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Clara Averbuck escreve para CLAUDIA sobre o estupro que sofreu

"Não ficarei em posição fetal com vontade de limpar minhas partes íntimas com cloro", diz escritora gaúcha em relato exclusivo

Por Clara Averbuck*
Atualizado em 29 ago 2017, 13h05 - Publicado em 28 ago 2017, 18h15

Poucas horas depois de sofrer uma violência em um carro chamado por aplicativo, a escritora Clara Averbuck, ainda emocionada, escreveu este relato a nosso pedido:

Veja também: Clara Averbuck desabafa em vídeo sobre repercussão do estupro 

“Confesso que fiquei assustada com a repercussão do relato da violência que sofri. Mulheres são agredidas e estupradas todos os dias na rua, em casa, em carros, assediadas no transporte público. O que ocorreu ontem foi mais um dia na vida de uma mulher. Virei estatística. De novo.

Estava em uma festa bebendo e me divertindo em um lugar maravilhoso e um amigo chamou um Uber para que eu viesse pra casa, pois já estava alta. O motorista veio me dando ideia. Eu não dei moral. Não sou a vítima pura e casta que desperta dó, sinto muito; sou uma mulher livre, solteira e vivo a minha vida.

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Sou mulher. É este o problema.

Dedico meus dias a lutar pelos direitos das mulheres e conheço bem os números de violência e como o sistema é despreparado para lidar com o problema. Por isso ontem, quando o motorista enfiou o dedo dentro da minha vagina depois de me empurrar do carro na rua escura ao lado da minha, eu vim pra minha casa e não fui à delegacia.

Não fui fazer corpo de delito. Não fui mesmo. Quem vive na fantasia de que “é só ir à Delegacia da Mulher”, certamente jamais esteve em uma.

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Eu estive. Dezenas de vezes. Felizmente, nunca por violência cometida contra mim. Infelizmente, acompanhando mulheres absolutamente fragilizadas que precisavam de apoio e lá apenas encontraram despreparo e desencorajamento para a denúncia. Eu não estava e não estou em condições de passar por isso.

Muitos, neste momento, cobram a Uber para punir o indivíduo. A empresa foi muito solícita e disse que o motorista acabou sendo desligado. A sanha “punitivista” da internet quer logo print, rosto, nome, endereço. Não é assim que as coisas deveriam funcionar. Não vai ter isso.

Me sinto mal, me sinto suja, me sinto culpada por ter bebido tanto e estar tão vulnerável. Me sinto novamente a menina de 13 anos que foi estuprada por três no banheiro de uma festa da escola.

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E me recuso a incorrer no mesmo erro de quando eu era adolescente, abraçando a culpa. Ela não foi minha. A culpa não foi minha. A culpa não foi minha, não foi dos meus amigos que “me deixaram” ir embora sozinha, não foi estar sozinha. A culpa é de quem comete a violência. Sempre. Impreterivelmente.

Ainda estou decidindo se quero ir a uma delegacia da mulher, ser questionada; já que a violência sexual é o único crime que a vítima tem de provar. Ao mesmo tempo que não quero que esse homem abuse de outras mulheres, estejam elas vulneráveis ou não. Eu não quero me submeter ao que já vi tantas sofrerem na delegacia.

Porém, militante que sou, assim como me recuso a entrar no senso comum de que a culpa foi minha, me recuso a deixar essa história passar batida e em vez de ficar em posição fetal com vontade de limpar minhas partes íntimas com cloro, me juntei com outras mulheres maravilhosas.

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Em esforço coletivo criamos uma campanha para que as vítimas de abusos em serviços de transporte, seja Uber, taxi ou qualquer outro, não tenham vergonha de denunciar: a culpa não é sua, mulher. A culpa é de um sistema que nos vitimiza. A culpa é de quem acha que a mulher que não vive em uma bolha de castidade merece ser violada.

A culpa não é sua. A culpa não é nossa.

Que meu caso sirva para que outras mulheres não tenham medo de expor o acontecido. Que não se culpem. Que, se não se sentirem seguras para fazer uma denúncia formal, sejam respeitadas. Porque o sistema é um conto de fadas mal contado, as cadeias estão explodindo de gente que, em muitos casos, nem deveria estar lá. E a polícia é despreparada para lidar com essas questões delicadas. É por isso que, coletivamente, pensamos, esta tarde, na campanha #MeuMotoristaAbusador e #MeuMotoristaAssediador.

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Infelizmente esses casos são cada vez mais comuns. Queremos, dando voz às mulheres que já sofreram abuso e assédio, que esses serviços de transporte sejam repensados. Que não sejam vendidos como um “bico” que qualquer um pode fazer. Que esses prestadores de serviço sejam escolhidos com mais cuidado e sejam educados a respeitar as mulheres.

Aliás, não só os motoristas; não vivemos em um mundo que nos respeita. Toda a masculinidade, calcada em violência, dominação e execração de tudo que é feminino, precisa ser repensada. O mundo é, sim, misógino, mas nós não vamos mais nos calar.”

Leia também: O desabafo de uma escritora que foi vítima de estupro


*Clara Averbuck é escritora com sete livros publicados: Máquina de Pinball (2002), Nossa Senhora da Pequena Morte (2008), Toureando o Diabo (2016), de coautoria da ilustradora Eva Uviedo, entre outros. Além disso, ela participa de três coletâneas, entre elas Lugar de Mulher é Onde Ela Quiser (2015), publicada em comemoração ao primeiro ano do site Lugar de Mulher, do qual é uma das criadoras.

Nota da redação: A Uber informou em nota a CLAUDIA que o motorista foi banido do aplicativo e prometeu colaborar com as investigações. “A Uber repudia qualquer tipo de violência contra mulheres. O motorista parceiro foi banido e estamos à disposição das autoridades competentes para colaborar com as investigações. Acreditamos na importância de combater, coibir e denunciar casos de assédio e violência contra a mulher”

A escritora esteve em nossos estúdios no aniversário da Lei Maria da Penha para medir um painel sobre violência física e sexual contra mulheres:

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