Indústria da moda se posiciona contra guerra na Ucrânia
Marcas como Armani, Balenciaga ou Nike se somam ao movimento internacional que pede o fim do conflito e tenta isolar economicamente o país de Putin
O início da guerra na Ucrânia, com a invasão da Rússia no dia 24 de fevereiro, surpreendeu a indústria da moda em meio às semanas de desfiles em Milão, Londres, Nova York e Paris. As marcas, que geralmente não perdem tempo em posicionar-se nas redes sociais a favor de diversos temas sociais, demoraram dessa vez. Três dias depois do primeiro ataque russo, o único gesto significativo havia sido o de Giorgio Armani, que fez suas modelos desfilarem em completo silêncio como sinal de solidariedade ao povo ucraniano na semana de moda de Milão, que terminou na última segunda-feira. Depois disso, modelos e estilistas passaram a fazer manifestações nas entradas das passarelas, pedindo o fim do conflito, e várias pessoas que participaram dos eventos chegaram aos desfiles com diversas placas em apoio à Ucrânia. As imagens de ataques a civis e bairros residenciais, assim como a posição de empresas gigantes, como a Apple (que anunciou o fim da venda de seus produtos no mercado russo), fez com que marcas como Balenciaga, Nike, Net-a-porter e outras se somassem ao movimento internacional que tenta isolar o país governado por Vladimir Putin.
A Balenciaga, que geralmente apaga todas as publicações em suas redes sociais antes de lançar uma nova coleção, excluiu as postagens e deixou apenas a imagem de uma bandeira da Ucrânia em sua conta no Instagram. Na manhã deste domingo, a imagem foi substituída pelo vídeo do desfile da marca na semana de moda de Paris, ao final do qual as modelos entraram com vestidos longos, um amarelo e outro azul, as cores da bandeira do país que está sob ataque russo. Nas cadeiras, camisetas nas mesmas cores estavam disponíveis para os convidados, além do texto-manifesto de apresentação do desfile, assinado por Demna Gvasalia, diretor criativo da empresa, que é natural de um território independente da Geórgia. “A guerra na Ucrânia me lembra o maior trauma da minha vida, quando em 1993 a mesma coisa aconteceu na minha terra natal e eu virei eternamente um refugiado”, escreveu, acrescentando: “Esse desfile não necessita de explicações. Ele é dedicado à resistência e à vitória da paz e do amor”. A Balenciaga tem usado suas redes sociais, principalmente os stories, para informar exclusivamente sobre a guerra.
A Net-a-porter, uma gigante do comércio eletrônico de luxo, fechou suas lojas on-line na Rússia. “Devido à situação atual, não podemos concluir novas compras em seu país. Todos os pedidos foram suspensos até novo aviso”, lê-se no site russo da marca. A Nike fez o mesmo: “Atualmente, a Nike não pode garantir a entrega de produtos para seus compradores na Rússia”, diz o comunicado da empresa que, no momento, redireciona os clientes locais para suas lojas físicas. Já a Adidas informou que suspende o patrocínio da seleção russa de futebol, vestida pela marca desde 2008.
A marca húngara Nanushka, que também desfilou em Milão na semana passada, interrompeu todas as vendas na Rússia e diz que, apesar de respeitar o povo desse país, “é impossível fazer negócio” com ele, com base nos “valores morais” da empresa. “Esta é uma decisão financeira relevante para a Nanushka e esperamos uma solução rápida para reconstruir essas relações”, disse o CEO, Pèter Baldaszti. Os oligarcas russos e suas famílias são, afinal, grandes clientes da moda de luxo e ninguém ignora o impacto de sua participação na renda da indústria. O papel do país é tão relevante nesse setor que, em meio à onda de notícias falsas sobre o conflito na Ucrânia, havia rumores de que empresas italianas estariam pressionando a União Europeia para manter as exportações de bens de luxo fora das sanções econômicas aplicadas contra o país de Putin. O presidente da Camera della Moda, Carlo Capasa, negou: “Representamos todas as marcas de moda e não exercemos nenhuma pressão, o governo decidirá as medidas a serem tomadas e nós as cumpriremos e nos adaptaremos a quaisquer restrições que sejam impostas.”
No boicote ao mercado russo, edição ucraniana da Vogue se pronunciou, pedindo ajuda das empresas de moda e beleza: “Como resultado da agressão militar sem precedentes da Federação Russa e da crise crescente ajuda humanitária na Ucrânia, a Vogue UA insta a todos os conglomerados e empresas internacionais de moda e luxo a cessar qualquer colaboração no mercado ofensor com efeito imediato”, pede a publicação no Instagram. A postagem, na qual foram marcados vários anunciantes da revista, exortou-os a tomar partido: “Mostrar consciência e escolher a humanidade sobre o ganho financeiro é a única posição razoável que se pode tomar para enfrentar o comportamento violento da Rússia. A Vogue UA pede que a indústria global da moda não fique em silêncio durante esses tempos sombrios, pois a comunidade da moda tem uma voz forte.”
A mais recente iniciativa de membros da indústria é um manifesto contra a guerra assinado por mais de 1.500 apoiadores, entre estilistas, fotógrafos e editores de revistas. O abaixo-assinado é encabeçado por nomes como o do fotógrafo britânico Nick Knight, a designer italiana Angela Missoni e o estilista britânico Christopher Kane: “Como designers, estilistas, fotógrafos, professores, estudantes, pesquisadores, modelos, artistas, designers gráficos, diretores criativos, agentes, escritores e editores, lutamos continuamente por um mundo onde a expressão criativa, o intercâmbio cultural e a colaboração possam florescer. A violência da invasão na Ucrânia vai contra tudo o que defendemos. Esta guerra não traz nada além de destruição, sofrimento e tristeza”, diz o texto.
“A moda tem poder. A moda é uma indústria de trilhões de dólares, com gigantesca influência cultural, econômica e até política. Em tempos de crise, é fácil descartar esse poder, chamá-lo de supérfluo, frívolo, surdo, hipócrita ou não-essencial. Mas nossas cadeias de suprimentos conectam países em todo o mundo, nossa mídia alcança massas de seguidores em todos os lugares, nossa linguagem compartilhada de criatividade é universal. Somos uma indústria repleta de talentos, habilidades, redes e conexões. Essas ferramentas sempre podem melhorar a vida das pessoas ao nosso redor – seja em larga escala ou íntima. Onde quer que você esteja hoje, não vire as costas, não feche os olhos”, pede o manifesto.