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Se esforçar para ser alegre: isso existe?

Para nossa editora e colunista Liliane Prata, é comum que o adulto precise se esforçar para ser alegre, ao contrário da criança. E tudo bem

Por Liliane Prata
Atualizado em 28 out 2016, 20h27 - Publicado em 6 jan 2016, 15h27
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Quando eu era criança, lembro que meu estado de espírito constante era a alegria. Claro, havia as frustrações – como quando esperei por dias a boneca que eu tinha pedido para o meu pai, abri o embrulho e era outra boneca, ou quando todas as minhas colegas viajaram para a praia nas férias, menos eu. Eu derramava lágrimas e lágrimas, gritava, fazia um dramalhão. Mas, por mais intensa que fosse minha decepção, eu superava o mal-estar bem rápido: era só descer para brincar com meus vizinhos ou andar de bicicleta com minha prima que pronto, eu estava feliz de novo, pensando em outra coisa – ou melhor, não pensando, só vivendo. Imagino que tenha sido assim com você também. Com exceção das infâncias invadidas por dramas de outra ordem, como abusos, o universo emocional dos pequenos é muito focado no presente e receptivo à vida, ao simples fato de estar aqui.

Fiquei pensando nisso há algumas semanas, quando uma velha amiga comentou comigo que acha bacana como eu me esforço para me sentir alegre. Aquela palavra, “esforço”, na hora, me soou pesada, dura demais para ser combinada com alegria. Afinal, eu me esforço para me sentir bem? Alegria com esforço… Isso lá é alegria digna desse nome?  

Sempre escuto que sou uma pessoa alegre. Já vivi períodos difíceis e, às vezes, tenho uma quedinha pela melancolia, pela nostalgia (já tive mais). Mas, de modo geral, não tenho como discordar: sou alegre, me sinto muito bem na maior parte do tempo. Porém, diferentemente de quando era criança, sinto que em boa parte das vezes essa minha leveza requer algum esforço, sim. A palavra usada por minha amiga me assustou, mas, no fim das contas, me pareceu apropriada.

Crescer significa, entre outras coisas, ter maior controle emocional e derramar menos lágrimas, gritar menos e superar a fase do drama (com algumas exceções, claro, afinal, ninguém aqui é de ferro). Mas geralmente envolve receber menos visitas daquela alegria fácil, natural, do primeiro parágrafo deste texto e dos primeiros anos da nossa vida. Aquele bem-estar que, para aparecer, não precisava de muito mais que um copo de achocolatado e de um desenho legal na TV. Não precisava nem ser chamado, avisado, meditado, racionalizado, buscado, muito menos parcelado em 12 vezes no cartão: ele simplesmente vinha.

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Sou alegre? Sou. Muito. Na maior parte do tempo. Mas a alegria, depois que cresci, parou de ser aquela visita que sempre aparece sem avisar. Bom, dependendo do dia, é verdade, ela vem de bom grado, sem ser chamada. Mas muitas vezes precisa ser convidada. Em alguns períodos, se faz de difícil e é como se eu precisasse mandar várias mensagens para ela, depois perdesse a paciência e telefonasse, dizendo: “Ei, apareça, tô aqui!”.

Alegria com esforço. E isso lá é alegria?

É, claro que é. Pode não ser tão natural quanto a alegria sem esforço, mas é tão real quanto.

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A gente cresce. Vê coisas desagradáveis. Aprende, na marra, a conviver com situações terríveis, nem que seja à distância, lendo as páginas dos jornais (como pode ser “à distância”, se mexe tanto conosco?). Fica decepcionado com os outros. Frustrado com a gente mesmo. Cansado, ansioso, apressado, irritado, preocupado – e não basta ver um desenho legal na TV para se sentir melhor. A alegria tem mais dificuldade para nos encontrar. Às vezes, não consegue se enfiar na casca que se formou entre nós e o mundo. E, aí, ou a gente faz um esforço para que ela venha, o tal esforço que minha amiga disse… Ou desiste e vira aquela pessoa que todo mundo conhece: que se entrega ao sofrimento e fica alimentando a dor, olhando tudo sob a ótica do difícil, da amargura.

Claro, adulta que sou, sei que a existência é mais multifacetada do que uma cartela com duas opções, A e B. E que não se trata de ignorar os nossos momentos de tristeza, fingir que eles não estão lá, dar uma de Poliana (mais do que “não se trata” – é perigoso fazer isso. Uma hora, a tristeza represada emerge com tudo). Mas, passado o susto inicial, acho que minha amiga usou a palavra certa: esforço.

Os estudos dizem que parte da felicidade é genética, parte do meio ambiente. As porcentagens não me interessam. O que acho que vale a pena é aceitar que a alegria do adulto, muitas vezes, pressupõe uma boa vontade da nossa parte. Uma opção por não ficar alimentando o que nos faz mal – e uma opção diária, não uma resolução de fim de ano. Uma gratidão por, apesar de tudo, seguir vivo. E, por consequência, um respiro aliviado da nossa criança interior. Talvez a visita da alegria seja, afinal, uma visita dela, que só consegue se aproximar de nós, adultos, quando permitimos que venha ao nosso encontro.

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Liliane Prata é editora de CLAUDIA e assina esta coluna no site toda quarta-feira. Para falar com ela, clique aqui

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