Empresa demite executiva que mantinha mulher escravizada em casa
A vítima, de 61 anos, foi encontrada nos fundos de uma casa no Alto de Pinheiros, em São Paulo
Aos 61 anos, uma mulher foi encontrada dentro uma casa no Alto de Pinheiros, São Paulo, onde era mantida em condições de trabalho análogas à escravidão e posteriormente foi abandonada no imóvel pelos patrões, que haviam se mudado. As informações são da Folha de São Paulo.
A executiva Mariah Corazza Üstündag, de 29 anos, era a dona da casa e foi presa em flagrante nesta quinta-feira (18). Porém, no mesmo dia foi solta após pagar fiança de 2.100 reais. Dora Üstündag, de 36 anos, seu esposo, também foi indiciado pela Polícia Civil. A procuradora do trabalho Alline Pedrosa Oishi Delena informou ao veículo que a denúncia de trabalho escravo e violação de direitos humanos foi realizada pelo Disque-100 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Após a denúncia, a empresa em que Mariah trabalhava, Avon, informou por meio de uma nota que a funcionária havia sido demitida. “Com grande pesar, a Avon tomou conhecimento das denúncias de violações dos direitos humanos por um de seus colaboradores. Diante dos fatos noticiados, reforçamos nosso compromisso irrestrito com a defesa dos direitos humanos, a transparência e a ética: valores que permeiam nossa história há mais de 130 anos no mundo e 60 anos no Brasil. Informamos que a funcionária não integra mais o quadro de colaboradores da companhia e a Avon está se mobilizando para prestar o acolhimento à vítima”.
Segundo o veículo, o Ministério Público do Trabalho (MPT) informou que a cosmetóloga Sônia Corazza, com carreira reconhecida no ramo da indústria de beleza e mãe de Mariah, contratou a funcionária 1998 como empregada doméstica. Porém, a vítima não era registrada e também não recebia férias e 13º salário.
A estrutura do lugar em que a idosa vivia era precária. De acordo com a publicação e as fotos do lugar, a funcionária ficava em um quarto nos fundos do terreno, dividindo o pouco espaço com caixas, cadeiras e outros móveis. Com o início da pandemia, ela também passou a ser proibida de entrar na casa. Além disso, os patrões trancaram o quintal e banheiro, fazendo com que a mesma não tivesse um lugar adequado para fazer suas necessidades fisiológicas. Em depoimento, uma vizinha contou que a senhora chegou a pedir para usar o banheiro dela.
Tanto Mariah como Sônia foram indiciadas pelos crimes de redução a condição análoga à de escravo, abandono de incapaz e omissão de socorro, sendo que o último ponto foi contextualizado pelos vizinhos, que conheciam a vítima e o casal. Ainda segunda a Folha, a idosa sofreu uma queda na escada, em maio, mas os patrões se recusaram a ajudá-la. Na época, o caso só correu na justiça trabalhista.
Segundo Mariah, a funcionária só passou a não ter acesso aos outros espaços da casa na véspera da operação, pois ela estava com medo do imóvel ser invadido. A procuradora Alline Pedrosa Oishi Delena alertou ao veículo sobre a ideia do trabalho escravo. “Não era assim nem quando a escravidão era legal. A situação do escravo tem relação com direitos básicos violados, com uma exploração em um nível inaceitável (…). Não adianta o portão estar aberto, se a pessoa não tem um tostão e não tem para onde ir”, sinalizou.
No momento, a idosa se encontra na casa de um vizinho de Mariah e Dora. Segundo o veículo, ela foi informada pelos vizinhos que o casal havia se mudado há poucos dias durante a madrugada. A partir dessa conversa, ela teria comentado que só sairia do imóvel após receber seus salários atrasados. Para a equipe que a resgatou, a vítima explicou que, em 2011, sua casa desabou, por isso Sônia teria oferecido um espaço na casa da sua mãe, que vivia na mesma rua. Sônia foi morar na Grande São Paulo na mesma época, deixando a funcionária com as filhas, que continuaram na residência. Com isso, a idosa passou a trabalhar sem receber salário nenhum. Em 2017, ela começou a viver no lugar em que foi resgatada e Mariah passou a pagar apenas 200 reais por mês. Como não tinha para onde ir, continuou lá.
A pedido do Ministério Público do Trabalho, a Justiça do Trabalho em São Paulo bloqueou a casa para evitar que a mesma possa ver vendida durante o processo. Além disso, a procuradora Alline Pedrosa Oishi Delena entrou como uma ação cautelar para que Sônia, Mariah e Dora pagassem imediatamente a quantia de salário-mínimo por mês para a idosa vítima até a conclusão do processo. A vítima também receberá três parcelas do seguro-desemprego.
O advogado Eliseu Gomes da Silva disse à Folha de São Paulo que, neste momento, a família Corazza não irá se pronunciar sobre o crime.