Capacitismo no BBB24: entenda o problema das “piadas” de Maycon
Integrante do grupo “Pipoca” sugeriu apelidar a prótese do atleta paralímpico Vinícius
Durante a primeira prova do líder do BBB 24, que aconteceu nesta semana, o participante Maycon Cosmer sugeriu apelidar a prótese do atleta paralímpico Vinicius Rodrigues de “cotinho”, em referência à sua perna amputada.
“E aí, nós vamos colocar um apelido, um nome no cotinho? Vamos colocar um nome no cotinho? Não, vamos sim. Vamos sim. A gente pode colocar um apelido no cotinho? Colocar um nome nele?”, perguntou Maycon a Vinicius, repetidas vezes. O atleta permaneceu em silêncio durante os comentários. Rapidamente, a cena repercutiu de maneira negativa nas redes sociais, rendendo acusações de capacitismo a Maycon. Confira o momento:
Gente? Maycon pergunta pra Vinicius se pode dar um nome pra perna amputada dele e deixa o brother visivelmente desconfortável. #BBB24 pic.twitter.com/xau62WyWKX
— Séries Brasil (@SeriesBrasil) January 9, 2024
Falas de Maycon são capacitistas?
Para a influenciadora PCD Giovanna Massera, que convive com Lúpus e Síndrome de Cushing, a resposta é certamente positiva: “Você não precisa fazer piadas capacitistas para parecer que aceita pessoas com deficiência. Muitos acreditam que isso nos deixará à vontade, mas o efeito é justamente o contrário”, afirma.
Ela explica que uma prova do constrangimento gerado por Maycon é a reação do atleta paralímpico, que não engajou na brincadeira: “Acabamos relevando para não sermos excluídos, para não sermos os ‘chatos do rolê’. É uma tática para continuarmos pertencendo ao grupo”, diz.
Essa necessidade por inclusão, segundo a influenciadora, faz com que muitos indivíduos com deficiência cheguem a nem sequer enxergar a problemática por trás de piadas e comentários ofensivos. “Acredito que o Vini apenas quis evitar confusão. Ele não está lá para militar, e sim para apenas existir, participar como todo mundo”, afirma Giovanna.
Como essas piadas afetam pessoas com deficiência
Para a influenciadora, é essencial entender que ninguém almeja, espera ou está preparado para ser uma pessoa com deficiência: “Eu, por exemplo, não nasci com deficiência, mas sim, adquiri ela posteriormente. O processo de aceitação foi bastante difícil, eu não aceitava que teria que conviver com essa condição pelo resto de minha vida”, diz.
Ela aponta que, até conseguir aceitar a deficiência e as suas limitações, muitos anos se passaram. Portanto, não é de bom tom caçoar de algo que nem mesmo a própria pessoa pode estar confortável naquele momento.
Reação capacitista do público
Depois do episódio, diversos internautas passaram a dizer que Vinícius Rodrigues seria o campeão do BBB 24, pois ele era um “guerreiro”. Os participantes que o ajudaram durante a prova também foram apontados como possíveis vitoriosos da edição. De acordo com Giovanna, transformar o atleta em herói apenas por sua deficiência também é um ato capacitista.
“Não somos heróis por superar as dificuldades de nossas deficiências. O que é realmente difícil é viver sem acessibilidade, sem o reconhecimento de nosso trabalho”, diz. Ela conta que, dentro da moda, área em que trabalha, o capacitismo velado ocorre com frequência: “Por mais que sejamos bons, precisamos ser muito melhores para sermos reconhecidos. Mesmo assim, as pessoas veem a deficiência antes de nossos trabalhos.”
Outros espectadores afirmaram que a problematização era “mimimi”, pois o próprio Vinicius havia feito piadas com a sua deficiência durante o programa. Sobre isso, Giovanna rebateu: “Uma coisa é ele fazer a piada, e outra é um terceiro que mal o conhece insistir na brincadeira.”
Ela continua: “Muitas vezes, as piadas que ele mesmo faz são uma forma de defesa, de deixar os outros mais à vontade com a deficiência dele, já que é notável o desconforto das pessoas em lidar com essa questão.”
Produção do BBB também precisa estar atenta à acessibilidade
Durante a prova de liderança, os participantes precisavam se dirigir a uma plataforma que os jogava em uma piscina de bolinhas. Após a queda, era necessário rastejar por um circuito encharcado de slime, para então, acionar um dispositivo e garantir a permanência na competição.
Segundo Giovanna, ao analisar a prova, fica claro que a emissora falhou no quesito acessibilidade: “Eles deveriam ter contratado um consultor de acessibilidade. Não para facilitar, mas sim, trazer equidade à prova. Ficou nítido que o Vinícius precisou realizar um esforço muito maior que os outros, precisando pensar em como se adaptar ao game”, afirma.
Tadeu Schmidt chegou a conversar com Vinícius sobre o ocorrido no confessionário, mas para a influenciadora, era necessário que o apresentador falasse também com Maycon e o restante da casa: “O Vini não precisa estar nesse lugar de educar eles o tempo todo, é cansativo.”
Situação, apesar de incômoda, é importante
Por fim, Giovanna afirma que o ocorrido é apenas um reflexo do que acontece com pessoas PCD diariamente. “Essa situação, exibida em rede nacional, pode fazer muitos compreenderem o quanto o capacitismo é problemático. Talvez isso ensine uma parcela da população a tratar pessoas com deficiência de forma mais natural. Só agora tivemos um segundo participante PCD na casa, mas isso já garante uma visibilidade imensa para a causa”, diz.
O atleta paralímpico Vinicius Rodrigues
Vinicius sofreu um acidente de trânsito na cidade de Maringá, no Paraná, aos 19 anos. Consequentemente, precisou amputar parte da perna esquerda. Durante a sua estadia no hospital, recebeu uma visita da atleta paralímpica Terezinha Guilhermina, que o apresentou ao atletismo. Desde lá, conquistou inúmeros feitos históricos, incluindo o recorde mundial dos 100m rasos da classe T63, corrida para amputados de perna acima do joelho, com o tempo de 11s95.