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Quem é Dan Bilzerian e por que estamos falando nele agora

Com quase 32 milhões de seguidores no Instagram, ele posta fotos objetificando mulheres. Mas seu estilo de vida ainda é o sonho de muitos homens

Por Isabella D'Ercole Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 7 dez 2020, 16h20 - Publicado em 1 jul 2020, 16h39
 (Miro Branco/CLAUDIA)
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Eu nunca tinha ouvido falar em Dan Bilzerian até segunda-feira, quando começaram a aparecer no Instagram e no Twitter diversas postagens contestando o estilo de vida e as fotos do americano de 39 anos. Para quem não sabe, Dan se declara jogador de pôquer profissional e diz que o jogo teria rendido parte de sua fortuna milionária. Além disso, ele tem uma marca de bebidas (de energético à vodca) e de produtos derivados da folha da maconha. Dan vive em uma mansão, viaja frequentemente, tem carros esportivos e anda de helicóptero. Está sempre em festas e se gabou, num programa de entrevistas, de ter tido dois ataques cardíacos aos 25 anos por ter combinado longas horas de farra com bebida e Viagra. Em suas fotos, ele frequentemente segura armas. E, não importa qual dessas atividades anteriores ele esteja fazendo (ou registrando), está sempre cercado por mulheres de biquíni ou nuas. Ele apoia seu prato de comida ou copo de bebida sobre o corpo de uma mulher nua, ele está cercado por dezenas delas em barcos, na praia ou dentro da banheira de hidromassagem.

Ontem, após ficar sabendo da mobilização de mulheres brasileiras questionando suas redes sociais e seus seguidores, Dan postou um recado: “Foi trazido à minha atenção que eu ofendi muitas feministas brasileiras e foi pedido que eu me desculpasse, então aqui vai. Eu sinto muito se eu ofendi qualquer uma de vocês com meus posts, sei que esses são momentos sensíveis e não foi minha intenção. Brincadeira…”. A última frase não vale a tradução, de tão baixo calão, mas ele sugere que as mulheres façam sexo oral nele. 

Por que estamos falando de Dan Bilzerian agora?

Dan Bilzerian tem 31,7 milhões de seguidores no Instagram (vá lá e espante-se com o número de amigos seus que seguem o perfil dele), entre eles muitas celebridades brasileiras e internacionais. Não à toa ele ostenta essa grande base de fãs. Por muitos anos (na verdade, até hoje), grande parte da mídia ajudou a construir a imagem de Dan como se ele levasse o estilo de vida dos sonhos. O Manual do Homem Moderno, voltado ao público masculino, postou em 2014 uma matéria sobre o americano com o título 10 motivos para admirar (e invejar) Dan Bilzerian. Essa semana, depois da polêmica, o site tirou o conteúdo do ar e escreveu uma nota se desculpando e assumindo a culpa por não ter, através dos anos, revisto matérias com conteúdo inapropriado.

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Sinal dos tempos. Hoje, com forte atuação do movimento feminista, vidas, valores e perfis como o de Dan são questionados por parte do público (quem dera fosse todo mundo). Por esse motivo, grandes embates apareceram nas redes sociais nos últimos dias. Vi homens escrevendo que seguiram Dan há muitos anos, mas que atualmente, mais consciente dos danos causados pelo machismo, tinham abandonado o perfil do jogador de pôquer. Ao mesmo tempo, veículos de comunicação continuam exaltando seu “estilo de vida luxuoso” ou chamando Dan de “rei do Instagram”.

O conceito da “Caixa dos Homens”, proposto inicialmente pelo educador Paul Kivel, nos anos 1980, ressalta para um conjunto de regras que seriam seguidas para que um homem fosse aceito por seus iguais. Essas regras incluiriam ter comportamentos agressivos e dominantes, não manifestar emoções, seguir a heterossexualidade compulsória e buscar sexo a todo momento. Nossa cultura ainda educa boa parte dos homens para serem máquinas de músculos, performance sexual, apatia emocional e acúmulo de riqueza”, explica Guilherme Valadares, fundador do PapodeHomem e diretor de pesquisa no Instituto PdH, em entrevista a CLAUDIA.

Passado (e presente) duvidoso

São muitas as discussões que Dan suscita. Documentos da Justiça americana (exibidos por essa reportagem do site Vice, de 2015) mostram que o pai de Dan foi condenado por uma enorme fraude financeira. Ele cumpriu 13 meses de prisão e pagou 3,7 milhões de dólares de uma dívida de 62 milhões de dólares. Hoje, abriu mão da cidadania americana e vive no Caribe. Durante o tempo em que foi processado, sua esposa e os dois filhos tiveram empresas abertas em seus nomes e remessas de dinheiro enviadas a elas. Uma reportagem da revista britânica GQ, de 2017, cita inclusive um esquema suspeito em que a casa da família teria sido vendida à uma instituição de caridade que levava o nome do gato dos Bilzerian.

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Dan envolveu-se em diversas polêmicas com mulheres. Em 2014, numa sessão de fotos para a revista Hustler, ele jogou a atriz Janice Griffith, de 19 anos, nua, de um telhado para cair na piscina. Com medo, ela segurou em sua camiseta e, na queda desajeitada, quebrou o pé. Um vídeo do mesmo ano mostra ele chutando o rosto da modelo Vanessa Castano em uma balada de Miami. Dan alegou que estava apenas separando uma briga e a modelo desistiu da acusação formal depois de alguns dias. Para a revista People, ele declarou em seguida: “Eu não acredito em violência contra a mulher. Eu nunca bateria numa mulher. Isso ganhou uma proporção maior do que deveria”.

“Ele, basicamente, age como um adolescente imaturo, não supervisionado, com uma conta bancária infinita e sem quaisquer referenciais de masculinidades responsáveis ou saudáveis. Dan Bilzerian não é o problema, mas o sintoma de uma cultura masculina adoecida. Sintoma também de nosso esquecimento em educar os meninos para o futuro, a partir de uma compreensão profunda da construção psíquica da masculinidade. Esse esquecimento não diz respeito a uma falha ou culpabilização das mães, importante frisar”, afirma Guilherme. “Se desejamos que esses estereótipos sejam deixados de lado, também é importante oferecermos outras narrativas possíveis para as masculinidades. Em paralelo ao processo de apontar os problemas e criticarmos o que falta, é essencial jogarmos luz em narrativas que nos apresentem homens que cuidam, homens que sentem, homens anti-assédio, antirracismo, anti-pornografia”, continua.

Qual é o grande problema com o estilo de vida de Dan Bilzerian?

Para quem tem uma base tão grande no Instagram, Dan Bilzerian não produz nenhum conteúdo relevante. Isso quer dizer que todo mundo que está ali não busca informação, mas sente curiosidade pelo seu estilo de vida. Antes de tudo, vamos esclarecer o mais fácil: o sistema capitalista em que a gente vive estimula o consumo e a competição. A gente relaciona riqueza à uma vida sem problemas –  o dinheiro é a solução para tudo. Andar de avião, barco, viajar para onde quiser é realmente atraente.

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Mas Dan não ostenta só o dinheiro. Ele ostenta armas e objetifica mulheres. Não se trata aqui de um pensamento conservador. Ninguém está pedindo para Dan ter um relacionamento monogâmico ou tentando mandar em suas relações. A questão é usar a imagem dessas mulheres como cenário, tipo mesa para seu almoço, e sexualizar seus corpos como se elas não fossem pessoas. É isso que é a objetificação: quando a pessoa é desumanizada. É a aparência dela, e somente isso, que a define. É uma demonstração de poder que mostra que o opressor possui direitos sobre o oprimido. A mulher, sexualizada, é objeto do homem e é seu dever satisfazê-lo, sem que a vontade dela seja consultada. Esse rompimento da conexão entre corpo e pessoa tem ligação direta com violência contra mulheres. Se é um objeto, e não uma pessoa, é possível quebrá-lo, abusar dele. Em última instância, relações de objetificação terminam em estupro e morte.

Se não bastassem os casos violentos com mulheres citados acima, uma entrevista de 2016 deixa ainda mais evidente a visão que o americano tem sobre as mulheres. Ao ser questionado pelo apresentador Larry King a respeito das acusações de objetificar mulheres, Dan responde em referência ao criador da Playboy: “Acho que o mesmo que eles falaram sobre o Hugh Hefner“. “Em 2012 eu entendi que a vida é um arranjo. Se eu programar tudo, eu consigo transar sem conversar muito, ir a encontros. Eu comecei a fazer festas com 30 amigos e 200, 300 meninas. (…) Se uma menina for pro bar e dez caras derem em cima dela, ela pode ir para casa e dormir como um bebê sem pegar ninguém. Mas se ela for pro bar e ninguém der atenção para ela, ninguém falar com ela, ela tem que ficar com alguém para se sentir validada. Mas nessas festas tem tantas meninas que ninguém está dando em cima de ninguém ou sendo agressivo, então as meninas iam até os caras, era arranjado já”, ele explica. “Não acho que estou usando essas meninas porque ambos os lados estão se beneficiando. Elas me usam para se vingar contra o ex, o namorado. Eu sou usado o tempo todo”, conclui.

Quatro anos depois e nada mudou. Em um tweet recente, Dan segue ridicularizando as mulheres.

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“Mas essas mulheres não estão ali à força”

Essa justificativa foi amplamente utilizada por quem defendeu Dan Bilzerian nos últimos dias. Nunca houve denúncia de que Dan manteria mulheres em sua casa à força. Entretanto, a presença dessas mulheres ali voluntariamente não quer dizer que elas compreendam as consequências da participação nesse estilo de vida.

A objetificação feminina é, como explicado acima, uma demonstração de poder resultante de anos de cultura patriarcal. Algumas mulheres, criadas dentro dessa cultura, demoram a questionar comportamentos. Pessoalmente, isso pode ter muitos impactos. Como elas são sexualizadas, cobram de si mesmas a manutenção de um padrão estético e deixam de valorizar outras habilidades sócio-emocionais. O processo de compreensão dessas opressões pode levar muito tempo, mas é ele que permite o desenvolvimento de autoconfiança para enfrentar situações de submissão.

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E agora?

Dan Bilzerian, com tamanha expressividade nas redes, não vai sumir. Por comportamentos anteriores e pela resposta enviada às brasileiras tampouco parece que ele esteja disposto a repensar seus atos. Dan tem ainda uma ferramenta extra de manutenção de seu status: o dinheiro. Há duas coisas possíveis de fazer nessa situação. A primeira é entender a importância dessa discussão acima e compartilhá-la com outras pessoas, tanto amigos quanto amigas.

“Homens devem começar a ler, seguir e escutar mais mulheres. Os que já têm essa clareza precisam ajudar seus amigos a fazer essa caminhada — um dos reflexos da cultura machista é homens escutarem mais quando outros homens falam. Conversas um a um costumam ser melhores do que trocas em grupos de WhatsApp. É fundamental mais homens assumirem sua responsabilidade na mudança, não deixando o fardo para as mulheres”, explica Guilherme.

Além disso, a maior ferramenta que temos para evitar a continuidade desse ciclo de objetificação na internet é esvaziar as redes do americano. Isso passa por cobrar das redes sociais posicionamentos mais duros em posts com conteúdo machista e ofensivo às mulheres – eles vão fazer controles melhores? “Esvaziando a ilusão de “felicidade masculina” dessa paisagem criada por Dan, a raiz que o sustenta vai desaparecer”, acredita Guilherme. A marca de 31 milhões de seguidores dá à Dan certa legitimidade para seguir seu caminho sem refletir sobre a relação danosa com as mulheres e ainda garante maior entrada de dinheiro pro caixa dele. Hoje, uma curtida significa muito, inclusive apoiar um homem que não tem nenhum respeito pelas mulheres.

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