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A vida de três refugiadas anos após chegarem ao Brasil

Em 2015, CLAUDIA contou a história de mulheres que fugiram da violência em seus países. Agora, elas revelam o que conquistaram e o que ainda falta alcançar

Por Gabriela Cunha Ferraz
Atualizado em 24 abr 2017, 09h01 - Publicado em 24 abr 2017, 09h01
 (Victor Moriyama/CLAUDIA)
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As histórias de dor, ousadia e resiliência de quatro refugiadas vindas da Nigéria, da República Democrática do Congo, do Senegal e da Síria emocionaram as nossas leitoras no final de 2015 – e a plateia do Prêmio CLAUDIA daquele ano. A homenageada da noite, a nigeriana Jonathan, representava os 340 mil deslocados que amargavam o mesmo drama na maior crise migratória desde a Segunda Guerra.

As quatro mulheres estavam se adaptando, em São Paulo, aos novos costumes, à língua, ao clima, às comidas e à saudade. Viviam a expectativa de regularizar sua permanência no país e trazer suas famílias, que haviam sido obrigadas a deixar para trás. Os relatos eram pontuados pela alegria da fuga bem-sucedida e pela tristeza da separação dos filhos, traumatizados em meio ao terrorismo, aos conflitos armados e à perseguição política ou religiosa.

Passados 18 meses, elas voltam a narrar suas lutas, semelhantes às de outros 9 mil refugiados no Brasil. Outros 30 mil estrangeiros solicitaram a proteção do refúgio e aguardam resposta do governo brasileiro. A nação que recebe essas pessoas não faz um favor, mas cumpre a garantia de direitos incorporados às leis nacionais e previstos em tratados, como a Convenção da ONU para Refugiados, de 1952, da qual o Brasil é signatário.

As personagens revelam avanços e transformações, mas relatam que ainda têm muito a conquistar. Imagens delas, clicadas pelo fotógrafo Victor Moriyama, integram a exposição Vidas Refugiadas, que já percorreu cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, João Pessoa, Porto Alegre e Salvador. De volta à capital paulista, ela pode ser vista até 28 de maio no Museu da Imigração.

Leia também: Entenda o caso dos refugiados: Por que eles deixam seus países e o que você tem a ver com isso

Jonathan

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Reconhecida como refugiada, a nigeriana Jonathan agora pode tentar trazer os filhos para o Brasil (Victor Moriyama/CLAUDIA)
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Entre as professoras nigerianas que enfrentaram o grupo terrorista Boko Haram estava Jonathan, 46 anos. Na tentativa de impor a lei islâmica, os radicais continuam atacando civis, queimando escolas e vetando a educação de meninas. Haviam invadido a cidade de Jonathan, dirigida por cristãos, e passaram a persegui-la por dar aulas em uma escola mista.

Em 2014, ela deixou os quatro filhos e caminhou por cinco dias até o vizinho Benin, onde pediu ajuda na embaixada brasileira. “Ainda tenho os pés marcados”, recorda. Desde a chegada ao Brasil, ela tenta reunir a família. Os três meninos vivem com o pai em Lagos; a filha, de 15 anos, mora com a tia em um vilarejo. “Tenho medo de que algo ruim aconteça com ela”, diz. Em setembro passado, o primogênito, Victor, 20 anos, voltava da escola quando terroristas o seguiram. “Do carro, atiraram uma bomba, que deixou as pernas dele em carne viva. Após cinco meses imobilizado, Victor está recomeçando a andar.”

Em meio a tanta aflição, uma boa notícia: em dezembro de 2016, a nigeriana conseguiu ser reconhecida como refugiada. “Sem documentos, sofri limitações”, diz. “Precisei dormir na rua porque as imobiliárias não alugavam uma casa para mim.” Jonathan sublocou um pequeno apartamento em Itaquera, na Zona Leste paulistana, e abriu um ponto de venda de condimentos africanos em uma galeria no centro.

Ela deu entrada em um pedido de reunião familiar no Ministério da Justiça. Deseja obter os vistos e comprar as passagens. “Vou trazê-los para perto de mim. Eles estão padecendo; e eu não consigo dormir.” Todas as noites, a professora envia a eles áudios pelo celular. “Canto, me transporto para lá e todos se acalmam.”

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“Sem documentos, sofri limitações. Precisei dormir na rua porque as imobiliárias não alugavam uma casa para mim”

Jonathan

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Silvie

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(Victor Moriyama/CLAUDIA)

Com a roupa do corpo, carregando os dois filhos menores – a mais velha deixara com a mãe –, a advogada congolesa Silvie, 35 anos, foi até o porto próximo da capital, Kinshasa, e pediu que a deixassem embarcar às escondidas. Abrigou-se no porão escuro de um navio e passou, com as crianças, a biscoito e água até aportar em Santos (SP), em 2013. O marido havia acabado de ser preso em uma manifestação popular que questionava a legitimidade do presidente da República Democrática do Congo, Joseph Kabila, no poder há 15 anos, reprimindo os opositores.

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Sem saber a quem pedir socorro, Silvie dormiu muitas noites na rua até achar um abrigo católico. Após um ano sem contato com o marido, ouviu chamarem o nome dele na sede da ONG que a assistia, em São Paulo. Ele estava ali buscando ajuda. A alegria não coube na sala.

O casal teve mais uma filha. As crianças estão na escola pública e enfrentam dificuldade de integração. “Às vezes, não querem ir à aula por se sentirem diferentes dos colegas”, diz Silvie. Morando na Zona Leste, a advogada conta só com o salário do marido – ex-diretor financeiro de uma empresa no Congo, aqui ele é soldador. Ela não teve o diploma reconhecido, trabalhou como assistente em uma escola, que fechou, e, atualmente, está procurando emprego. Silvie trouxe a mãe para o Brasil: “Ela me deu tudo; fico feliz em retribuir um pouquinho”. Sua filha mais velha, de 19 anos, se casou e permanece na terra natal.

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Como as filhas não conseguiram vaga em universidades brasileiras, Mayada se mudou com elas e o marido para a França (João Bolan/CLAUDIA)

Desde 2011, a Síria é assombrada por uma guerra que já matou quase 500 mil pessoas e feriu 2 milhões, além de provocar o êxodo da população. Professora de francês na Universidade de Damasco, Mayada, 52 anos, partiu com as filhas e o marido em uma tarde de 2013. Ela levava a filha mais velha para prestar vestibular e disse “basta” ao ver dezenas de corpos pelas ruas.

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Fechou as portas de casa, no centro da capital, Damasco, e viajou para o Brasil. Um dia depois, o imóvel foi atingido em um ataque que tinha como alvo o vizinho: o palácio do governo, comandado pelo presidente Bashar al-Assad, cujos parentes estão no poder há mais de 40 anos.

A família instalou-se no bairro paulistano do Ipiranga. O marido fazia próteses dentárias e ela dava aulas particulares de francês. “No Brasil, não consegui emprego formal”, diz. Tinham planos de ficar, mas as filhas não conquistaram uma vaga na faculdade. O país ainda não tem políticas que facilitem o acesso de refugiados às universidades públicas. Sem estudar, as meninas se deprimiram.

A alternativa foi, mais uma vez, mudar. Aprovadas no curso de arquitetura da Universidade de Lyon, no leste da França, começaram tudo de novo. Mayada leciona francês para crianças refugiadas, desacompanhadas e expulsas do campo de Calais. Fechado em outubro passado, o local acomodava 10 mil pessoas que esperavam a oportunidade de seguir para o Reino Unido. Retiradas à força, foram levadas para abrigos em todo o país. Um deles fica perto de Mayada. “Ensino a quem mais precisa: as crianças sofridas, que têm todo tipo de carência”, afirma.

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