De saltos peludos até botas de plástico: O fenômeno dos ugly shoes
O estranho e o criativo estão em alta - o que explica a tendência?
Desde stilettos até coturnos, os calçados podem determinar a energia que damos ao look do dia, podendo trazer a essência do grunge ou a elegância de um bom salto alto. Mas o que poucos esperavam era da valorização dos ugly shoes (em tradução literal, sapatos feios). Pense saltos peludos – que foram destaque na SPFW N56 – até tabi boots, que surpreendem com seu formato inusitado de pata de camelo.
“Eles fazem parte de uma estética escapista, ou seja, que se desloca da realidade – que neste momento é de policrise – sendo usados, principalmente, por jovens da geração Z. E essa estética de ugly shoes traz humor, deboche e ainda chama a atenção, ingredientes que se destacam no contexto das redes sociais. Esses calçados são itens de moda que inevitavelmente chamam a atenção, geram discussão e, consequentemente, geram engajamento”, reflete Ana Vaz (@anavaz_imagem), consultora de estilo e idealizado e diretora da Butique de Cursos.
Uma das provas disso é a influenciadora digital e beauty lover Malu Borges, que é conhecida por seus vídeos de get ready with me nos quais monta visuais com peças inusitadas, como uma bolsa em formato de sapo – porque esse novo fenômeno não se restringe apenas ao mundo dos calçados.
Malu, porém, é uma das grandes adeptas do fenômeno dos ugly shoes, tendo comparecido ao desfile da Angela Brito na SPFW N56 com um salto amarelo que vinha acompanhado de um detalhe extravagante de folhagem e flores.
Mas essa não foi a única vez que a influenciadora se aproveitou da nova tendência, tendo posado com um salto da Loewe composto unicamente por bexigas vermelhas.
@maluborgesm Estou pronta para as festas 🎈 #TikTokFashion #unboxing #maluborges #FashionTikTok
É amor pela extravagância, uma nova forma de interpretar a moda ou apenas uma forma de fazer sucesso certeiro na internet? Desvendamos tudo sobre o novo fenômeno que vem tomando a moda, confira:
O início dos ugly shoes
Apesar de estarem ganhando destaque na cena da moda, esta não é a primeira vez que vemos os ugly shoes tomando conta do cenário fashion – lembrando que o termo não se refere à beleza do calçado, e sim à extravagância e utilidade para o mundo real.
Ana conta que, durante a década de 1970, os furry shoes – aqueles sapatos felpudos ou peludos – já traziam uma certa provocação para o mercado da moda, tendo sido retomados nas últimas semanas de moda e eventos do ramo.
“As tabi boots da Margiela, por exemplo, são de 1988. A verdade é que essas técnicas escapistas sempre existiram no cenário da moda, elas são um tipo de resposta à realidade, e claro, crise. Vale lembrar também que há quem inclua os papetes e as sandálias birkenstock, tão populares hoje, no contexto de ugly shoes. Phoebe Philo, estilista inglesa que fez muito sucesso na Céline entre 2008 e 2017, lançou muitos destes modelos, inclusive adornados com um material de pelúcia”, conta a consultora.
Já na era da internet e redes sociais, a tendência voltou a ganhar destaque com o lançamento do Triple S, da Balenciaga, que, apesar de hoje se mostrar um tênis mais normalizado, na época foi uma grande novidade para o streetwear, com suas plataformas irregulares no estilo chunky.
A nova viralização do extravagante
Sempre ouvimos frases como “a beleza está nos olhos de quem vê” ou “gosto não se discute”, mas, às vezes, é difícil imaginar usar calçados em formato de pegada de camelo no trabalho, não é?
As tabi boots citadas por Ana, por exemplo, foram inspiradas em meias japonesas do século XV, saindo de um status cult e da alta costura para se tornarem um hit da moda contemporânea, conquistando espaço inclusive no figurino do seriado da Netflix, Emily em Paris.
Os sapatos aveludados e peludos também voltaram, especialmente com o primeiro desfile de Phoebe Philo. A consultora de estilo também destaca a aparição de scarpins no modelo de ponta tabi, se mostrando, de certa forma, quadriculados.
“A gente vai continuar vendo os Crocs e as tabis em formatos diferentes, então agora a tab no formato de Mary Jane é um hit. A própria Phoebe Philo na marca nova, que ela lançou agora há algumas semanas, traz alguns sapatos que causam um certo estranhamento, tem um scarpin que remete a uma tabi. Tem uma bota que tem umas alças que parecem orelhinhas, então acho que a gente vai continuar vendo o estranho, conversa muito com o nosso tempo”, aponta Ana Vaz.
Mas por que, de repente, o utilitarismo saiu de cena e abriu espaço para os ugly shoes? A consultora remete o fenômeno à iminente estética do caos e uma recente estética surrealista, impulsionada também pela evolução de novas tecnologias e possibilidades imagéticas.
Apesar disso, ela relembra que as estéticas escapistas convivem muito bem com as estéticas realistas – neste caso, os ugly shoes ainda convivem com a realidade de calçado utilitários, não nos vemos forçados a usar saltos em formato de sapo. É o fenômeno que enxergamos atualmente a partir do encontro da ugly fashion com o quiet luxury, podendo até alcançar o mesmo consumidor.
“Nos ugly shoes vemos o deboche, o escapismo, a saída da realidade, a desconexão, a busca pela fantasia, pelo engraçado, pela provocação, e até por essa coisa de um humor mais ácido, mas a gente pode pensar em um humor quase sombrio em alguns casos, e é um jeito de você escapar dessa realidade caótica de crise. Você não está necessariamente ostentando através de brilhos e de um visual barroco, mas você está ostentando, está chamando atenção através da ideia de ilusão, desse quase improvável, desse quase impossível”, reflete.
Em tempos como os de quiet luxury, nos quais as roupas são retiradas de qualquer elemento que outorgue criatividade e, claro, personalidade, a tendência ugly fashion se mostra como solução para um mundo sem divertimentos, apesar de realizada para viralizar por alguns segundos.