Cresce a busca pelos significados de Manterrupting e Mansplaining
As buscas pela explicação do termo 'mansplaining' subiram 495% desde que o episódio envolvendo a advogada Gabriela Prioli viralizou nas redes
Quem acompanhou a série Sex In the City, no auge de sua fama e influência na TV e cultura, sabe que a personagem da advogada Miranda Hobbs era a voz da razão entre as quatro amigas. Seguindo a lógica acima dos sentimentos, Miranda era durona e ganhava suas batalhas. Ainda assim, logo no início do filme Sex in The City 2 ela comenta com Carrie e Charlotte sobre o novo chefe que “parece odiar o som de sua voz’, não a deixando terminar as frases e levantando a mão para interrompê-la. “Por e-mail ele parece me odiar menos”, ela diz. Em seguida, assistimos de primeira mão como Miranda não consegue se colocar em uma reunião porque assim que começa a falar lá vem a mão levantada do chefe. Ali vemos o “manterrupting”, um dos piores assédios morais que mulheres foram obrigadas a engolir tanto tempo.
O filme é de 2010. Há uma década se discutia a ‘cultura’ da interrupção.
A polêmica em torno do afastamento da advogada e (agora ex) participante do programa O Grande Debate, da CNN Brasil, Gabriela Prioli, reacendeu a questão.
Prioli, que é advogada criminalista e mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP), estava participando do programa que discutia sobre a decisão de relaxamento da prisão preventiva de ex-deputado Eduardo Cunha, face à pandemia do novo coronavírus. Em um debate, espera-se ter opiniões opostas, nem sempre populares, justamente para ter uma discussão. No entanto, enquanto Prioli tentava argumentar seu ponto de vista, baseado nas leis, tanto o apresentador Reinaldo Gottino quanto o comentarista Tomé Adduch atropelavam sua fala e não deixavam a advogada concluir uma frase ou pensamento. Irritada, ela foi às redes desabafar.
1- Queridos antigos e novos amigos, os últimos dois dias foram de muita reflexão.
Não é fácil ser firme no início de um projeto profissional, mas é impossível não me comportar segundo aquilo que eu defendo, apesar das possíveis consequências.
— Gabriela Prioli (@GabrielaPrioli) March 29, 2020
O assunto imediatamente viralizou e se tornou notícia, principalmente quando Prioli comunicou em seguida que decidiu deixar o programa. Ela usou o twitter para oficializar sua decisão, confirmada e acatada pelo canal. Ainda se espera como ela será aproveitada em outros jornais ou programas.
A partir desses fatos, as pesquisas no Google ganharam um outro perfil. As buscas pela explicação do termo ‘mansplaining’ subiram 495% em 24h. Dentre as perguntas mais elaboradas dos últimos dias estão: ‘que é ‘mansplanning’ e o que é manterrupting”?
Termos primos-irmãos que têm uma tradução negativa: a condescendência
Mansplaining é quando um homem ‘explica’ à mulher não apenas o que ela já sabe, mas o que ela estava explicando a ele. É a atitude mais condescendente possível, paternalista e que também acontece quando, por exemplo, você está em uma reunião e quando acaba de propor ou apresentar uma questão e um homem começa ‘a te defender’ dizendo ‘o que ela quis dizer é’. Disfarçado de simpatia em alguns casos, ainda assim é uma maneira de tratar a mulher como menor. A tradução é literal: man/ homem + splaining/explicando.
O primo-irmão do Mansplaining, o Manterrupting, basicamente tem o mesmo princípio mas é bem mais frequente. O homem não deixa a mulher terminar e toma as rédeas da conversa, 9 entre 10 vezes levantando a mão em um gesto que demanda o silêncio da ouvinte. Ele encerra o assunto sem direito de resposta. É exatamente a cena do Sex in The City 2 e o que Prioli protagonizou ao vivo.
O último debate com Prioli na CNN Brasil foi na sexta (27), mas, segundo o Google, as buscas não diminuíram com o tempo. Ao contrário. O interesse pela advogada saltou 15 vezes no domingo (29), um crescimento de 1395% em comparação ao sábado (28). Desde que ela postou no Twitter seu ponto de vista, o interesse por mansplaining subiu 495% e alcançou o pico de 668% na segunda (30). Não é surpresa que, ainda nos dados do Google, no acumulado dos últimos 7 dias, Gabriela Prioli tenha passado a ser cinco vezes a mais pesquisada do que as principais apresentadoras brasileiras, nomes como por exemplo Fátima Bernardes ou Ana Maria Braga.
Os colegas de Prioli pediram desculpas, a CNN Brasil considerou o fato encerrado e superado, mas os dados do Google mostram que ainda é preciso compreender em sua totalidade os significados – e impactos – do mansplaining e manterrupting para perceber que não se pode mais minimizar hábitos nocivos. A decisão de Prioli de se afastar do programa me leva de volta à Miranda Hobbs.
Ainda no filme, Miranda foi interrompida durante a reunião com o chefe, mas decidiu agir.
– “Há alguma coisa que queira me dizer em particular?”, ele reagiu ao ver Miranda com a mão levantada interrompendo seu discurso.
– “Não precisa ser em particular”, Miranda encerrou.
Pena que por razões de dramaticidade não tenhamos ouvido o diálogo até o fim. Miranda deixa a firma e encontra a felicidade, equilibrando saúde – inclusive mental – e família, sem ter que aguentar calada as grosserias. É um momento rápido mas empoderador, assim como parece ser a decisão de Gabriela Prioli – muito pública e transparente – de nem insistir em um ambiente onde foi desrespeitada.
É assim que a gente pára esse terrível costume.