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Quem ouvirá as mulheres com zika que querem abortar?

A grávida está sozinha, com medo, pagando por um descuido das autoridades, que completa 3 décadas. Se ela decidir interromper a gravidez, terá que enfrentar caminhos tortuosos ou muito perigosos

Por Patrícia Zaidan Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 28 out 2016, 10h48 - Publicado em 4 fev 2016, 15h04
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De novo, um dilema íntimo vai parar nas mãos dos juízes brasileiros. Se não quiser ser considerada criminosa e correr risco de prisão, a grávida com zika terá que implorar a autorização de um magistrado para interromper a gravidez. Muitos, intransigentes e contra o aborto, não darão ouvidos à mulher. E outros tantos tenderão a decidir só depois das 28 semanas de gestação, quando se dá o diagnóstico sobre o comprometimento do feto. Atacado pela doença, ele estará sujeito à deficiências neurológicas, psíquicas e motoras, que incluem cegueira, surdez, déficit cognitivo e epilepsia. Pode não ser só isso: uma névoa de interrogações paira sobre os cientistas que ainda desconhecem o alcance destruidor do vírus zika. Ao receber o laudo médico, no sétimo mês, pode ser tarde demais para a mulher voltar à Justiça. Soará como se o estado dissesse a ela: “Leva, que o filho é teu. Vai parir que a culpa é tua.”

O rebento pode ser só dela. O problema, no entanto, é cria de muita gente. Da constatação da epidemia, no ano passado, para cá, o governo, as autoridades de saúde e os pesquisadores têm declarado pouca coisa alentadora e repetido muito esta prosaica recomendação: “Mulheres, adiem o projeto de engravidar para 3 ou 4 anos. Ponto”. Não tiveram sequer o cuidado de incluir o homem, que faz os filhos, poupando-o da responsabilidade na prevenção. Desde que o mosquito transmissor pousou na nossa sopa, há 30 anos, não houve combate eficaz. Nada foi feito para evitar que o inseto desenvolvesse resistência ao uso de larvicidas e inseticidas – só em 2015, o aedes aegypti, fortificado, provocou 1,6 milhão de casos de dengue e 863 mortes. Os laboratórios não produziram vacinas. Os testes para comprovar a doença raramente são encontrados na rede pública. O esgoto a céu aberto, um criadouro, continua correndo nas ruas onde vivem mais de 40% dos brasileiros. E a mulher que se vire como puder. Que tire o pneu, o vasinho da varanda.

Estamos diante de uma emergência. Não há tempo para muitos debates acadêmicos, para invocar crenças religiosas, a moral e os palpites. O Ministério da Saúde ainda não sabe quantas gestantes estão com zika. Um absurdo! Mas dá para imaginar que elas estejam assistindo à epidemia avançar, a barriga crescer, cheias de medo do futuro de seus filhos. Se a mulher decidiu não querer levar a gravidez até o fim, tem que ser respeitada. Muitas estão sofrendo um terrível abandono. Em Pernambuco, onde a enfermidade se alastrou primeiro, maridos – portanto, pais de bebês com microcefalia – caíram fora. Quem pariu… que embale.  

Já se desenha uma corrida à Justiça no país. Eu perguntei à juíza Adriana Ramos de Mello, da Vara de Crimes Contra as Mulheres, no Rio e Janeiro, se a magistratura está aberta para entender o flagelo. Ela é otimista. “O Judiciário vai responder a isso. As mulheres que desejam interromper devem entrar na Justiça. Os casos serão analisados com cuidado, um a um. Cada magistrado tem sua consciência, mas creio que o bom senso prevalecerá. É preciso considerar a crise financeira do país, o número de hospitais fechando e a falta de estrutura para atender, depois, as crianças com microcefalia. Estamos diante de um enorme problema de saúde. Uma questão nacional”, afirma ela.

O Código Penal toma o aborto como crime. Com pena de 1 a 3 anos de prisão. Livra-se de condenação a que aborta sob o risco de morrer, a estuprada e a gestante de anencéfalo. Acima de tudo, está a Constituição Federal. “O juiz encontra ali a força para garantir o princípio da autonomia e da vontade, o respeito à saúde, à privacidade e à intimidade da mulher. Exigir que ela mantenha por nove meses uma gravidez de um feto que não terá condições de viver com dignidade, e às vezes até de não sobreviver, é uma tortura. Traz um enorme abalo emocional ”, diz Adriana Mello. “O prejuízo é grande. Só uma mulher sabe o que sofrerá com um filho sem chances. É compreensível que queira abortar.”  

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 Os juízes que terão a coragem de agir nessa linha deverão se apoiar na decisão do Supremo Tribunal Federal, de 2012, que permite o aborto do anencéfalo, o que hoje se estende, por analogia, aos fetos com outras anomalias (a Síndrome de Edwards e a Síndrome de Body Stalk, por exemplo).  Se isso não ocorrer com a agilidade que a calamidade impõe, haverá o resultado sujo de sempre: quem tem de 5 mil a 15 mil reais na bolsa corre para uma das clínicas clandestinas de aborto. Todos nós – até o papa Francisco, que perdoou as que abortaram – sabemos da existência desses centros médicos. Muitos até funcionam em boas condições técnicas. Restará às pobres e às não tão miseráveis (como as desempregadas e em crise) enfrentar os cruéis procedimentos praticados por carniceiros. Com a possibilidade de aumentar a marca macabra do país, onde uma brasileira morre a cada dois dias, vítima de intervenções malfeitas. Existe ainda uma opção bastante divulgada na internet: a ong holandesa Women on Web envia pelo Correio a pílula Misoprostol para as mulheres que optam pelo aborto medicamentoso e seguro. A fundadora da organização, Rebecca Gomperts, teria solicitado ao governo brasileiro que os pacotes não fossem interditados. Pelo menos enquanto a peste seguir no comando da saúde pública.

        É muito cômoda, covarde até, a atitude de jogar tudo nas costas da mulher e ainda impor a obrigação de ter um filho que ela não quer. É urgente, senhores do Judiciário. A batata quente está nas suas mãos. A torcida é para que o otimismo da juíza Adriana Mello esteja na direção correta. 

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