto no Complexo da Maré busca justiça
O Brasil tomou conhecimento da existência de Bruna da Silva, 36 anos, quando ela ergueu com bravura a bandeira manchada pelo sangue de seu filho Marcus Vinicius da Silva, durante o seu velório. A bandeira, no caso, é a camiseta de uniforme do garoto, que tinha apenas 14 anos.
O adolescente foi alvejado enquanto ia para a escola na quarta-feira (20). O ataque ocorreu durante uma operação da Polícia Civil no Complexo da Maré, Zona Norte do Rio de Janeiro, onde morava. A bala atravessou a lombar do menino, que faleceu horas depois.
A mãe ainda conseguiu encontrar seu filho com vida em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Na conversa rápida — a derradeira —, antes de ficar inconsciente, Marcus Vinicius contou que “um blindado” havia atirado. Logo após, o filho fez uma pergunta: “Ele não viu que eu estava com a roupa da escola, mãe?”. Bruna adotou a frase do filho como sua. Virou seu grito de indagação às autoridades.
Após dois dias de tentativas, de pedidos de entrevista a Bruna, hoje ela se dispôs a nos conceder um tempo de sua rotina, agora conturbada. Diarista e esposa do assistente de pedreiro Gérson, 37, ela estava triste e queria “apenas o silêncio”, como explicou humildemente. Quando conversamos, reconheci nela a mãe que sofre a perda de um filho, mas também uma mulher guerreira e com sede de justiça.
A seguir, o desabafo de Bruna da Silva para o site de CLAUDIA.
CLAUDIA: Como era a vida de Marcus Vinicius antes do ocorrido?
Bruna: Ele era um menino alegre, e um bom aluno. Antigamente, vendia biscoito, pipoca, suco… só que ficamos com medo dele se acostumar nessa vida e largar os estudos. Eu e o pai falamos para ele parar, para não caírem as notas na escola. Meu filho entendeu e até disse que era muito perigoso, pois trabalhava em uma via expressa. Tínhamos medo dele ser atropelado. Era proibido circular pedestres por ali. O Marcus sempre foi muito dedicado.
CLAUDIA: Como você soube que Marcus havia sido atingido?
Bruna: Maldito foi aquele dia 20. Eu estava me arrumando para ir trabalhar, e ouvi os tiros… eram muitos. Eu e outras mães ficamos desesperadas, porque nossos filhos estavam indo para a escola. Naquele dia, o helicóptero estava fazendo voos rasantes… O meu filho tentou voltar pra casa… mas não conseguiu. Ele virou na rua que moramos, encontrou o blindado da polícia, que mirou e o alvejou. É um país falido. E vai ser um Brasil de idosos, porque o Estado está matando nossas crianças. A gente cria eles para estudar, não para morrer com uma bala na barriga. Até aquele dia, meu filho nunca tinha sofrido nenhum tipo de violência. E eu o criei durante 14 anos dentro da comunidade. Aí o Estado entra, e ele morre.
CLAUDIA: Você afirma com certeza que foi o Estado do Rio de Janeiro. Além da frase do Marcus, antes de falecer, você tem outras informações que a levam a crer nisso?
Bruna: Eu costumo dizer que aqui na favela o perito é quem mora dentro dela. Saí na rua à noite para buscar provas. O que eu consegui de fotos e vídeos do blindado… foi muita coisa, muita informação. As imagens falam por si e já estão nas mãos do meu advogado, que as encaminhou à polícia. Eu quero que identifiquem o carro policial que atirou no Marcus. Eu ouvi da boca dele que foi a polícia, e o material também comprova. Sempre tem um morador que filma, porque quando o “caveirão” entra no morro, sabemos que um de nós morrerá.
CLAUDIA: O Marcus, como você disse, era um menino dedicado. Ele ajudava em casa?
Bruna: Ele ajudava, mas pedimos para ele parar para estudar. Antigamente, eu trabalhava no lixão do Caju, recolhendo recicláveis, para não deixar faltar nada em casa. Comecei a ganhar dinheiro como diarista, e dedicava todo o ganho para o meu filho e para a irmã dele [Maria Vitória da Silva, 12 anos]. O pai também sempre deu duro.
CLAUDIA: Você está buscando justiça. O que fará para que o caso seja apurado com rigor e não caia no esquecimento?
Bruna: Eu vou lutar. Foi o que eu falei desde o começo: farei do meu luto, uma luta. Meu filho deveria estar aqui comigo, e a ausência dele está me matando. O silêncio tem me matado. Ele não estava no lugar errado e na hora errada, Marcus estava no lugar certo, na comunidade dele, e na hora certa, indo para a escola. Eu vou querer investigação e punição. Já estou em contato com o advogado, o dr. João Tancredo, que tem dado todo apoio. Também conto com a equipe que está cobrando o esclarecimento da morte da Marielle Franco (vereadora executada em 15 de março), e vamos seguir juntos. Ela também foi alvejada covardemente. Eu e a Monica (Benício, mulher de Marielle) partilhamos da mesma dor. O lugar onde meu filho brincava está cheio de lixo, e a prefeitura prometeu que faria a limpeza, para fazer uma praça. Já que meu filho foi morto pelo Estado, vou lutar para que saia o projeto dessa praça e colocar nela o nome de Marcus. Hoje fazem 11 dias da morte. Até agora não consigo acreditar que isso aconteceu comigo.
CLAUDIA: Circulam muitas notícias falsas vinculando Marcus Vinicius ao tráfico. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou que o Facebook retirasse essas mentiras sobre seu filho. O que você pensa sobre isso? Tem ideia de onde podem ter surgido essas versões?
Bruna: São fake news, e eu não sei de quem partiu. São pessoas que eu não conheço. Não se pode destilar o mal sobre o filho dos outros. Meu filho nunca se envolveu com o tráfico. São informações mentirosas. Essa foi a primeira vitória perante a Lei. Agora eu quero achar os responsáveis pela morte dele.
CLAUDIA: Psicologicamente, como você está lidando com tudo isso?
Bruna: Eu não como e não durmo. Ainda não tive tempo pra procurar um tratamento psicológico, que com certeza eu vou precisar. Quando o Estado assassinou meu filho, apagou o brilho do meu olhar. Quando apagaram a luz do meu filho, desligaram a minha também. A ordem lógica da vida é o filho enterrar os pais, e não os pais enterrarem o filho. Calaram o Marcus, mas a mãe dele ficou. Vou gritar aos quatro cantos o quanto ele era amado, estudioso e, principalmente, o quanto ele era inocente. O Estado o matou, a polícia do Rio de Janeiro o assassinou. Esse regime truculento que mata inocentes tem que acabar.
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