Estilistas mulheres comentam a discrepância de gênero na SPFW
Renata Buzzo e Cíntia Félix discorrem sobre a falta de mulheres como diretoras criativas no line-up
As mulheres se fazem presente em diversos espaços na principal semana de moda do Brasil, a SPFW. Temos maquiadoras, cabeleireiras, costureiras, modelos, assessoras, jornalistas e mais. Analisando dessa forma, temos a impressão de que esse ambiente não peca pela carência de representatividade feminina, no entanto, temos uma falta de mulheres como diretoras criativas de marcas.
Dentre as 38 marcas que desfilam na SPFW, temos apenas 13 designers femininas. Em um meio considerado “feminino”, é bem curioso que ele também seja, de certa forma, dominado por homens. Este déficit evidencia uma disparidade de gênero persistente na indústria da moda, onde as mulheres, embora sejam a maioria na força de trabalho, continuam sub-representadas em posições de liderança.
A presença feminina amplia a diversidade, mas também mostra novas visões, que são enriquecedoras em qualquer indústria. Com isso em mente, entrevistamos as diretoras criativas de duas marcas: Renata Buzzo, de sua label homônima, e Cíntia Félix, de AZ Marias, slow fashion carioca.
Antes de apresentar a coleção “Florescer – Ato III: Fogo” na SPFW, Cíntia discorreu sobre a participação feminina no mundo da moda. “Me bate uma reflexão. Uma indústria, a segunda maior empregadora, a que mais emprega mulheres, e como essas mulheres não estão nos cargos de chefia? Como essas mulheres não são as donas de marca?”, analisa Cíntia Félix.
“Nada mais é que os homens querendo dominar o mundo, mas eles não vão conseguir, porque o mundo é feminino. Afinal, é A Terra, não é O Terra”, continua ela, que explorou esse conceito de elementos em suas mais recentes coleção. Após água e terra, agora temos o fogo, além de inspirações do Candomblé.
Na passarela, AZ Marias mostrou a essência transformadora e destrutiva do fogo, em uma moda nacional enraizada na brasilidade, potencializada pela diversidade e o crivo criativo de uma mulher negra.
“Precisamos entender a potência das mulheres nesses lugares de decisão de comando, a importância delas, porque uma vez que uma mulher está nesse lugar, ela mobiliza mais pessoas, ela quer ter mais pessoas no processo. Naturalmente, as mulheres são múltiplas e doadoras, então eu quero que isso fique cada vez mais nítido na indústria, que mais mulheres sejam donas de marca, assinem a beleza dos desfiles e façam o styling”, conclui.
A inspiração no fogo, considerado primordial para o desenvolvimento humano e responsável pela primeira revolução, reflete na proposta inovadora da estilista. Ao destacar a brasilidade, ela ressalta a importância de a moda nacional se posicionar na maior semana fashion da América Latina, não apenas abordando as dores, mas também as potências do Brasil.
Já Renata Buzzo trouxe sua perspectiva, que complementa o que foi pontuado por Cíntia. “Eu não posso dizer que é uma coisa que a gente não repara e faz vista grossa, porque não é verdade, é uma coisa que a gente repara sim e percebe a diferença de quantidade, que é gritante. Mas é uma coisa tão institucionalizada, estamos tão acostumadas. Temos tem uma trajetória muito mais longa e difícil. Precisamos nos provar sempre duas vezes, né? Eu sempre estou falando nos meus desfiles sobre mulheres, eu sempre estou trazendo a nossa temática e em cada desfile eu falo sobre um viés diferente da nossa jornada”, conta.
Em sua mais recente linha, a apresentada na SPFW, Renata Buzzo aborda ciclos e dinâmicas de relacionamento, utilizando metáforas como a lua e o mar. Ela destaca a percepção distorcida das mulheres, frequentemente julgadas como misteriosas e traiçoeiras.
A coleção combina elementos marítimos e lunares, representando a dualidade entre a mulher como o mar, capaz de corroer metal, e o homem como a lua, reluzente, mas necessitando do sol para brilhar.
Ela questiona as complexidades dos relacionamentos, incluindo a instabilidade e desaparecimento repentino, como uma lua nova. A proposta é uma reflexão sobre a jornada desafiadora das mulheres na sociedade. Renata compartilha que futuramente fará uma coleção sobre o machismo estrutural. “Vai chamar A Explicação, já estou te dando um spoiler“, brinca a designer.
Cíntia Félix e Renata Buzzo são vozes relevantes perante as transformação na indústria da moda, assim como Mônica Sampaio, Helô Rocha, Mayari Jubini, Marina Bitu e outras tantas designers brasileiras. A indústria precisa ainda avançar muito, seja quando pautamos diversidade de corpos, peles ou gênero. Ainda é preciso de um espaço mais inclusivo e representativo.