Companhia das Letras recolhe livro infantil com crianças em navio negreiro
Lançado em 2015, livro narra cenas de crianças negras no porão de um navio negreiro pulando corda com correntes
Nesta segunda-feira (13), a Companhia das Letrinhas anunciou a parada da distribuição do livro “ABECÊ da Liberdade: A história de Luiz Gama”, por conter trechos que fogem da realidade da escravidão e que trazem cenas em que crianças escravas acham engraçado brincar de escravos de Jó [cantiga que faz referência a escravos fugindo de seus senhores].
A obra é inspirada na vida do escritor e advogado abolicionista Luiz Gama e foi lançada em 2015, com selo Alfagara, da Editora Objetiva. Depois da mesma ser vendida para Companhia das Letrinhas, o título foi adicionado aos exemplares da nova editora. O livro é escrito por José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta e as ilustrações foram feitas por Edu Oliveira.
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Em comunicado oficial, a Companhia da Letrinhas reconheceu o erro e pediu desculpas pelo ocorrido.
“Recentemente, o Grupo Companhia das Letras recebeu críticas importantes ao conteúdo do livro Abecê da liberdade, de José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta, do selo Companhia das Letrinhas. Lamentamos profundamente que esse ou qualquer conteúdo publicado pela editora tenha causado dor e/ou constrangimento aos leitores ou leitoras. Assumimos nossa falha no processo de reimpressão do livro, que foi feito automaticamente e sem uma releitura interna, e estamos em conversa com os autores para a necessária e ampla revisão”, disse em nota a editora, que também interrompeu o fornecimento do livro para as livrarias e lojas.
“De toda maneira, como consideramos a crítica correta e oportuna, imediatamente disparamos o processo de recolhimento dos livros do mercado e interrompemos o fornecimento de nosso estoque atual. Esta edição agora está fora de mercado e não voltará a ser comercializada”, prometeu.
A Companhia das Letrinhas afirmou ainda que está fazendo uma releitura das obras para checar se estão de acordo com o contexto da nossa sociedade atual. “Aproveitamos para reforçar que estamos atentos aos processos de mudança em nossa sociedade e temos buscado formas de reler, a partir de uma perspectiva mais democrática e inclusiva, as obras infantis da Companhia, que são publicadas desde 1992, quando a Companhia das Letrinhas foi fundada. Há também um compromisso com os novos títulos: eles devem estar alinhados com as diretrizes de pluralidade e inclusão que vêm regendo o grupo como um todo. Reconhecemos nosso erro e pedimos, mais uma vez, desculpas aos leitores. Estamos dispostos e abertos para aprender com esse processo, para dele sairmos, todos nós, muito melhores. Equipe Companhia das Letrinhas.”
Indignação
Uma cientista social, que preferiu não revelar sua identidade, contou ao UOL que inicialmente comprou o livro para presentear o filho de uma amiga, mas ao ler a obra se assustou ao notar partes que fazem referências falsas e preconceituosas sobre a escravidão, o que considerou uma violência simbólica. Indignada com a obra, ela automaticamente decidiu não dar o exemplar de presente.
“Foi uma surpresa e um choque ler a cena das crianças brincando de ciranda dentro do navio negreiro. Eu fiquei me perguntando se passaria pela cabeça de alguém fazer a mesma cena com crianças em Auschwitz, sabe? Iam achar bonitinho as crianças brincando de ciranda antes de entrar no incinerador?”, questionou a mulher em entrevista ao portal.