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Mulheres de sucesso revelam desafios e caminhos do afroempreendedorismo

No dia Internacional da Mulher Empreendedora o dilema para mulheres pretas ainda é o mesmo: como sobreviver ao racismo institucional no mundo dos negócios?

Por Ligea Paixão (colaboradora)
19 nov 2021, 18h13
Black Money
 (We Are/Getty Images)
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“Fundei a primeira agência de comunicação do país que atende exclusivamente ações de impacto social”.

“Trabalho com turismo, oferendo City Tours, passagens aéreas, hospedagens em hotéis, ônibus intermunicipais e seguro viagem.”

Ditas por duas mulheres de perfis e áreas de atuação distintas, as frases acima são descritivas e, de forma instintiva, nos levam a criar em nossa mente a imagem ideal de uma mulher de negócios. Mas, afinal, como essas mulheres aparecem figuradas em nosso imaginário? Seriam elas única e exclusivamente personas que vemos nas produções hollywoodianas, ou seja, brancas?

Negras e potentes, Tássia di Carvalho (@tassiadicarvalho) e Nilzete dos Santos (@afrotours_bahia) são, respectivamente, as enunciantes dessas frases. Elas representam as 61,5% mulheres cis que, adentraram o empreendedorismo, uma área que hoje se destaca por ser majoritariamente afro e feminina. 

O dado, que refere-se à pesquisa Afroempreendedorismo Brasil, divulgada pelo Movimento Black Money em junho deste ano, ainda vem acompanhado de outra realidade: o afroempreendedorismo feminino é marcado, principalmente, pela necessidade, realidade que Tássia conhece de perto. 

“Minha carreira no afroempreendedorismo infelizmente começou pela necessidade extrema”, conta Tássia. Jornalista e CEO da Agência Is, a carioca lançou-se no seu próprio negócio logo após ser demitida e não ter direito, ao menos, de receber os seus dias trabalhados.

Tássia Di Carvalho
(Tássia Di Carvalho/Arquivo pessoal)
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“Eu precisava muito de dinheiro para pagar as minhas contas e precisei pensar em coisas imediatas que eu pudesse fazer para me sustentar, mas que também fossem dentro da minha área, porque eu não queria mais fugir da comunicação”, relata.

Quase que instintivamente, ela lançou-se de forma pioneira ao atendimento e assessoramento de negócios e projetos sociais com os quais ela já havia tido contato, uma área até então carente de reparação. “Eu achava que o empreendedorismo iria ser um quebra galho, até eu conseguir um outro emprego, mas até hoje eu atendo o meu primeiro cliente”.

As dores

Apesar do êxito na área, Tássia não deixa de se lembrar das marcas deixadas pelo desprezo, falta de apoio e preconceito racial, fatores os quais teve que enfrentar durante a jornada.

“Chegaram a perguntar se eu queria cesta básica”, diz.

“No início do trabalho, quando eu falava que assessorava exclusivamente ações de impacto social, muitas pessoas riram de mim e falaram que eu ia passar fome. Eu sofri muito preconceito, principalmente dos meus próprios colegas”, conta a jornalista.

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Tássia ainda relembra sua atuação como comunicadora no mercado de trabalho e a forma como era invisível: “Eu me questionava, pois eu trabalhava em um grande jornal, ralando todo dia e o meu chefe, que era um homem branco, ficava com o mérito do meu trabalho.”

Hoje ela comemora que, por seguir sua autonomia empresarial, foi agraciada com uma moção honrosa na Câmara dos Vereadores do Rio e com uma premiação na Vila Kennedy, reconhecimentos que vieram seguidos de palestras e um aumento de networking.

A realidade ditada pelo racismo institucional também é compartilhada por Nilzete dos Santos. CEO da Afrotours, uma agência de turismo em Salvador voltada para a cultura afro-brasileira, a baiana aponta a dificuldade de se conseguir credibilidade no mercado como dos maiores obstáculos.

Nilzete dos Santos
(Nilzete dos Santos/Afrotours/Arquivo pessoal)

“O racismo institucional impera no meio turístico. Os profissionais são em sua maioria bastante preconceituosos e têm medo de apresentar a história dos negros, pois eles sabem do nosso empoderamento”, diz.

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Ela, que hoje se vê realizada, relembra que já teve até mesmo que mudar o nome da agência no passado para conseguir aumentar a sua clientela e acesso aos regulamentadores turísticos.

“As organizações que regulamentam o turismo, antes, não queriam saber de diálogo. Ainda hoje o afroturismo é muito escasso”, aponta Nilzete, que de forma até crítica ainda relata: “eles gostam mesmo é de usar os negros como atores”

“Minha superação vem da ancestralidade. Eu tenho orientação familiar”, afirma Nilzete.

 

Diferente de Tássia, Nilzete tem o afroempreendedorismo como uma herança de família. 11ª filha de um casal de comerciantes, os negócios sempre foram muito intuitivos para ela, que só uniu o tino à paixão pela arte, história e cultura.

Seu sucesso e superação ela atribui a uma coisa em especial: ao networking e às redes de apoio, principalmente de mulheres e negras ou apoiadores anti-racistas.

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Afroredes

Referência no que diz respeito ao Black Money, Nina Silva, reconhecida recentemente como a Mulher Mais Disruptiva do Mundo pela Women in Tech, se orgulha em falar sobre sua área de atuação: “permito que negros entrem em empresas e construam seus espaços de autonomia sem ter que passar pelas situações de racismo ainda presentes nas empresas privadas, principalmente em cargos de gestão.”

CEO do Movimento Black Money, sócia fundadora em empresas, além de investidora em uma outra startup, Nina tem buscado atualmente combater o racismo estrutural em paralelo com o velho e conhecido racismo institucional.

Nina Silva
(Foto: Nina Silva/Divulgação)

O racismo institucional não me dói mais, já o estrutural me dói pela quantidade de corpos pretos que são mortos, por tudo que minha sobrinha passa na escola, isso me dói. Mas, me move saber que, hoje, podemos instrumentalizar as nossas crianças pretas, instrumentalizar os empreendimentos negros a não dependerem de um sistema em que todo mundo quer a morte desses corpos ou da nossa existência psíquica”, diz. 

Dialogando com empresas, a CEO tem buscado mostrar formas das mesmas serem ativas na luta antirracista, o que vai desde a contratação de pessoas pretas até impactos mais profundos no ecossistema à favor da inclusão.

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“Não é só com a inclusão no quadro colaborativo que vamos criar um impacto estrutural para mudar a realidade da população negra. Precisa ser feito? Sim, é um trabalho paralelo. Mas é preciso que tenham compromisso de enegrecer seu supply chain, que é onde vai o dinheiro grosso. Estamos falando aqui de meios de produção e sistemas de poder”, aponta a tecnóloga. 

Para tal missão, Nina já tem um trabalho em vista, o MBM Experience, programado para os dia 26 e 27 de novembro.

“O evento reunirá referências negras e não negras falando de projetos práticos e dando exemplo de intencionalidade para que investimentos sejam direcionados em combate às desigualdades raciais em diferentes âmbitos e mercados. Além da presença de empresários negros e negras para nós inspirar e refletir sobre como ainda é mais árduo e desafiador o empreender enquanto pessoa negra em nosso país.”

Para ela, mirar tão alto é uma ambição boa. “Se eu não falar com quem tem a bola [o poder], nunca vou fazer com que meu povo seja, um dia, o “dono da bola”. Estamos mirando, sim, nos lugares onde falamos de capital, de dinheiro e de poder, para que a gente possa falar de humanidade, liberdade e autonomia, que movem a nossa sociedade.”

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